LUCAS RODRIGUES
DO MIDIAJUR
A juíza Olinda de Quadros Altomare Castrillon, da 11ª Vara Cível de Cuiabá, pediu a instauração de investigação contra o advogado Rafael Kruger, em razão de supostas irregularidades em processos que envolvem o pagamento do seguro DPVAT (Seguro de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre).
O pedido foi remetido ao Ministério Público Estadual (MPE) e à Ordem dos Advogados do Brasil em Mato Grosso (OAB-MT). O advogado é secretário-geral da Comissão de Trânsito da OAB-MT e terá cinco dias para se manifestar sobre o fato, de acordo com a determinação da juíza. Por sua vez, o advogado afirmou que ocorreu apenas um erro processual.
A solicitação foi feita nos autos de processos que tramitam na vara da magistrada. Ao analisar as ações, ela verificou que já tinha julgado processos idênticos, que estavam registrados em códigos diferentes, e declinado a competência dos mesmos.

"O advogado constituído pelo autor não se sabe se por má-fé ou a fim de induzir o juízo a erro, desentranhou documentos originais de processo que seria remetido ao domicílio do autor sem qualquer autorização do Juízo"
No entanto, mesmo com o declínio da competência, a juíza verificou que o advogado ajuizou novas ações com os mesmos objetos e as mesmas partes, sendo que as novas ações vieram com documentos originais retirados dos processos anteriores.
“O advogado constituído pelo autor não se sabe se por má-fé ou a fim de induzir o juízo a erro, desentranhou documentos originais de processo que seria remetido ao domicílio do autor sem qualquer autorização do Juízo, renumerando ele mesmo as páginas dos autos de onde os originais foram desentranhados, o que comprova a sua intenção e contraria as regras impostas no CNGC [Consolidação das Normas Gerais da Corregedoria]”, relatou a juíza.
Ela reiterou que o ato do advogado só poderia ter ocorrido caso ela autorizasse.
“Não se pode permitir a supressão da decisão judicial, uma vez que, após acostados aos autos, o documento é publico, a dispor do juiz da causa, não podendo o autor retirá-lo do processo como bem entender”, afirmou.
Detalhes das açõesA magistrada também citou outro fato contido em uma das ações: a suposta vítima de acidente é parte de outro processo em que pleiteia recebimento de seguro por lesão no mesmo braço, apesar de as datas das ações e os advogados de cada processo serem diferentes.
“A assinatura do autor [suposta vítima do acidente] na procuração e na declaração de hipossuficiência não possui correspondência com seus documentos pessoais em nenhum dos autos”, explicou.
Olinda Castrillon destacou que as notícias de fraudes que envolvem os seguros DPVAT são cada vez mais comuns e envolvem a utilização da “replicação de documentos para duplo recebimento pela mesma parte, razão pela qual as condutas devem ser analisadas com zelo e apuradas a fundo a fim de serem coibidas”.
“Exige-se cada vez mais dos advogados uma postura ética, condizente com as premissas contidas na Lei 8.906, de 04.07.94 (Estatuto da Advocacia e da OAB) e por consequência, aqueles que não trilharem esse caminho, poderão ser responsabilizados”, alertou.

"Em razão do declínio de competência, a magistrada teve que extinguir as ações. Então tivemos que entrar com novos processos, ocasião em que ocorreu o erro em juntar os documentos originais sem a autorização da magistrada"
Outro ladoAo
MidiaJur, o advogado Rafael Kruger afirmou que não houve qualquer tipo de má-fé, mas apenas uma irregularidade formal no ajuizamento das ações.
"A situação não se refere a fraudes no DPVAT. É que foram tiradas cópias do processo, mas, ao invés de colocar as cópias, foram inseridas as originais. Mas isso não tem nada a ver com fraudes no DPVAT. Não tem referência com a matéria do DPVAT em si, é questão processual. Ela apenas oficiou a OAB porque a troca das cópias deveria ter sido feito com a autorização dela", alegou.
Ele explicou que os processos contra a seguradora tramitavam normalmente no Fórum de Cuiabá, mas, como a seguradora possui sede no Rio de Janeiro, a juíza declinou da competência para julgar os feitos.
"Em razão do declínio de competência, a magistrada teve que extinguir as ações. Então tivemos que entrar com novos processos, ocasião em que ocorreu o erro em juntar os documentos originais sem a autorização da magistrada", afirmou o advogado.
O advogado relatou ainda que, em razão do declínio de competência, requereu a extinção dos processos que tramitam contra a seguradora do Rio de Janeiro.
"Por isso tem dois processos contra cada cada cliente, porque a juíza não olhou o pedido de extinção dos processos contra a seguradora que ainda tramitam em Cuiabá", destacou.
Confira a íntegra da determinação da juíza:22/04/2015
Decisão->Determinação Vistos, etc.
Trata-se de Ação de Cobrança de Seguro Obrigatório – DPVAT ajuizada por Paulo de Lima em face de Porto Seguro Cia de Seguros Gerais.
