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21.12.2025 | 10h10 Tamanho do texto A- A+

Sob Trump, EUA mais que dobram número de deportações

De janeiro a setembro de 2025, o ICE deportou pelo menos 113 mil imigrantes, um aumento de 126%

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Os dados foram analisados a partir de documentos obtidos pela lei de acesso à informação americana

Os dados foram analisados a partir de documentos obtidos pela lei de acesso à informação americana

VICTOR LACOMBE E GÉSSICA BRANDINO
DA FOLHAPRESS

A campanha de deportação em massa conduzida pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, é uma das medidas mais visíveis e de consequências mais profundas para o país tomadas pelo republicano desde que voltou à Casa Branca este ano.

 

Batidas de autoridades imigratórias em estacionamentos, supermercados, escolas, tribunais e no transporte público transformaram a vida de imigrantes nos EUA, que hoje vivem uma rotina de medo. Segundo ativistas, muitos se retiraram da vida pública, participando menos de eventos culturais e até mesmo deixando de sair à rua.

 

O braço responsável por prender imigrantes em situação irregular dentro do país é o ICE, o serviço de imigração dos EUA. 

 

Entretanto, apesar da alta visibilidade das operações do ICE, o número total de imigrantes deportados pela agência não está claro. O governo Trump fala em 2,5 milhões de estrangeiros a menos no país, dos quais 600 mil teriam sido deportados, e o restante, deixado o país de forma voluntária. Vários veículos da imprensa americana publicaram estimativas diferentes.

 

Agora, uma análise de dados do governo dos EUA feita pela Folha aponta que, de janeiro a setembro de 2025, o ICE deportou pelo menos 113 mil imigrantes, um aumento de 126% em relação ao mesmo período do ano passado, quando estava no poder o democrata Joe Biden.

 

Os dados foram analisados a partir de documentos obtidos pela lei de acesso à informação americana e compilados pelo Deportation Data Project, iniciativa da Universidade da Califórnia.

 

A análise considera deportações conduzidas pelo ICE, não pela outra agência imigratória americana, o CBP (Serviço de Alfândega e Proteção das Fronteiras), responsável principalmente por evitar a entrada de imigrantes pela fronteira com o México. Isso significa que o dado real pode ser maior, mas não muito —uma vez que o número de pessoas que entram nos EUA pela fronteira sul despencou em 2025.

 

"Minha previsão é que essa é uma conquista temporária", afirma Daniel Kanstroom, professor de direito do Boston College especializado em imigração. "As forças que impelem as pessoas a imigrar, principalmente da América Latina, são muito, muito poderosas. Não acho que seja possível pará-las a não ser que haja mudanças estruturais no hemisfério. Se as empresas americanas continuarem a contratar pessoas, os imigrantes vão continuar a vir."

 

Os arquivos mostram que, sob Biden, o ICE deportou 50 mil imigrantes de janeiro a setembro de 2024. Um relatório do órgão migratório daquele ano coloca o número total de remoções em 270 mil —mas inclui também o que se chama de expulsões, em que um imigrante sai de forma voluntária ou é imediatamente repelido na fronteira sul.

 

Embora um aumento considerável em relação ao governo Biden, o número de 113 mil deportações obtido pela Folha é menor do que o de 600 mil apresentado pelo governo Trump. A reportagem entrou em contato com o ICE e o Departamento de Segurança Interna (DHS) para perguntar sobre a discrepância, mas não obteve resposta.

 

"Entre meus colegas advogados, há um sentimento de exaustão e imensa incerteza", diz Kanstroom. Para ele, há cada vez mais provas de que o ICE vem operando de maneira ilegal na forma como prende e deporta pessoas. "Ninguém sabe o que dizer para seus clientes, e eu trabalho com isso há um quarto de século. Muitos advogados estão com raiva porque parece que vivemos em um sistema sem lei."

 

A análise da reportagem também se debruçou sobre os países para onde os imigrantes foram deportados e suas nacionalidades. Esses dois dados, no governo Biden, eram praticamente os mesmos. Entretanto, isso mudou no governo Trump, que começou a deportar para lugares como México e El Salvador imigrantes que não eram cidadãos desses países.

 

Os documentos mostram que os mais deportados são os mexicanos, que representam 40% do total. Em seguida, vêm guatemaltecos, hondurenhos e venezuelanos —os brasileiros estão em 11º lugar na lista. Foram 1.373 cidadãos do país expulsos dos EUA pelo governo Trump no período analisado, quase quatro vezes a mais do que no governo Biden.

 

O número de pessoas deportadas ao México explodiu, subindo de 25 mil para 48 mil, e pelo menos 4.000 destes não eram cidadãos mexicanos. Os enviados à Venezuela também dispararam: de cerca de 400 pessoas, em 2024, para mais de 6 mil, em 2025, aumento de 15 vezes que se deveu em parte à pressão do governo Trump para que o regime de Nicolás Maduro voltasse a aceitar voos de deportação vindos dos EUA.

 

Com a aprovação pelo Congresso do projeto orçamentário de Trump em julho, os recursos destinados ao ICE triplicaram: de US$ 10 bilhões, em 2025, para pelo menos US$ 30 bilhões no ano que vem, com um investimento de mais US$ 75 bilhões até 2029.

 

A disparada do orçamento deve transformar o ICE. Com US$ 30 bilhões, se fosse uma Força Armada tradicional, o serviço de imigração americano seria a 17ª mais cara do mundo, acima de países como Canadá, Turquia, Espanha e Brasil, que gasta US$ 20 bilhões por ano em Defesa.

 

Com o investimento, o serviço de imigração tem planos para contratar mais 5.000 agentes, chegando a um total de 30 mil, e ampliar a capacidade de leitos em centros de detenção de 70 mil para 100 mil. Relatos da imprensa americana também afirmam que a meta de prisões diárias do ICE será de 2.000 a partir de 2026.

 

"Eu moro em Boston, onde há uma grande comunidade brasileira. Tenho muitos amigos brasileiros. E mesmo pessoas com cidadania americana me perguntam: devo andar na rua com meu passaporte?", diz o professor Daniel Kanstroom. "É uma pergunta e um nível de medo sem precedentes neste país. E acho que o medo e a crueldade causados [pelo governo Trump] são intencionais."

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