LAÍSE LUCATELLI
DA REDAÇÃO
Uma decisão da Justiça Eleitoral proibiu o site
Jornal Oeste de publicar matérias sobre as eleições em Cáceres. A coligação do candidato a prefeito Leonardo Albuquerque (PSD) entrou com representação alegando estar sendo prejudicada pela parcialidade das notícias publicadas pelo site.
O candidato alegou que foi alvo de reportagens que denegriram a sua imagem, enquanto o site veiculava “propaganda eleitoral positiva do candidato Francis Maris (PMDB)”, seu principal adversário na disputa.
Após a notificação, o site terá cinco dias para apresentar defesa e, até lá, está proibido de veicular qualquer notícia sobre os candidatos que disputam a prefeitura.
De acordo com o juiz Geraldo Fernandes Fidelis Neto, “a continuidade da veiculação de matérias favoráveis a um dos candidatos pode, certamente, ferir a igualdade de condições dos dois outros candidatos”.
O juiz ressaltou que, em se tratando de um período eleitoral, é preciso resguardar a liberdade de imprensa, mas preservando a igualdade de tratamento entre os candidatos.
“É necessário ficar sempre atento para que as matérias jornalísticas veiculadas na mídia, não se macule com propaganda, travestida de informações, veiculadas de forma disfarçada, subliminar, dissimulada, realizadas no dia-a-dia da campanha em doses homeopáticas, mas que acaba influindo na convicção do voto”, escreveu.
O representante do Ministério Público deu parecer favorável à concessão da liminar, e pediu a abertura de investigação judicial para apuração de abuso de poder econômico e uso indevido de veículo de comunicação.
“Aberração jurídica”O jornalista responsável pelo site
Jornal Oeste, Gonzaga Junior, negou que esteja dando tratamento prioritário para o candidato Francis Maris.
“Eu publico de forma igualitária tudo o que as assessorias dos candidatos enviam. O grande problema é que a assessoria do Leonardo não produz tanto quanto a do Francis”, disse, em entrevista ao
MidiaNews.
“Enquanto o Francis manda um release por dia, o Leonardo manda um por semana. Como vou dar o mesmo espaço se não tem material?”, alegou.
Gonzaga classificou a decisão como “censura” e “aberração”. “É uma aberração jurídica proibir um veículo de comunicação comercial de cobrir uma eleição municipal. Isso é inconstitucional. É um atentado ao artigo 220 da Constituição Federal, que trata da Liberdade de Imprensa”, disparou.
“Além disso, a decisão foi injusta, pois os sites
Diário de Cáceres e
Expressão Notícias estão fazendo a mesma cobertura que eu, publicando os releases que chegam de todos os candidatos. Por que só eu fui punido?”, reclamou.
O jornalista disse, ainda, que considerou a decisão liminar muito dura, pois não deu a ele o direito de se defender antes de proibi-lo de noticiar a campanha eleitoral.
Confira a íntegra da decisão do juiz:Despacho
Decisão interlocutória em 31/08/2012 - AIJE Nº 30194 Dr. GERALDO FERNANDES FIDELIS NETO
Processo nº 301-94.2012.6.11.006
Vistos etc...
A Coligação “O Futuro começa agora” ajuizou a presente Ação de Investigação Judicial Eleitoral com pedido liminar em desfavor de Francis Maris Cruz, Antônia Eliene Liberato Dias e site Jornal Oeste, sustentando que consta do site do jornal Oeste várias reportagens que denigrem a imagem da Coligação “O futuro começa agora”, bem como há veiculação de “propaganda eleitoral positiva do candidato Francis Maris”, em afronta à legislação eleitoral.
Para tanto, a investigante colacionou aos autos diversas reportagens que tencionam demonstrar o alegado, sob o argumento de que “desde que foi deflagrado o processo eleitoral, foram elaboradas ou reproduzidas diversas reportagens fazendo propaganda eleitoral do candidato Francis Maris.”
Aduz a investigante que estão presentes, portanto, os requisitos aptos a sustentar a concessão de liminar, vez que presente a fumaça do bom direito e o perigo da demora, de modo que pugnam pela imediata cessação de utilização, apresentação e reapresentação de qualquer matéria referente aos candidatos representados.
Instado, o ilustre representante do Ministério Público manifestou-se pela abertura de investigação judicial para apuração de abuso de poder econômico e uso indevido de veículo de comunicação, com a concessão de liminar para fazer cessar a veiculação de matérias relacionadas aos candidatos a Prefeito Municipal de Cáceres.
É o relato. Decido.
