Cuiabá, Sexta-Feira, 18 de Julho de 2025
“AUDIÊNCIA” COM MORTO
31.08.2014 | 16h54 Tamanho do texto A- A+

Desembargador diz que decisão do TJ é “horripilante”

Luiz Carlos da Costa expôs sua indignação com decisão de não afastar juiz

Reprodução

Desembargador Luiz Carlos da Costa, que criticou a decisão de manter no cargo juiz que realizou

Desembargador Luiz Carlos da Costa, que criticou a decisão de manter no cargo juiz que realizou "audiência" com morto

LUCAS RODRIGUES
DO MIDIAJUR
“Com a devida vênia, mas não é um bom exemplo o que este tribunal está a dar. Frustra e é horripilante. É frustrar a esperança, a fé das pessoas de que um mundo melhor e um Poder Judiciário melhor é possível. É muito triste. Talvez a culpa seja do mês de agosto, que é o mês dos grandes desgostos”.

A declaração é do desembargador Luiz Carlos da Costa, durante sessão plenária do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJ-MT), realizada na tarde da última quinta-feira (28).

Na ocasião, os desembargadores votavam se afastariam ou não o juiz Marcos José Martins de Siqueira, de Várzea Grande, acusado de ter presidido uma audiência com a “presença” de Olympio José Alves - que estava morto há anos - e liberado a quantia de R$ 8 milhões por meio de um alvará judicial. Na ocasião, um farsante se fez passar por Olympio.

O fato da maioria dos colegas ter optado por não afastar o juiz provocou indignação do desembargador Luiz Carlos, principalmente porque, no mérito do caso, Marcos Siqueira já teve 23 votos para receber a aposentadoria compulsória –punição administrativa máxima para membros da magistratura.

"Não posso imaginar que este tribunal entenda que, por já ter ocorrido alguns danos à coletividade, não se deve tomar qualquer providência para cortar a continuidade do mal. Que belo exemplo este tribunal está a dar"

Para Luiz Carlos, os principais prejudicados com essa decisão serão os jurisdicionados que dependem do trabalho do juiz investigado.

“Infelizes jurisdicionados que tem a julgá-los um magistrado que, por maioria absoluta dos votos, se entendeu que não deve permanecer na magistratura. O que eles estão a pensar?”, criticou.

O desembargador também rechaçou o argumento de que, como o julgamento do juiz estaria em fase final, não haveria motivos para afastá-lo.

“Não está prestes a terminar o julgamento, há pedidos de vistas ainda. Terminado o julgamento, há os aclaratórios, aí poderão vir novos pedidos de vistas. Em tese, o magistrado que pediu vistas pode não comparecer à sessão por problemas de saúde. E a sessão administrativa é uma vez por mês. Nessa toada os jurisdicionados terão que ter paciência muito maior do que a de Jó”, preveu.

A outra tese utilizada pela maioria para manter o juiz na função foi a de que os danos causados pela repercussão do caso já ocorreram e não mudariam com o afastamento. Este entendimento foi igualmente refutado por Luiz Carlos.

“Em um primeiro momento, o tribunal rejeitou o pedido de afastamento, mas agora fatos novos ocorreram, em razão do prosseguimento da votação. Não posso imaginar que este tribunal entenda que, por já ter ocorrido alguns danos à coletividade, não se deve tomar qualquer providência para cortar a continuidade do mal. Que belo exemplo este tribunal está a dar”, lamentou.

Crítica ao corporativismo


Como já é de praxe, Luiz Carlos da Costa citou referências da literatura clássica para exemplificar seu voto. No caso em questão, ele leu um trecho da obra “A morte de Ivan Ilitch”, de Liév Tolstói, que conta a história de um juiz russo que na antecâmara da morte faz uma reflexão profunda sobre todas as etapas da sua vida.

"Como ficam os mais humildes, que estão na prateleira de baixo? É, a julgar pelo comportamento dos que estão na prateleira de cima, tudo é possível. Quantos servidores tem sido afastados do Poder Judiciário por fatos muito menores praticado no exercício da profissão?"

“Na vida acadêmica praticou algumas ações que, antes, lhe pareciam ignominiosas e que suscitaram nele repugnância por si mesmo, no momento em que as cometia; todavia, mais tarde, verificando que tais procedimentos eram perpetrados também por pessoas de alto nível social, que não as consideravam erradas, sentiu-se capaz de não considera-las como boas, mas esqueceu-as quase por completo e não se sentiu perturbado, nas raríssimas vezes que elas lhe acudiram a memória”, diz o trecho.

Na visão de Luiz Carlos, assim como o juiz personagem do livro, o TJ-MT tem amenizado a rigidez quando o assunto são os próprios pares.

“Como ficam os mais humildes, que estão na prateleira de baixo? É, a julgar pelo comportamento dos que estão na prateleira de cima, tudo é possível. Quantos servidores tem sido afastados do Poder Judiciário por fatos muito menores praticado no exercício da profissão? Um oficial de justiça foi acusado de receber uma importância em dinheiro pelo cumprimento de mandado. Por esse fato, muito menor do que o que estamos tratando aqui, ele está afastado. É o exemplo do Tolstói, que aqueles sentimentos de repulsa logo foram abrandados quando o assunto é os que estão em cima”, desabafou.

Além de Luiz Carlos, o desembargador Alberto Ferreira também havia criticado, em sessão anterior, o fato de o juiz Marcos Siqueira ainda não ter sido afastado das funções.

Entenda o caso

O julgamento definitivo do PAD contra Marcos Siqueira ainda está aguardando o voto do desembargador Pedro Sakamoto, que pediu vistas do caso na última quinta-feira (21).

Dos 27 desembargadores que compôem o Pleno, 21 já votaram pela aposentadoria compulsória de Marcos José, punição administrativa máxima que um juiz pode receber.

No caso de Marcos José, são necessários 18 votos para que ele seja aposentado compulsoriamente, de acordo com o artigo 27 da Lei Orgânica da Magistratura (Loman), que estabelece o mínimo de dois terços dos votos para a punição. No entanto, os desembargadores ainda podem mudar seus respectivos votos.

Segundo consta nos autos, o falecido, Olympio José Alves, teria participado da audiência em companhia de seu advogado e reconhecido uma dívida, no valor de R$ 8 milhões.

Logo em seguida o juiz determinou a liberação do alvará para pagamento do valor.

A questão é que Olympio morreu em um hospital de São Paulo em 2005, vítima de pneumonia, cinco anos antes da audiência. Na audiência judicial, um farsante se fez passar por ele.

A dívida reconhecida pelo “falecido” teve como beneficiária a empresa Rio Pardo Agro Florestal. Na ocasião, dois advogados da empresa participaram da audiência, sendo eles André Luiz Guerra e Alexandre Perez do Pinho, de acordo com o que consta dos autos.

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COMENTÁRIOS
7 Comentário(s).

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Edimilson jose  01.09.14 13h09
Muito bem Desembargador, mas falta um posicionamento da O A B-mt, cade os dois advogados e a empresa beneficiada? cade o dinheiro?
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carlos eduardo paes de barros  01.09.14 11h03
Parabenizar o Desembargador Luiz Carlos da Costa.
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Alex R  01.09.14 09h55
Alex R, seu comentário foi vetado por conter expressões agressivas, ofensas e/ou denúncias sem provas
LEANDRO  01.09.14 09h10
CONCORDO COM O SR DESEMBARGADOR.
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Fernando  01.09.14 09h03
Simplesmente magnifico a atitude deste ilustre Magistrado, ainda existe uma luz no fim do tunel.
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