O presidente da CDL (Câmara de Dirigentes Lojistas) de Cuiabá, Célio Fernandes, avalia que a Reforma Tributária era necessária para acabar com o "manicômio tributário" que existe no Brasil. No entanto, ele disse acreditar que a Câmara deveria ter dialogado mais antes da aprovação.
O texto-base foi aprovado pelos deputados federais no dia 7 de julho, apenas uma semana depois da proposta ter sido apresentada na Casa. Segundo Célio, a maior reclamação dos setores é a forma "atropelada" com que tudo ocorrreu.
"Além dos aspectos conceituais, da necessidade de reforma que todos vemos, a gente tem que fazer as contas e entender exatamente como vai ser aquele impacto", afirmou.
Em a entrevista ao MidiaNews, Fernandes ainda revelou que, devido aàceleridade com que a reforma foi tratada, muitos empresários hoje têm dúvidas em relação ao que foi votado. O presidente descreveu como "insegurança" o sentimento que toma conta do setor.
"A pergunta que nós estamos nos fazendo é: Quantas empresas serão sacrificadas nesse período de transição em que está sendo feita a colocação de vários tributos?", questionou.
Ao longo da conversa, o presidente da CDL explicou, ainda, os problemas da reforma, falou sobre os juros no Brasil e a competição de mercado com empresas chinesas, como Shopee e Shein.
Confira os principais trechos da entrevista:
MidiaNews - Como os lojistas têm visto a Reforma Tributária aprovada na Câmara Federal?
Célio Fernandes - O ambiente para se fazer negócios no Brasil é extremamente complexo e extremamente dúbio, porque você faz uma coisa hoje e não sabe se amanhã o que foi feito é certo ou não. Então, esse sistema que existe hoje, esse manicômio tributário, precisava de mudança, de reforma. Isso era necessário e positivo, todos somos unânimes ao dizer isso.
Falando do ponto de vista do que a gente viu nos cenários, o entendimento de que aqueles cinco tributos juntos eram responsáveis por uma carga tributária de 25% no país. Então, vamos manter uma situação onde essa carga tributária não vai sofrer elevação e, na média, acredito que não vai sofrer uma mudança inicialmente.
Acredito que os entes que começaram a discutir isso na Câmara e no Senado lá atrás tinham esse foco. Mas a grande reclamação de todos os setores, não só do comércio, foi o atropelo com o qual essa reforma foi aprovada e também com a perspectiva de um novo atropelo no Senado.
Então, além dos aspectos conceituais, da necessidade de reforma que todos vemos, a gente tem que fazer as contas e entender exatamente como vai ser aquele impacto.
MidiaNews - Então, o que deveria ter sido feito?
Célio Fernandes - Ter dado um espaço maior para um debate, nem que estabelecessem prazos, porque foi apresentado o texto final em uma semana, houve algumas melhorias no texto, botou para votar e aprovou. Foi tudo rápido, surpreendente. E o que causa a maior preocupação: a maneira como foi feito, com o Governo liberando R$ 7 bilhões em emendas parlamentares para essa aprovação.
Se eu te disser que vou te dar um valor como esse para você votar naquilo tenho interesse, isso vai ser chamado de corrupção. O Governo fez isso de modo escancarado. E como isso foi tratado? Como uma necessidade do país.

Essa voracidade em fazer com que esse projeto fosse aprovado nos coloca em uma dúvida em relação a um elemento que é muito importante para o cidadão em geral, que é a existência do pacto federativo. Porque a reforma parece que prevê uma ampliação, uma concentração e domínio maior de arrecadação por parte do Governo Federal. Os estados e municípios vão ter que se virar para fazer sua arrecadação e fazer frente às suas necessidades.
MidiaNews - Qual é o custo para uma empresa do comércio com o atual modelo tributário brasileiro?