Qualquer retórica é desnecessária para se chegar a uma conclusão, ainda que perfunctória, sobre a violação às normas eleitorais, ao se verificar que o sítio eletrônico do Jornal Oeste publicou, por várias vezes, notícias e informações sobre os candidatos à majoritária Francis Maris e Eliene de forma desigual, a exemplo da capa do jornal online na data de hoje, em que, nos moldes daqueles documentos acostados às fls. 17/70, há predominância de reportagens favoráveis ao candidato Francis Maris Cruz e matéria desfavorável ao candidato Leonardo Ribeiro Albuquerque e ainda, quanto ao terceiro candidato Edinho do PT, apenas a agenda para o dia de hoje.
É bem verdade que o sistema democrático pressupõe a plena existência de imprensa livre, sem censura, pois, somente nos Estados de exceção a imprensa é tolhida, para que apenas a voz do detentor do poder seja ouvida, sob a força da baioneta.
No entanto, em pleno período eleitoral, a total liberdade de imprensa, pode ser traduzida como violência aos demais adversários deste, afrontando os ditames básicos do regime democrático.
Sim, seria a força do poder de comunicação imperando sobre a liberdade do eleitor, ao arrepiar o equilíbrio da disputa.
Acontece que as informações devem chegar aos eleitores em igualdade de condições, sem privilegiar um ou outro candidato.
Deste modo, embora permitidas reportagens que visem a divulgação dos atos eleitorais e fatos ocorridos durante o pleito, não é permitido aos programas de TV e rádio em sua programação normal, “dar tratamento privilegiado a candidato, partido ou coligação” (Lei no 9.504/97, art. 45, IV), sob pena de vergastar a isonomia entre os concorrentes aos cargos eletivos, ao que, podemos estender tal tratamento a jornais e sítios da internet.
A liberdade de imprensa é tão importante para a democracia que a Constituição da República – lei maior do Brasil, que empresta fundamento de validade às demais normas que lhe são inferiores, reserva um capítulo (V - “Da comunicação social”) para tratar sobre a comunicação social.
Esse capítulo, aliás, foi inserido para trazer à evidência o rompimento com o regime jurídico dos meios de comunicação vigente sob a égide da Constituição de 1967, quanto à manifestação do pensamento, à criação, à expressão e à informação.
Logo, a liberdade de informação pelas mídias de comunicação, corolário da liberdade de imprensa, é um precioso princípio garantido pelo sistema jurídico brasileiro.
Resta evidente que, em face dessa proteção especial, as notícias não podem ser submetidas a restrições, como censura prévia ou proibição de veiculação por ato de quaisquer um dos três Poderes.
Essa é uma via de mão dupla, eis que a salvaguarda à liberdade de imprensa reflete no direito de os cidadãos receberem informações, em outras palavras, o propalado direito de informação, que somente é suprimido em regimes ditatoriais ou em período de estado de sítio.
Não obstante, nos dizeres de Carlos Neves Filho, “a liberdade de imprensa, viés da liberdade de expressão, prevista no art. 5º da CF, IV, IX e XIV, apesar de todas as garantias, a exemplo do art. 220, caput, e §1º, da Constituição não é plena, como toda liberdade, devendo sofrer limitações, quanto confrontadas com direitos e liberdades garantidos constitucionalmente e que devam prevalecer sobre os demais.” (Propaganda Eleitoral e o princípio da liberdade da propaganda política, ed. Fórum, 2012, p. 74)
É necessário ficar sempre atento para que as matérias jornalísticas veiculadas na mídia, não se macule com propaganda, travestida de informações, veiculadas de forma disfarçada, subliminar, dissimulada, realizadas no dia-a-dia da campanha em doses homeopáticas, mas que acaba influindo na convicção do voto.
Ademais, todos aqueles que praticam tal conduta assumem a responsabilidade pela ofensa às regras das eleições, d’onde exsurge o relevante princípio da igualdade/isonomia, que tem suas raízes fincadas no art. 5º, caput, da Constituição da República, pois é necessário preservar a igualdade de oportunidade entre os candidatos e partidos políticos que participam do certame.
A lei eleitoral, por assim dizer, origina-se desse valor, sendo iluminada pela igualdade.
Sobre a aplicação do princípio da igualdade no tratamento dado aos candidatos, em tema processual eleitoral, José Jairo Gomes assim preleciona:
“O princípio em tela adquire especial relevo nos domínios do Direito Eleitoral, já que rege diversas situações. Basta lembrar que os concorrentes a cargos políticos-eletivos devem contar com as mesmas oportunidades, ressalvadas as situações previstas em lei – que têm em vista o resguardo de outros valores – e as naturais desigualdades que entre eles se verificam” (“Direito Eleitoral”, Editora Del Rey, Belo Horizonte, 2008, p. 44-45).
Desse modo, quando se fala em procedimentos eleitorais, salvaguarda-se a liberdade de imprensa, mas, de modo idêntico, preserva-se a igualdade dos candidatos.
