Bombeiros explicam como evitar tragédias em boates

O incêndio que matou 236 jovens na cidade de Santa Maria (RS), na madrugada do último dia 27 de janeiro, aumentou a preocupação da população com a segurança nas boates e casas de shows.

Para evitar que essa tragédia seja vivenciada em Mato Grosso, o Corpo de Bombeiros iniciou, na terça-feira (29), um levantamento para saber quais os estabelecimentos estão em ordem com documentação e estruturas indispensáveis para enfrentar eventuais situações de emergências.

O capitão Josiel Borges da Silva, responsável pela seção de Legislação e Pareceres da Diretoria Contra Incêndio e Pânico (DCIP), afirmou que a maioria dos acidentes acontece por negligência.

“A tragédia em Santa Maria é um fato lamentável. Podemos perceber uma sucessão de erros. Quando eu vi as imagens pela televisão, eu já sabia que muita gente ia morrer. O motivo principal foi a existência de apenas uma saída. O local também estava com superlotação. Estudando o histórico de grandes incêndios, é possível dizer que a maioria deles acontece por negligência, e neste não foi diferente”, disse o oficial.

As falhas, segundo o oficial, não são apenas do dono da boate, que descumpriu as normas de segurança, mas também do Poder Público, que deixou de fiscalizar, e dos usuários, que não se atentaram para as normas básicas de segurança.

“Agora, acendeu uma luz vermelha em todo o país. Cresceu de forma considerável a quantidade de empresários em Cuiabá que procuram a DCIP para pedir fiscalização. Ninguém quer ser responsabilizado por uma tragédia. Este é o momento de mudar o comportamento e dar atenção para ítens que passavam despercebidos. Como uma saída de emergência ou a falta dela”, disse Borges.

Sem pânico

O capitão do Corpo de Bombeiros fez orientações sobre os cuidados que devem ser tomados em locais fechados, não somente bares ou casas noturnas.

As instruções servem para igrejas, supermercados, shoppings, escolas e demais locais onde há concentração de muitas pessoas. Evitar o pânico é determinante para ter sucesso, segundo ele.

“Sabemos que é difícil controlar o pânico em algumas situações. Mas, esse controle pode ser o ítem essencial para o salvamento de uma pessoa. O pânico é uma situação que contamina, é uma reação em cadeia. E, depois do pânico instalado, tudo tende a piorar. Tenha autocontrole. Quando perceber algo de estranho, acione os Bombeiros imediatamente pelo telefone 193, diga o que está acontecendo. Fale seu nome, qual a situação, o endereço, telefone de contato. Coisas simples que salvam vidas. Nada de postar no Facebook, mandar mensagens para amigos, isso não vai resolver”, informou.

O oficial explicou ainda que é indispensável que as pessoas tenham o hábito de observar o local onde estão. Fazer uma leitura prévia do ambiente, traçar um plano de fuga, observar onde ficam as portas, janelas e extintores de incêndio.

“Quando chegar a algum lugar, de ambiente fechado, é importante realizar um mapeamento mental do local. Verificando onde estão localizadas as portas de saídas, janelas escadas e demais compartimentos que possam possibilitar a saída imediata daquele ambiente, em caso de um incêndio ou qualquer outro tipo de incidente. Esse procedimento preventivo vai auxiliar a pessoa, caso haja uma situação de emergência”, explicou.

Em caso de incêncio, deve-se  evitar os elevadores. Segundo o oficial, em caso de incêndio, a primeira medida que os Bombeiros tomam é desligar a energia. Dessa forma, quem estiver dentro dos elavadores vai ficar preso.

"Se um incêndio ocorrer em seu escritório ou apartamento, saia imediatamente. Muitas pessoas morrem por não acreditarem que um incêndio pode se alastrar com rapidez. Use as escadas - nunca o elevador. Um incêndio, por mais simples que seja, pode determinar o corte de energia para os elevadores. Feche todas as portas que ficarem atrás de você, assim retardará a propagação do fogo. Então, use as escadas, com calma e sem desespero. Esses procedimentos salvam vidas", alertou o capitão Josiel.

Ajudar as pessoas que estão no mesmo local é uma atitude válida, porém os excessos podem aumentar ainda mais a quantidade de vítimas. A pessoa que conseguiu escapar não pode retornar ao local do incêndio.

“Em Santa Maria, muitas pessoas morreram por terem retornado para dentro da boate. Isso não pode acontecer, espere os Bombeiros. Redirecione as pessoas que estiverem próximas de você para as saídas de emergências. Oriente as pessoas que você encontrar para que tomem a mesma medida de segurança e saiam do local. Em casos onde já esteja ocorrendo o incêndio, a quantidade de ar quente e gases tóxicos inalados pelas vias aéreas são bem maiores. Dessa forma, seu pulmão e sentidos ficam bem mais vulneráveis. Então, evite gritar. Continue procurando a saída de emergência e quando sair, não retorne”, disse.

