Encontrei a borracha hoje, esquecida no fundo da gaveta, ao lado de uma caneta quase sem tinta. Aquela borracha branca, macia, com as bordas já cinzentas, sujas de incontáveis deslizes. E o pensamento veio, inevitável: quantas vezes na vida não desejamos uma borracha mágica? Uma que apagasse tudo, de verdade, sem deixar sequer a sombra teimosa no papel ou a rugosidade que o atrito impõe.
Na vida, assim como no papel, a gente erra. Há o deslize leve — uma palavra fora do lugar, uma vírgula que muda o sentido de uma frase inteira. E há aqueles erros que são verdadeiros borrões de nanquim, manchas que parecem gritar para o mundo: “Olhem, eu falhei!” É então que, com a borracha na mão, a pergunta ecoa: o que de fato se pode apagar e o que só nos resta aprender a corrigir?
A borracha é a tentação do recomeço imaculado. A ilusão sedutora de que o erro nunca existiu. Esfregamos, esfregamos, com a fé ingênua de recuperar o papel virgem. Mas sabemos, no fundo: mesmo após o esforço, o papel nunca mais será o mesmo. Ficam as marcas sutis, as cicatrizes da folha que sussurram: “Houve luta aqui.” Nossa alma é um papel antigo, que também guarda suas marcas. Por mais que queiramos apagar certas escolhas ou palavras lançadas ao vento, a experiência fica impressa em nós, camada sobre camada.
E então, temos o corretor. Ah, o corretor... Este é o instrumento da maturidade, da humildade que aceita a bagunça do processo. Diferente da borracha, o corretor não nega o erro; ele o reconhece, cobre-o com uma camada de branco e nos oferece o convite mais generoso: a chance de reescrever. Ele entende que o equívoco não foi um fim, mas parte do caminho. Sobre aquela base falha, podemos erguer um “sim” consciente, traçado com a tinta mais firme da experiência.
No fim das contas, navegamos esse eterno equilíbrio entre a borracha e o corretor. Avaliamos o que pode ser deixado para trás sem vestígios e o que, coberto pela camada opaca do aprendizado, pode ser transformado em uma versão mais sábia. É claro que carregamos lembranças que gostaríamos de apagar para que a dor cessasse de latejar. Mas existem histórias que, por mais tortuosas que tenham sido seus capítulos, merecem ser revisitadas não com arrependimento, mas com o carinho de quem compreendeu sua lição.
A vida não nos entrega folhas em branco todos os dias. Ela nos presenteia com o corretor. Oferece a chance de ajustar o traço, de refazer o caminho, de seguir escrevendo. E a beleza, meu amigo, está justamente aí: na coragem de reescrever, na sabedoria de honrar as marcas do percurso e na delicadeza de aceitar que uma história não precisa ser perfeita — apenas precisa ser verdadeira, com todas as suas camadas de tinta e branco.
Portanto, se hoje você se deparar com aquele erro que ainda o assombra, respire fundo. Talvez o que você precise não seja da borracha, ansiosa por sumir com o passado, mas sim do corretor — e de uma dose generosa de paciência para reescrever a própria história com mais amor — e, acima de tudo, com mais consciência.
Soraya Medeiros é jornalista com MBA em Marketing.
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