Um novo relatório da Polícia Federal no âmbito da Operação Sisamnes reforça a suspeita de que servidores do Superior Tribunal de Justiça vinculados aos gabinetes dos ministros Isabel Gallotti, Nancy Andrighi e Og Fernandes mantinham contato direto com os lobista de Mato Grosso, Andreson de Oliveira Gonçalves e o advogado de Cuiabá, Roberto Zampieri, assassinado em dezembro de 2023.
Segundo a PF, o grupo articulava um esquema de venda de sentenças que envolvia antecipação de minutas, promessas de influência sobre ministros e contratos milionários de advocacia e consultoria usados para disfarçar o repasse de valores.
Os ministros não são alvo da investigação. Por sua assessoria, Og Fernandes afirmou que ‘não tem conhecimento desses novos fatos e reforçou que, respeitando o direito ao contraditório, quem cometer ato ilícito deve assumir as consequências legais cabíveis’.
O gabinete de Nancy Andrighi afirmou ‘que os processos de responsabilização encontram-se em andamento, a fim de que os fatos sejam devidamente esclarecidos e os responsáveis punidos de forma exemplar’.
Isabel Gallotti informou, por sua assessoria no STJ, que ‘desconhece o conteúdo da investigação, porque tramita em sigilo, e que seu gabinete está à disposição para auxiliar, no que seja necessário, a fim de que sejam cabalmente apurados os fatos ocorridos e responsabilizados todos os envolvidos’.
Pelo menos três assessores já estão sob suspeita da Sisamnes, mas outros podem ser identificados. Eles seriam responsáveis por manipular decisões, interferir em processos e vazar detalhes de investigações que envolviam magistrados ligados à suposta venda de sentenças.
O Estadão teve acesso ao documento, subscrito pelo delegado Marco Bontempo, que integra a equipe da PF para inquéritos sensíveis de competência do Supremo Tribunal Federal.
Fora pra dentro
Diálogos entre Andreson e Zampieri indicam como o esquema operava. Segundo os investigadores, as conversas revelam um primeiro fluxo de corrupção, descrito como ‘de fora para dentro’, no qual as partes interessadas - os ‘clientes’ - buscavam o Judiciário em troca de decisões favoráveis, tratadas posteriormente pelos intermediários. O mecanismo fica evidente, segundo a PF, em mensagens trocadas em 20 de junho de 2019, quando os lobistas discutem o pagamento relacionado a um processo que estaria em curso no gabinete de Gallotti.
O teor da conversa, na avaliação dos investigadores, levanta a suspeita de ligação de Zampieri com o gabinete da ministra - não há indicativos de que ela soubesse dos movimentos dos lobistas.
“Oi, assunto novo”, instigou Andreson.
“Boa noite. Está em segredo de Justiça? É pra negar liminar?”, devolveu Zampieri.
“Sim”, confirmou Andreson.
“Ok”, respondeu Zampieri. “Vou pedir agora”.
“Veja valor”, instruiu Andreson.
Quatro meses depois, em 16 de outubro de 2019, Andreson orienta Zampieri a cobrar o pagamento referente à mesma ação.
“Manda ele pagar o da Gallotti, que já resolveu”, insistiu Andreson.
“Eu não duvido, não, Andreson. É que tem momentos em que o povo não tem grana”, ponderou Zampieri.
“Aí é foda... sem grana não anda”, retrucou Andreson.
Para os investigadores a expressão ‘o da Galotti’ seria uma referência ao servidor do gabinete da ministra ligado ao esquema.
Em 10 de outubro de 2019, Zampieri desabafa: “Eu comprei esse processo, comprei a área, essa briga processual, eu estou nela há mais de dez anos, Andreson. Ninguém imagina o que eu já gastei nisso”.
Em 26 de março de 2022, Zampieri estipulou um valor para supostamente influenciar decisões da Corte: “Vocês têm que preparar uns R$ 20 milhões para investir lá em cima, e aí resolve, caso contrário é perigoso”, escreveu Zampieri.