Borges disse ainda que, a fumaça se concentra próximo ao teto e, por isso, é importante se abaixar ou até mesmo rastejar.

“Se você ficar preso em um ambiente cheio de fumaça, fique junto ao piso, onde o ar é sempre melhor. Respire pelo nariz, em rápidas inalações. Se possível, molhe um lenço e utilize-o como máscara improvisada. Procure rastejar para a saída, pois o ar é sempre melhor junto ao chão. Se possível, fique perto de uma janela, de onde poderá chamar por socorro. Se não conseguiu mentalizar as portas de saídas, siga as paredes, que logo uma porta aparece”, disse

Fogos de artifícios

Com relação aos fogos de artifício, o Corpo de Bombeiros informa que é oportuno saber que eles são divididos em quatro classes e, em todas, recomenda-se sempre a assistência de adultos.

Classe A (Infantil) - Podem ser vendidos a menores e sua queima é livre; Classe B ( Juvenil ) - Podem se vendidos a menores, mas a sua queima é proibida em sacadas, portas ou janelas que estejam próximas de vias públicas;

Classe C (Adulto) - Venda proibida a menores de 18 anos;

 

Classe D (Shows) - Venda expressamente proibida a menores de 18 anos, sob qualquer hipótese. Só podem ser queimados com licença prévia das autoridades competentes.

“Em Santa Maria, infelizmente,além de vários fatores que ofereciam risco, soltar um sinalizador dentro da boate foi muita irresponsbilidade. As faíscas se transformaram em fogo e fumaça de forma muito rápida. Demonstrações ou shows pirotécnicos só devem ser feitos por pessoas capacitadas ou profissionais da área e nunca faça experiência, modifique ou reutilize os fogos de artifícios que falharam. Isso é muito perigoso. Não faça da sua brincadeira a tristeza de muitos”, alerta Borges.

Segurança na noite

O MidiaNews visitou duas tradicionais casas noturnas da Capital e ouviu empresários sobre as medidas de segurança adotadas no local. O Getúlio Grill e o Canela Fina abriram as portas e mostraram que respeitam as normas de segurança contra incêndio e pânico.

 

Outros estabelecimentos também foram procurados, mas não permitiram o acesso da reportagem.

Getúlio Grill

Thiago Bergamasco/MidiaNews

Salgueiro, do Getúlio Grill: projeto de segurança

O empresário Afonso Salgueiro, proprietário do Getúlio Grill, localizado na Avenida Getúlio Vargas, com 18 anos de atividade, disse que duas de suas principais preocupações são segurança e atendimento ao cliente.

Salgueiro afirmou que investiu cerca  de R$ 100 mil em equipamentos de segurança. Ele instalou elevador, identificadores de fumaça, extintores, placas de sinalização, hidrantes e portas sem travas.

“Há uns três anos, o promotor de Justiça Gerson Barbosa questionou as condições de segurança da boate. Não tínhamos acessibilidade para pessoas com deficiências. Nos adequamos e investimos R$ 25 mil só com o elevador. Hoje, eu agradeço a notificação, que me fez perceber que estava eu cometendo erros”, disse.

 

O empresário contratou um engenheiro civil, que fez um projeto contra incêndio e que, segundo ele, contém todas as medidas de segurança exigidas pelos Bombeiros.

Ele também instalou uma central de alarme, que identifica fumaça. Quando é percebida fumaça no local, o alarme toca na empresa de segurança, que comunica ao Corpo de Bombeiros imediatamente.

Além da entrada principal, existe uma saída de emergência, que dá acesso direto a avenida.

 

A parte superior do estabelecimento, onde funciona a boate Getúlio Loft, está passando por reforma na decoração.

Outra exigência do projeto contra incêndio foi a instalação de um hidrante, que é interligado com a caixa d'água de 10 mil litros. Dentro do restaurante e também na boate, existem duas mangueiras, com 30 metros cada.

“Mesmo com as medidas de segurança que já fizemos, acredito que é o momento oportuno para as autoridades fiscalizarem todas as casas. Se houver irregularidades, os empresários devem se adequar. Ninguém quer carregar nos ombros o peso de uma tragédia, como a do Rio Grande do Sul. Infelizmente, acidentes acontecem. Estamos cumprindo o que a lei determina para garantir que, caso aconteça algo, teremos como agir até os bombeiros chegarem. Temos todos os alvarás fixados na parede. Os clientes do Getúlio podem ter a certeza de que estão frequentando um local que obedece a todas as normas de segurança”, afirmou Salgueiro.

Canela Fina

O gerente da boate Canela Fina, localizada na Rua Cândido Mariano, Vitor Niero, garantiu que todas as medidas de segurança foram tomadas quando a casa iniciou o funcionamento, há cerca de três anos. Uma equipe de 12 funcionários possui treinamento como brigadistas, em caso de incêndio.

