O Rio de Janeiro está vivendo dias de fantasia e não é por conta do carnaval. Trata-se de uma crise administrativa que está recebendo maquiagem especial antes de aparecer na grande imprensa. Na disputa pelos domínios de áreas que rendem nababescas quantias de dinheiro ilícito, instaurou-se uma guerra no crime organizado.
À expressão crime organizado leia-se: Estado, polícias, milícias, políticos e bandidos. Há muitas décadas, o Rio de Janeiro deixou de combater criminosos. Tornou-se o próprio crime. Nauseabundo. Pútrido. Legitimado.
Algumas fantasias são facilmente observáveis. A principal delas diz respeito às tais invasões para pseudopacificação. Batalhões de polícia são destacados para invadir favelas para a tal "retomada de território", mas as operações são fartamente anunciadas nos dias anteriores, permitindo que todos os bandidos, traficantes, milicianos e demais possam "rapar fora", "picar a mula".
O próprio governador já afirmou que o objetivo das operações não é prender criminosos e sim "retomar áreas". Ou seja, é tão somente um espetáculo teatral para estampar as mídias do dia seguinte. E não duvide: a imprensa está muito bem paga para cobrir essas operações carnavalescas.
Ainda no quesito máscaras, a onda do momento é a crise institucional nas polícias do Rio de Janeiro. Num dia, a Polícia Federal, com o apoio do Governo do Estado e da secretaria estadual de Segurança, faz uma devassa e prende uma turma: de subsecretários e delegados a policiais de rua que faziam "tratos" com o crime organizado.
No outro dia, "a organização", em represália, faz uma operação contra os próprios equipamentos do Estado, fechando a Delegacia de Repressão ao Crime Organizado sob a alegação de denuncias de favorecimento a políticos corruptos acusados de fraudar licitações em prefeituras fluminenses e até mesmo no Governo do Estado. É o "toma-lá-dá-cá".
Quem mora no Rio de Janeiro está acostumado à bandidagem, estatal ou não. É triste dizer isso, mas é a verdade. Em qualquer bairro da cidade, seja ele rico ou pobre, convivem tranquilamente delegacias de polícia, bancas de jogo do bicho, pontos de venda de drogas, palácios de governo e até cassinos clandestinos. Um ótimo e pertinente exemplo é o carnaval carioca, o maior espetáculo da terra, que é quase na totalidade financiado por dinheiro da contravenção.
É a verdade. E no fim das contas, já é hábito: se você está em alguma rua do Rio de Janeiro e em sua direção vem um policial e uma pessoa suspeita - dentro de todos os maniqueísmos do politicamente incorreto - não tenha dúvidas: abrace o suspeito. Ainda é mais seguro.
Muito além de tudo isso, você, morando ou não em terras fluminenses, deve estar se perguntando: por que os colunistas, os jornais, as revistas, as rádios e os telejornais não conseguem observar o óbvio e falar sobre o assunto como de fato ele é? Por medo. Você já imaginou ter os holofotes dos aparatos de inteligência do Estado, das polícias e dos bandidos - uma difícil distinção - voltados para a sua cabeça, para sua vida e para sua privacidade? Pois é.
Como é difícil encontrar hoje alguém ou alguma empresa que não tenha um mínimo de "rabo preso", convencionou-se que a melhor saída é usar a tática do ex-presidente Lula: "eu não vi nada, eu não sei de nada". E a verdade? Dane-se a verdade! E os fatos? Danem-se os fatos! E o povo? Dane-se o povo! Mas não deixemos de votar, afinal é só pra isso que servimos.
HELDER CALDEIRA é escritor, colunista político, palestrante e conferencista.
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