As suspeitas da PF não se limitam aos três servidores já identificados - Daimler Alberto de Campos, que foi chefe de gabinete de Gallotti; Márcio José Toledo Pinto, que trabalhou para a ministra e outros integrantes da Corte e foi exonerado após sindicância do STJ; e Rodrigo Falcão, que foi chefe de gabinete do ministro Og Fernandes. Eles são apontados como peças centrais na manipulação de decisões.
Os investigadores acreditam que outros assessores em posições estratégicas também tenham repassado informações sensíveis a Andreson. O Estadão tenta contato com as defesas dos servidores mencionados no relatório parcial da PF. O espaço está aberto.
Padrão
O relatório aponta expressamente que o esquema “não se restringia aos servidores Daimler, Márcio e Rodrigo Falcão e nem ao núcleo Andreson/Zampieri, mas integrava uma estrutura organizada voltada à manipulação de decisões judiciais, reproduzindo padrões típicos de atuação de organizações criminosas”.
Mensagens analisadas pelos investigadores indicam ainda que interlocutores de Andreson tinham conhecimento prévio sobre movimentações de processos e pautas antes mesmo da divulgação oficial. “Os diálogos apontam que o envolvimento funcional não se restringia a Daimler, alcançando outros servidores vinculados ao gabinete”, diz o documento.
As hipóteses criminais apuradas pela PF, sob condução do ministro Cristiano Zanin Martins no Supremo Tribunal Federal, concentram-se em processos de falência de empresas do agronegócio. A PF destaca que dados obtidos na nuvem do celular de Andreson revelaram novos elementos, incluindo contatos com servidores, chefes de gabinete e magistrados.
Em um dos achados, a polícia descobriu que o lobista mantinha um número salvo como ‘Daimler’, mas o telefone era de outra pessoa. Segundo o relatório, ‘a prática de salvar números sob nomes de terceiros é expediente recorrente em contextos de ocultação e dissimulação de ilícitos’.
Andreson cumpre prisão domiciliar em Primavera do Leste (MT) desde julho, por decisão do ministro Zanin, após parecer favorável da Procuradoria-Geral da República. O advogado Roberto Zampieri foi assassinado a tiros, aos 57 anos, no dia 5 de dezembro de 2023, em frente ao seu escritório, no bairro Bosque da Saúde, em Cuiabá.
Nove mil diálogos
Em agosto, peritos criminais da Polícia Federal recuperaram nove mil mensagens trocadas por WhatsApp entre Andreson e Zampieri. Os diálogos revelam tensões e desentendimentos entre os dois, sobretudo em casos milionários envolvendo disputas por grandes glebas de terra em Mato Grosso.
Desavenças entre os lobistas ficavam nítidas quando recursos caíam em ‘mãos erradas’ - expressão usada por eles para se referir a desembargadores que não faziam parte do esquema de propinas que, segundo a PF, era articulado para manipular decisões judiciais em tribunais estaduais.
O arquivo recuperado pelos investigadores reúne conversas mantidas entre 17 de junho de 2019 e 5 de dezembro de 2023, um período em que os dois atuaram de forma constante nos bastidores de tribunais.
As mensagens mostram que nem tudo funcionava como planejado na parceria dos chamados ‘lobistas dos tribunais’, marcada por cobranças ríspidas, desconfiança e disputas por influência em casos de alto valor.
O escândalo atinge outros tribunais do país. Estão sob a mira da PF, por suspeita de negociação de decisões em troca de propinas, desembargadores, juízes de primeira instância e servidores dos tribunais da Bahia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Tocantins, São Paulo, Espírito Santo e Maranhão.
Os inquéritos já levaram ao afastamento provisório de pelo menos 16 desembargadores e sete juízes de primeira instância. As investigações também sobrecarregam a Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), responsável pelas apurações administrativas. Como as suspeitas chegaram às portas do STJ, o caso foi remetido ao Supremo Tribunal Federa
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