Niero disse ainda que o teto da casa noturna é revestido por um material de fabricação alemã, chamado Hunter Douglas, que tem propriedades antichamas, abafador acústico e é feito de fibra natural.

As lâmpadas de emergência estão espalhadas por todos os lados, indicando as saídas. Também foram instalados dois hidrantes, com mangueiras de 30 metros, para um combate emergencial ao fogo.

Thiago Bergamasco/MidiaNews

Vitor mostra um dos hidrantes da boate Canela Fina

“O material que reveste o teto é caro. Muitas casas usam o isopor ou espuma, como o caso da boate em Santa Maria. Tomamos esse cuidado para proteger o nosso público. Investimos alto em segurança, treinamos os funcionários. Temos 22 extintores de incêndio, três portas que são acesso direto pra rua. Essas portas não possuem travas e são grandes, para sair bastante gente ao mesmo tempo. O investimento é alto, mas tem que ser feito. O nosso projeto foi aprovado pelos Bombeiros e estamos preparados para receber nosso público”, disse.

A superlotação é outra preocupação da casa, que limita entrada de clientes. “É comum ver filas de espera do lado de fora. Isso significa que a casa já está cheia e tem que esperar alguém sair para outros entrarem. Além da preocupação com segurança, queremos que o nosso cliente se sinta bem e se divirta. As nossas portas estão abertas para receber o nosso público e com segurança”, frisou.

Fiscalização

Em uma listagem prévia, de 27 estabelecimentos em Cuiabá, apenas dez possuem toda a documentação e seguem as normas de segurança. As outras 17 têm falhas que são consideradas amenas e, por isso, foram notificadas para sanarem os defeitos apresentados.

Segundo o diretor-técnico DCIP, tenente-coronel Willkerson Cavalcante, as boates de Cuiabá que estão regulares são: Valley Pub, Lua Morena, Água Doce Cachaçaria, Anauê, Canela Fina, Nuun, Getúlio Loft e Crystal.

Na cidade de Várzea Grande, têm condições de funcionamento, segundo o oficial, o Galpão e a Oficina 58.

Dicas importantes

O capitão Josiel Borges passou dicas importantes que, sendo tomadas no cotidiano, podem evitar tragédias e também prejuízos financeiros:

Equipamentos eletrônicos

Não deixar os aparelhos eletrônicos ligados na tomada quando não for usá-los. "Usamos como exemplo o ferro de passar e secadores de cabelo. Manter os aparelhos ligados sem estar por perto aumenta a probabilidade de acidentes com crianças, que podem causar incêndios. É importante lembrar que, se for viajar, retire da tomada todos os eletroeletrônicos. Isso evita que descargas elétricas geradas por problemas na rede de fornecimento, ou por chuvas, ocasionem curto-circuito nos aparelhos".

Fogão

O oficial frisou que é muito perigoso permitir que crianças tenham acesso a fogão. Segundo o bombeiro, nunca deve-se deixar crianças pero do fogo, sem a presença de um adulto. "Não devemos permitir o acesso de crianças ao fogão e nunca se ausentar da cozinha quando alguma panela estiver no fogo diminuem bastante os riscos de um acidente. Também é preciso manter cortinas, panos de prato e outros itens que possam pegar fogo longe do fogão e do botijão de gás".

Cortinas e tapetes

O Corpo de Bombeiros Militar ressalta que é preciso evitar que cortinas compridas e tapetes fiquem sobre fios elétricos, pois em caso de curto-circuito ou aquecimento dos fios eles podem pegar fogo e iniciar um incêndio.

"Nunca deixe lâmpadas em contato com papéis e tecidos, como cortinas e tapetes, pois o calor gerado por ela é capaz de incendiar esses materiais. O mesmo vale para velas, que não devem ficar acessas quando os moradores não estiverem em casa ou estiverem dormindo".

Rede elétrica

O capitão também frisou que a rede elétrica deve ter um cuidado especial. Segundo Borges, improvisar ligações e usar fios incompatíveis com a rede são causas prováveis de acidades.

"Você já deve ter ouvido a orientação de que não se deve ligar vários aparelhos na mesma tomada usando extensão ou benjamins. Isso também vale para manter o risco de incêndio longe de sua casa. Outra dica é verificar sempre a condição da fiação de eletricidade, pois quando os fios estão descascados, eles soltam faíscas ao tocar uns nos outros, o que é suficiente para começar um incêndio", alertou.

Limpeza da casa

O bombeiro disse ainda que até as atividades mais simples, como limpar a casa, podem oferecer riscos, caso não sejam observadas algumas regras de segurança. "Usar álcool e outros produtos inflamáveis como querosene, gasolina e solventes na limpeza da casa é comum nos lares brasileiros, apesar do risco que representam. Essas substâncias formam uma mistura explosiva ao entrar em contato com o ar. Mesmo o álcool em gel, que tem sido a alternativa ao álcool líquido. Portanto, use produtos de limpeza não inflamáveis e garanta a segurança de sua família".