Há pouco mais de um mês, 22 de abril, completamos 514 anos do descobrimento do Brasil. Mas, será que foi descobrimento mesmo? Como um índio responderia a seguinte pergunta: o Brasil foi descoberto ou invadido? Com certeza, a resposta seria simples, verdadeira e enfática, "foi invadido".
Aqui havia várias civilizações. Algumas com elementos culturais e tecnológicos mais avançados que a civilização europeia.
Vale a pena lembrar, a cena ocorrida em 1500, quando Pedro Álvares Cabral chegou ao litoral brasileiro, trazendo em suas caravelas os homens "civilizados" - prontos para explorar a terra; violentá-la em busca de ouro sem se preocupar com a natureza ou com a cultura indígena.
Ao longo desses séculos, essas civilizações antes existentes nas Américas foram dizimadas brutalmente.

"Pensar o Brasil, de uma forma humanista é respeitar todas as nossas culturas, principalmente a indígena"
Estudos realizados por historiadores revelam que o descobrimento oficial do Brasil foi uma farsa visando enganar a Espanha, que tinha com certa a ignorância de Portugal sobre a existência de novas terras no hemisfério sul.
Não foi por acaso que os dois países assinaram um acordo na cidade espanhola de Tordesilhas, dividindo a partir de 1494, todas as terras que encontrassem no além mar.
Duarte Pacheco Pereira tinha mapeado grande parte o Brasil muito antes do seu descobrimento, e até chegou a publicar um livro sobre as suas experiências nas terras descobertas por ele, dizendo das grandes vantagens que Portugal teria se agisse rapidamente.
Nesta semana, houve uma grande manifestação indígena na Esplanada dos Ministérios para repudiar a proposta da bancada ruralista (PEC 215) que visa transferir do Executivo para o Legislativo a demarcação de terras indígenas. Segundo a dirigente da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Sônia Guajajara, "os ruralistas da Comissão têm feito audiências pelo país, mas não para dialogar. Querem apenas legitimar uma decisão que eles já têm".
Maiakoski, poeta russo "suicidado" após a revolução de Lenin, escreveu no início do século 20: "Na primeira noite, eles se aproximam e colhem uma flor de nosso jardim. E não dizemos nada. Na segunda noite, já não se escondem, pisam as flores, matam nosso cão. E não dizemos nada.
Até que um dia, o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a lua, e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E porque não dissemos nada, já não podemos dizer nada".
Pensar o Brasil, de uma forma humanista é respeitar todas as nossas culturas, principalmente a indígena. Se quisermos respeitar a nossa história, é preciso preservar as etnias. Entender que os índios possuem direitos iguais aos brancos. E que são capazes também.
O melhor exemplo disso, é o sucesso alcançado pelo representante da etnia Mehináhu, do Alto Xingu, que acaba de concluir a pós-graduação na UnB, desenvolvendo um trabalho inédito sobre o estudo da língua indígena. Makaulaka Mehináka Awetí aprofundou a descrição gramatical da língua, que também está presente na região Norte do Brasil e em países como Bolívia, Peru e Venezuela. "Entrar neste universo significou muito.
Penso na minha aldeia, naqueles que abandonaram a sua própria língua. E de como valorizá-la. Esse passo vai nos ajudar a ter voz e a defender a nossa cultura", disse Makaulaka, durante a defesa da dissertação.
Os vários séculos de dominação da cultura europeia e o tipo de exploração que o capitalismo trouxe a essas terras, nos fizeram ver os indígenas como povos atrasados, incultos e sem capacidade de produzir nada. Nas últimas décadas o mundo tem mudado muito.
Estamos percebendo que o meio ambiente tem um valor fundamental na garantia da própria existência da humanidade. Os cientistas nos alertam hoje que chegamos à beira de uma encruzilhada que poderá significar nossa própria extinção se não revertermos o aquecimento global. Vários estudos mostram que corremos elevados riscos também na área de saúde com a proliferação de bactérias super-resistentes a antibióticos e outros nos alertam para os efeitos nocivos a poluição de reservatórios de água potável por venenos que usamos na lavoura.
Por tudo isso, precisamos revalorizar os legados das culturas indígenas, presentes em seus mitos e em seus conhecimentos sobre a natureza. Nossos ideais de felicidade já não podem mais passar somente pela acumulação de bens, outros valores precisam ser absorvidos por nosso cotidiano. Nisso também as culturas indígenas podem nos ajudar.
VICENTE VUOLO é cientista político e analista legislativo do Senado Federal.