Célio Fernandes - Quando a gente fala de carga tributária, tem um foco muito grande no consumo. Então, todo tributo que tenho sobre o produto que você compra está no preço do produto, às vezes tem 15%, 20% e até 30% de imposto. Esses produtos são tributados de formas bastante variáveis no Brasil e essa carga é, quase sempre, para o consumidor. A empresa tem, sim, uma série de tributos a pagar, mas de uma forma ou de outra isso tudo vai para uma conta.
A reforma vai trazer dentro dessa característica de separar o que é tributo e o que é produto. Ela traz um grande diferencial tanto para os empresários quanto para os consumidores. A empresa vai trabalhar focada no produto e vai dar o valor em cima disso. Só que esse produto vai receber uma nota fiscal e aí você, consumidor, vai pagar mais um valor que vai para o Governo.
Essa transparência é para o consumidor entender o quanto ele paga de tributo e que ele tenha clareza no quanto está pagando.
MidiaNews - Ainda existe muita dúvida entre os lojistas em relação ao que foi votado?
Célio Fernandes - Com certeza. Primeiro que a grande parte dos empresários e de lojistas são micro e pequenas empresas. Eles vivem muito atribulados com o seu dia a dia e quase não têm tempo de se aprofundar na temática de discussão e de entendimento do que é a reforma e do impacto dela.
Eles vão muito pela opinião pública, pelo que está sendo dito. E hoje, as redes sociais acabam influenciando demais. Há muita incerteza e insegurança em relação aos empresários. Ainda que, na aprovação na Câmara dos Deputados, tivesse sido previsto um tratamento diferenciado para as empresas do Simples. Com isso, o que hoje está sendo comemorado, amanhã pode ser um trauma.
Lógico que sempre há a possibilidade de mudança, mas para você fazer a aprovação dessa PEC, levou 40 anos, olha o tempo que demora e o dano que deixa no caminho. Então, não sei se os próximos dez, quinze anos serão mais efetivos para o desenvolvimento e melhoria da qualidade de vida ou não. Hoje paira essa insegurança, não só com o leigo, mas com quem entende do assunto.
MidiaNews - A CDL vislumbra algum tipo de redução nos custos com a Reforma Tributária?
Célio Fernandes - Com certeza. O volume de obrigações acessórias, o volume de gastos com a contabilidade, advocacia, é imenso. Então, parte desses custos, sim, será minimizada. Mas quando? Não agora.
Será a partir do momento que deixarem de existir os impostos que estão migrando para o IBS [Imposto sobre Bens e Serviços, que substituirá o ICMS estadual e o ISS municipal] e CBS [Contribuição Social sobre Bens e Serviços, que sustituirá os federais PIS, Cofins e IPI]. Enquanto isso, vamos passar por uns cinco anos, ou mais, um caos ainda pior do que o que existe hoje, porque além de pagar os tributos que já são existentes, teremos mais dois. Existe essa fase de transição.
A pergunta que nós estamos nos fazendo é: quantas empresas serão sacrificadas nesse período de transição em que está sendo feita a colocação de vários tributos? Já que nesse primeiro momento vai gerar mais custos.
Os próximos anos serão um pouco difíceis e ninguém fala de medidas compensatórias para a saúde das empresas. Falam que vão criar um fundo de compensação para estados e municípios, mas quando uma empresa colapsa, está deixando de gerar arrecadação, emprego e de movimentar a economia.
Andrelina Braz/ MidiaNews
Célio acredita que algumas empresas irão fechar nos 5 primeiros anos da reforma
Do ponto de vista de quem está olhando o cenário, estamos pessimistas em relação a qualquer possibilidade de debate construtivo e efetivo também no Senado. Entendemos que, assim como o Governo atropelou na Câmara, também vai fazer o mesmo no Senado.
MidiaNews - Há algum ponto aprovado pela Reforma que o setor empresarial vê como problema?
Célio Fernandes - Os impactos vão ser muito variados para cada setor. Enquanto o setor da indústria será privilegiado, beneficiado, o setor de serviço será o que vai receber o maior ônus dessa reforma. Ou seja, vai haver um aumento da carga tributária.
