Cuiabá, Sábado, 2 de Agosto de 2025
LEOMAR DARONCHO
21.07.2016 | 07h25 Tamanho do texto A- A+

A “verdade” e o pote de mel

Quando é necessário censurar o comportamento de alguém (dizer uma “verdade”), a tarefa requer a temperança de considerar a situação do outro

O Elogio da Loucura, uma das principais obras do Renascimento - Século XVI –, satiriza a sociedade da Idade Média em escrito que se tornou atemporal.

 

O autor, Erasmo de Roterdã, já satirizava as dificuldades de censurar o comportamento alheio: “Só aos loucos os deuses concederam o privilégio de censurar e moralizar sem ofender a ninguém ”.

 

Permanece atual a constatação de 1509. Uma das características mais agregadoras nas relações humanas, e por isso muito valorizada, reside na capacidade de indicar a eventual inadequação da postura de familiares, amigos ou colegas sem provocar crises incontornáveis, ou envenenar os relacionamentos.

Se não pode exigir um comportamento angelical, também não permite que o ambiente de trabalho propicie o culto ao sadismo

 

Numa perspectiva transcendente, a habilidade de encaminhar a correção do semelhante demandaria elevado grau de empatia. Ou seja, capacidade de proporcionar uma resposta afetiva e apropriada à peculiar situação de outra pessoa, colocando-se no lugar dela.

 

Entre os cristãos, a referência a essa postura, inclusive com a técnica e o provável resultado do sucesso na empreitada, é normalmente extraída do Evangelho de Mateus, “Se teu irmão pecar contra ti, vai corrigi-lo, mas em particular, a sós contigo! Se ele te ouvir, tu ganhaste o teu irmão” (Mateus 18, 15).

 

A doutrina da Igreja Católica identifica nessa passagem bíblica a virtude da correção fraterna. Referida como necessária, decorrente de Deus, sendo animada pelo amor e pela intenção de ajudar a quem errou. O foco está no outro.

 

Os livros de autoajuda encarregaram-se de dar várias versões a uma sabedoria popular que pode ser traduzida na frase: "Se vais lançar a flecha da verdade, molhe a sua ponta em um pote de mel"

 

Em resumo, quando é necessário censurar o comportamento de alguém (dizer uma “verdade”), a tarefa requer a temperança de considerar a situação do outro.

 

Essa qualidade também é muito valorizada nas chefias, ou lideranças, no universo das empresas e das relações profissionais. Ao menos em teoria.

 

A educação corporativa incorporou o conceito nas técnicas da Comunicação Não-Violenta.

 

Trata-se de prática que propõe a “reumanização” das relações, a partir de habilidades de linguagem e de comunicação, agindo com um ferramental que aumentaria a capacidade de construir melhores diálogos e, assim, aprimorar a interação.

 

A vida real, marcada pela premência dos resultados e pela competição exacerbada, todavia, mostra a dificuldade de assimilação dessas ideias e práticas, numa sociedade moderna, como a brasileira, que anunciou uma pauta jurídica de valores que dá destaque à dignidade da pessoa humana. 

 

No caso do ambiente de trabalho, embora os exageros nas censuras e/ou cobranças possam ocorrer nas mais diversas situações e direções, inclusive do subalterno em relação ao seu superior, a que se mostra realmente relevante, pela limitação nas possibilidades de reação da vítima, diz respeito ao abuso cometido contra o trabalhador subordinado.

 

A situação pode descambar para a exposição do funcionário ou da funcionária, sistematicamente, a situações ultrajantes, caracterizando o assédio moral. Em regra, esse tipo de comportamento é encontrado em ambientes que favorecem o surgimento de chefias autoritárias.

 

Campo fértil para métodos que têm por objetivo manter os subordinados, obedientes e temerosos, com o moral baixo.

 

A Justiça do Trabalho vem reprimindo essa prática. Considera legítimo o exercício do mando. Porém, reprime a tortura do chefe, que não é inocente. Admite que o objetivo da prática é alcançar uma determinada meta.

 

Cumprir ordens recebidas sem considerar que pode estar assediando os seus subordinados. 

 

Nesse contexto, se não pode exigir um comportamento angelical, também não permite que o ambiente de trabalho propicie o culto ao sadismo.

 

As punições aos empregadores têm sido cada vez mais severas. Por lei, cabe-lhes zelar pela higidez do ambiente de trabalho. E não lhes têm aproveitado o argumento de que desconheciam os métodos e ignoravam as práticas de seus gerentes e prepostos.

 

Afinal, como alertou o humanista e teólogo que escandalizou a sociedade medieval: “Os males que não são percebidos são os mais perigosos”.

 

LEOMAR DARONCHO é procurador do Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso.

*Os artigos são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião do MidiaNews. 

 

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