Compulsando os autos e em análise ao sistema Apolo constata-se que o autor já havia ajuizado ação semelhante registrada sob o código 974750, onde fora proferida decisão declinando competência e determinando a remessa dos autos ao domicílio da parte autora para prosseguimento da ação.
Ocorre que ajuizada a presente ação a mesma veio instruída com os documentos originais extraídos da ação retro mencionada (cód. 974750).
O advogado constituído pelo autor não se sabe se por má-fé ou a fim de induzir o juízo a erro, desentranhou documentos originais de processo que seria remetido ao domicilio do autor sem qualquer autorização do juízo, renumerando ele mesmo as paginas dos autos de onde os originais foram desentranhados o que comprova a sua intenção e contraria as regras impostas no CNGC:
6.16.23 – Sendo desentranhada dos autos alguma de suas peças, inclusive mandado, em seu lugar será colocada uma folha em branco, na qual será certificado o fato, a decisão que o determinou e o número das folhas antes ocupadas, evitando-se a renumeração.
6.16.23.1 – Os documentos desentranhados, enquanto não entregues aos interessados, serão guardados em local adequado. Neles a Secretaria certificará, em lugar visível e sem prejudicar a leitura do seu conteúdo, o número e natureza do processo de que foram retirados.
O artigo 125 do Provimento nº 01 de 27 de janeiro de 2003 do Tribunal de Justiça de Mato Grosso dispõe:
Art. 125. A extração de fotocópia ou de certidão de processos em segredo de justiça e o desentranhamento de documentos dependerão de despacho do juiz.
A boa-fé objetiva estabelece os deveres de comportamento que as partes devem seguir no andamento processual e é considerado como sendo um princípio geral, não expresso no Código Civil, mas incorporado ao direito brasileiro como um todo, por força do art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil.
De acordo com esse entendimento Vieira Júnior registra:
“A boa-fé objetiva é um princípio de defesa ético-jurídica, para que os negócios jurídicos se realizarem dentro de valores como a correção, a lealdade, a confiança. a boa-fé objetiva determina um agir com correção e lealdade nas relações jurídicas. Esse princípio apregoa que todos devem guardar fidelidade à palavra dada e não frustrar ou abusar da confiança que constitui a base imprescritível das relações humanas, sendo pois, mister que se proceda tal como se espera que o faça qualquer pessoa que participe honestamente e corretamente no tráfego jurídico”. (2003, p.41).
Cada vez mais temos visto notícias de fraudes que envolvem os recebimentos de seguros via DPVAT com a replicação de documentos para duplo recebimento pela mesma parte, razão pela qual as condutas devem ser analisadas com zelo e apuradas a fundo a fim de serem coibidas.
Exige-se cada vez mais dos advogados uma postura ética, condizente com as premissas contidas na Lei 8.906, de 04.07.94 (Estatuto da Advocacia e da OAB) e por consequência, aqueles que não trilharem esse caminho, poderão ser responsabilizados.
Não se pode permitir é a supressão da decisão judicial, uma vez que, após acostados aos autos, o documento é publico, a dispor do juiz da causa, não podendo o autor retirá-lo do processo como bem entender.
Nesse sentido:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO ACIDENTARIA. DESENTRANHAMENTO DE DOCUMENTO JUNTADO AOS AUTOS - PROVA DO JUÍZO - Sendo o juiz o destinatário da prova, cabe apenas ao magistrado a livre apreciação da conveniência de permanecer ou não o documento nos autos, considerando sua imprescindibilidade para a formação de sua convicção.(TJ-SP - AG: 994092386608 SP , Relator: Amaral Vieira, Data de Julgamento: 09/03/2010, 16ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 29/03/2010)
Isto posto, respaldada no poder de cautela determino sejam extraídas copias dos autos 983259 e do apenso 974750 e encaminhadas para conhecimento e apuração dos fatos à OAB/MT – Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional de Mato Grosso e para o Ministério Público Estadual.
E mais, verifica-se ainda a existência de processo ajuizado por advogado diverso (Código 980734) referente a fato ocorrido com o autor destes autos. Em que pese as datas dos fatos serem distintas, a lesão ocorreu no mesmo braço (antebraço direito), e a assinatura do autor na procuração e na declaração de hipossuficiência não possui correspondência com seus documentos pessoais em nenhum dos autos (983259 e 980734).
Há ainda que ser observado que nestes autos quem comunicou do gravame ocorrido em Tangará da Serra foi o próprio advogado constituído pelo autor perante a Delegacia de Várzea Grande.
Isto posto, além dos documentos a serem encaminhados ao Ministério Público Estadual para apuração, encaminhe-se cópia integral dos autos 980734.
Intime-se a parte autora a se manifestar nos autos acerca dos fatos narrados no prazo de 05 (cinco) dias.
Decorrido o prazo, certifique-se e voltem-me conclusos.
Expeça-se o necessário.
Cumpra-se.