Os serviços representam o maior gerador de empregos no País. Se nós pegarmos esse elemento de emprego e pegarmos a questão de um aumento da carga tributária, nós podemos prever que haverá uma retração na contratação de serviços, principalmente de serviços de terceiros, com buscas de elementos de tecnologia que eliminem isso.
Por exemplo, se você tem hoje seguranças, elementos de portaria, motoristas, dentre outros serviços que podem sofrer uma carga mais onerosa, eles podem ser substituídos por tecnologia. Isso deve gerar desemprego.
E essa carga tributária nos serviços ao longo do tempo, como eles têm uma participação muito significativa no PIB, pode ser que ela cresça bem além dos 25% e aí começa a ter um problema, que é de afetar a capacidade contributiva e, consequentemente, menor é o desenvolvimento econômico. E um dos focos da reforma é proporcionar desenvolvimento econômico.
Foi criada uma série de mecanismos tanto para mitigar o impacto dos tributos, como em relação à cesta básica, e grande parcela da população que consome cesta básica o impacto é muito positivo, porque ela vai ter acesso aos itens básicos e isso vai ajudar a movimentar a economia, já que ela não tem que pagar o tributo em cima daquilo.
MidiaNews - A carga tributária hoje equivale a quantos por cento do faturamento do comércio?
Célio Fernandes - Quando falamos de carga tributária falamos não só desses tributos, porque aí tem uma série de outros. Está em torno de 37% e para algumas empresas é mais, mas essa é a média.
MidiaNews - Uma das queixas do comércio é a cumulatividade dos tributos. Esse problema acaba com a Reforma que foi aprovada?
Célio Fernandes - Sim, vai acabar. Um dos gargalos é que a reforma era necessária para acabar com essa cumulatividade, tanto que o Governo já perdeu diversas ações judiciais, porque no Brasil você pagava imposto em cima de imposto em cima do imposto. Ou seja, pagava três vezes o imposto.
Isso de fato vai ajudar bastante. A transformação desses impostos em dois, essa simplificação, é extremamente positiva. Nós não estamos falando que somos contrários à reforma, todos entendem que ela é necessária e que essa visão de simplificação é ótima.
MidiaNews - O comércio é um dos maiores geradores de emprego no Brasil. A reforma atende às expectativas sobre a redução do custo da folha de pagamento?
Célio Fernandes - A reforma está tratando de uma parte dos tributos, que é a principal e que gera 25% do montante de arrecadação, ela gera um impacto bastante significativo.
Agora, temos outra reforma que deve vir na sequência, que estão inclusive previstas, relacionadas à folha de pagamento, porque o Brasil é um país que também onera excessivamente o emprego.
Hoje, quando te contrato e te pago, por exemplo, R$ 2 mil, tenho que pagar mais R$ 2 mil para o contexto burocrático que existe para eu oferecer um trabalho legal. Fora todos os riscos inerentes a esse trabalho, que falo da própria jabuticaba que existe no Brasil: o Tribunal do Trabalho, que não tem em nenhum outro país no mundo.
MidiaNews - A taxa de juros do Brasil está em 13,75% ao ano. De que forma essa alta taxa tem impactado nos negócios?
Célio Fernandes - Por que existe uma definição de taxa de juros elevada? Basicamente por dois motivos: o Governo gasta muito, então ele precisa de um elemento para corrigir. Então, a inflação e os gastos públicos são os elementos que definem essa taxa de juros.

Nós estamos com uma inflação aparentemente sob controle e temos um potencial de crescimento e desenvolvimento enorme no país, e quando eu tenho um custo elevado do dinheiro eu breco isso.
Então, veja que dicotomia quando falo que tenho que aprovar uma reforma tributária para simplificar, gerar competividade e para estimular o desenvolvimento econômico, tenho que criar também mecanismos para ter taxas de juros competitivas, para ter redução no gasto público e essa redução não é unilateral, a máquina pública precisa funcionar melhor.