Sucede que, em outras palavras, “é assegurado a todos o acesso à informação” (CF, art. 5º, XIV) e “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social” (CF, art. 220, § 1º). Depois, a Constituição da República vigente assegura “ser livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura” (art. 5º, IX).
Esse é o motivo para que a lei eleitoral estabeleça normas rígidas e específicas para a propaganda nas mídias televisiva, falada e escrita, no intuito de resguardar a igualdade de acesso aos meios de comunicação, que podem, sim, alterar o resultado do pleito.
De mais a mais, se existem leis, devem elas ser respeitadas e cumpridas, pois as regras, em nosso sistema, também é um valor do regime democrático.
Portanto, há de se igualar esses dois direitos, essas duas liberdades, quais sejam: a liberdade de imprensa e a igualdade na disputa eleitoral aos candidatos, partidos políticos e coligações, o que acontecerá, somente, se o acesso aos meios de comunicação for isonômico.
João Fernando Lopes de Carvalho, em obra coordenada por Alberto Rollo, ensina que “A preservação de um jornalismo livre e independente para noticiar e comentar os diversos temas vinculados à administração do patrimônio público é, sem dúvida, característica indissociável das práticas democráticas, cujo enfraquecimento, ao contrário, é claro indício de instalação de sistema político autoritário. Por outro lado, a lei coíbe a atuação das empresas radiofônicas e televisivas, quando afastada da crítica política ou administrativa e centrada na análise individual das qualidades e defeitos pessoais de determinado candidato, ou das virtudes e deméritos de partido ou coligação. O que se pretende evitar aqui é que as emissoras de rádio e televisão possam empregar seu enorme potencial de influência junto à população para inflar ou denegrir a imagem de um candidato, contribuindo assim decisivamente para uma odiosa definição manipulada da vontade popular” (Propaganda Eleitoral, Editora Revista dos Tribunais, 2ª ed., 2004, p. 90/91).
Ao comentar o tratamento privilegiado, João Fernando Lopes de Carvalho continua a lição, afirmando que “infringe essa proibição a emissora que concede espaço maior a determinado candidato, em detrimento dos demais” (obra cit., p. 92).
Ora, a abertura privilegiada de espaço diariamente na internet, com reportagens favoráveis a determinado candidato, pode, de fato, caracterizar utilização indevida de veículo de comunicação, todavia, tal circunstância há de ser aferida após o contraditório e segundo análise das provas colacionadas aos autos.
Nesse instante, o que deve se aferir é a presença dos requisitos da cautelaridade, a fim de verificar a possibilidade ou não de concessão da liminar pleiteada.
Há necessidade de se salvaguardar a igualdade entre os candidatos na disputa, eis que o maior bem jurídico a ser tutelado pelo direito eleitoral é a lisura e a normalidade das eleições e a tutela desse bem se intensifica com a aproximação do dia do pleito, como salientado alhures, o que, ante a farta fundamentação legal e constitucional, faz emergir, incólume, a presença do fumus boni iuris.
Por outro lado, o periculum in mora, assentado na “gravidade” da lesão e na “dificuldade” de sua reparação, mostra-se presente, posto que a continuidade da veiculação de matérias favoráveis a um dos candidatos pode, certamente, ferir a igualdade de condições dos dois outros candidatos.
Diante da presença dos requisitos da cautelaridade, não há como deixar de acolher, em parte, o pedido de concessão de liminar
Deste modo, em sintonia com o parecer ministerial, determino ao Jornal Oeste que se abstenha, a partir de sua notificação, de veicular qualquer matéria referente aos candidatos ao pleito majoritário municipal, ressalvando que tal proibição refere-se a todos os candidatos.
Notifiquem os representados do conteúdo da petição inicial, entregando-lhes a segunda via apresentada pela investigante com as cópias dos documentos, a fim de que, no prazo de 5 (cinco) dias, ofereça ampla defesa, juntada de documentos e rol de testemunhas, se cabível.
Findo o prazo da notificação, com ou sem defesa, venham-me conclusos para designar data para inquirição, em uma só assentada, das testemunhas arroladas pela investigante e pelos investigados, até o máximo de 6 (seis) para cada um, as quais comparecerão independentemente de intimação, se for o caso.
Ciência ao representante do Ministério Público Eleitoral.
Expeça-se o que for necessário.
Às providências.
Cáceres, 31 de agosto de 2012.
Despacho em 30/08/2012 - AIJE Nº 30194 Dr. GERALDO FERNANDES FIDELIS NETO
Vistos, etc.
Ante a complexidade dos fatos narrados e ainda, frente a colidência de interesses, excepcionalmente, antes de apreciar o pedido de liminar, vista dos autos ao ilustre representante do Ministério Público Eleitoral.
Às providências.
Após, conclusos.
Cáceres/MT, 30 de agosto de 2012.