A eficiência e produtividade deveriam ser também um elemento comum dentro do funcionalismo público. Então, gasta-se muito e gasta-se mal. Então, há muita ineficiência e gastos desnecessários dentro do Governo e isso precisa ser combatido para que a taxa de juros possa cair mais efetivamente.
MidiaNews - Nos últimos anos, empresas como Shein e Shopee têm avançado muito no setor do varejo. As grandes redes têm reclamado da falta de uma maior tributação. Qual o sentimento dos lojistas de Cuiabá em relação a essa nova realidade?
Célio Fernandes - O Governo jamais pode ser o algoz de uma competitividade de mercado. Eu digo isso porque se tenho um tratamento diferenciado para quem está na China, nos Estados Unidos ou qualquer lugar, isso rouba emprego de quem tá aqui. Do ponto de vista do consumidor, hoje ele tem acesso a tudo e sabe que paga mais barato nos produtos lá fora. Por que aqui é R$ 5 mil e lá é R$ 3 mil? Esses R$ 2 mil é a conta que o Governo impõe para quem está aqui, fora todos os outros custos.
Se o consumidor insiste em comprar de lá, ok, mas não reclame depois dos buracos nas estradas, que a cidade está feia, que não tem a coleta de lixo, que a segurança pública é ruim, porque é com o dinheiro do imposto que é feita a infraestrutura.
As plataformas hoje não são constituídas por empresas gigantes, mas por muitos milhões de pequenos negócios. Se são legítimos ou não, não vou questionar, mas o fato é que uma plataforma é um ambiente em que milhões de empreendedores podem ir para fazer negócios. Isso gera para o comércio local um risco imenso.
Então, o que a gente quer é que o produto A chegue aqui com a mesma carga tributária de quem está aqui. Não pode ser nada diferente disso.
MidiaNews - Acredita que a solução é tributar mais essas empresas chinesas?
Célio Fernandes - A gente tem mecanismos para coibir as distorções. Digamos que o mesmo celular que lá fora custa R$ 3 mil, mas aqui custa R$ 5 mil, coloco a carga tributária igual para os dois e o internacional ainda vai chegar aqui custando R$ 4 mil.
Ai vou olhar para outros elementos, do por que essa indústria de fora está trazendo um produto para cá com uma competitividade melhor do que aqui. Nisso tenho que olhar para custo de mão de obra, produtividade, já que o Brasil tem dificuldade nessa parte.
MidiaNews - É fato que muitos consumidores agora preferem comprar diretamente destas empresas chinesas por causa do preço, ignorando o fato delas não pagarem impostos e não gerarem empregos no Brasil. Como dirigente lojista, o que diria para esse consumidor?
Célio Fernandes - Por que existe essa dificuldade do entendimento? Primeiro porque isso não faz parte do currículo escolar. Não sou contrário às pessoas quererem ter o benefício de pagar o menor valor, até porque ele é que faz a gestão do seu orçamento.
Só que é preciso entender que se estou em uma cidade que tem muitas pessoas que vivem comprando de fora, chega uma hora que o consumidor que deveria vir aqui para comprar o meu produto não vem mais, e ai não tem como manter a equipe.
O desemprego vai se ampliar demais. É esse olhar. E quem deve fazer essa interface e deve gerar essa clareza nas pessoas é o ente público. Seja através de temas como economia, finanças, em escolas.
Volto para a reforma tributária. A reforma que beneficia a entrada de produtos em condições de desigualdade com quem está aqui mata a galinha de ovos de ouro e vai matar a arrecadação do Governo. E de onde ele vai tirar? Vai cobrar depois do chinês? Não tem como.
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1 Comentário(s).
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| Rodrigues 16.07.23 08h51 | ||||
| Rapidez na aprovação? Essa tal reforma está em debate há quase '200 anos'. | ||||
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