Cuiabá, Terça-Feira, 21 de Outubro de 2025
“COMPREI AÇÃO”
21.10.2025 | 11h15 Tamanho do texto A- A+

PF: Dupla pagou milhões para vencer disputa de terra em MT

O documento da PF descreveu as conversas interceptadas e movimentações financeiras

MidiaNews

O advogado Roberto Zampieri e o lobista Andreson de Oliveira no detalhe

O advogado Roberto Zampieri e o lobista Andreson de Oliveira no detalhe

PEDRO COUTINHO
DO OLHAR JURÍDICO

Cheques de R$ 500 mil, mensagens de cobranças para o pagamento do “amigo”, transações milionárias e tratativas com servidores dentro de gabinete de ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ): relatório parcial da Polícia Federal no inquérito que apura a venda e o vazamento de decisões no Poder Judiciário, aponta que o advogado Roberto Zampieri, assassinado em 2023, e o lobista Andreson de Oliveira Gonçalves movimentaram milhões de reais para obterem sucesso em um recurso envolvendo a disputa por mais de 800 hectares de terras no interior de Mato Grosso.

 

Documento obtido pelo Olhar Jurídico descreveu as conversas interceptadas e movimentações financeiras que indicam articulação entre o núcleo externo — chefiado pelo lobista Andreson e pelo advogado Roberto Zampieri — e servidores do gabinete da ministra Isabel Gallotti referente ao Recurso Especial nº 1.584.111/MT.

 

As conversas interceptadas, entre outubro e novembro de 2019, mostram pedidos de verificação do andamento do processo e referências explícitas a pagamento para a obtenção do resultado desejado.

 

De acordo com a PF, o núcleo era composto por três eixos principais: Zampieri, era o advogado formal de partes em processos no STJ, que atuava como elo entre os clientes e os intermediários; Andreson, lobista que mantinha contato direto com servidores e articulava pagamentos e cobranças; neste recurso, Daimler Alberto de Campos, servidor de carreira e ex-chefe de gabinete da ministra Isabel Gallotti, seria a pessoa do acesso interno aos sistemas e minutas das decisões, inclusive as modificando sem o conhecimento da magistrada.

 

Terras em disputa

 

Um dos processos possivelmente fraudados pelo grupo trata-se do Recurso Especial 1.584.111/MT, no STJ, relacionado a disputa de posse de imóveis rurais no município Nova Ubiratã, na casa dos mais de 800 hectares. Processo foi ajuizado em 2002 por um comerciante e sua esposa contra o pecuarista Carlos Antônio Nogueira, cujo espólio é defendido por Zampieri. 

 

Em 11 de outubro de 2019, Zampieri perguntou a Andreson se ele já havia “tratado do assunto com Daimler”. Dias depois, em 19 de novembro de 2019, voltou a cobrar e afirmou ter “comprado o processo”. Em 21 de novembro, Andreson encaminhou a Zampieri uma petição protocolada no recurso e alertou: “o amigo tá puto”, sugerindo pressão por rapidez. O “amigo”, possivelmente, seria Daimler.

 

 

Uma semana depois, Andreson reenviou mensagem com o termo “liberou” e anexou um arquivo em formato PDF com minuta de decisão de seis páginas, sem assinatura e com uma sigla identificadora no canto esquerdo — elemento que, segundo a PF, comprova se tratar de versão interna, ainda não publicada. Desta forma, o indício seria de que algum servidor poderia ter modificado o teor da decisão antes mesmo de passar pela magistrada.

 

O documento definitivo seria disponibilizado apenas em 2 de dezembro e publicado no dia 3 de dezembro de 2019, confirmando a proximidade temporal entre o vazamento e a decisão – e as movimentações milionárias.

 

Após a publicação, as conversas passaram a girar em torno dos valores supostamente devidos. Em 5 de dezembro de 2019, Andreson iniciou a cobrança de R$ 50.000,00, alegando que o “amigo” aguardava o pagamento.

 

Nos sucessivos dias, as mensagens interceptadas registraram novas cobranças, com Andreson exigindo o total de R$ 200 mil — sendo R$ 50 mil já pagos e R$ 150 mil ainda pendentes. As transferências confirmadas pela PF mostram que, em 6 de dezembro, Zampieri recebeu R$ 50.000,00 do cliente Carlos Antônio Nogueira Júnior, representante do espólio por ele defendido, valor imediatamente repassado à empresa Florais Transportes, de propriedade de Andreson.

 

 

No mês seguinte, Andreson voltou a pressionar. Em 2 de janeiro de 2020, afirmou que a cobrança partia de “Daimler” e fazia referência ao “processo da Kátia”, expressão usada para identificar o recurso.

 

Uma semana depois, o lobista apresentou um cronograma de repasses à Roberto: R$ 50 mil vencidos, R$ 150 mil para o dia 14 ou 15, e R$ 250 mil para o dia 28. Zampieri respondeu que pagaria R$ 50 mil naquele dia e o restante em março. O extrato bancário confirma uma transferência de R$ 50 mil à Florais Transportes na mesma data.

 

Já no fim de janeiro, Andreson comunicou a Zampieri que um empresário faria uma transferência de R$ 200 mil seguida de “o do Daimler também”. A PF relaciona esse empresário como pessoa que tinha negócios intermediados por Zampieri.

 

As mensagens ainda registram ligação do servidor Daimler à esposa de Andreson, a advogada Mirian Ribeiro Rodrigues de Mello Gonçalves, para tratar das cobranças, o que a PF interpreta como indicativo de participação dela nas tratativas financeiras.

 

Ainda no contexto das tratativas do recurso, fotografias extraídas do celular de Zampieri mostram comprovante de depósito com cheques que totalizavam R$ 500.000,00, emitidos por Germano Zampieri Neto, parente do advogado. 

 

Ampliação das negociatas

 

Nos meses seguintes, as conversas mostram a continuidade das operações. Em fevereiro de 2020, Andreson informou que o caso “os ED da Cátia” estava “concluso” e que “deveria sair na semana que vem”. Minutos depois, enviou: “acabou de sair”, demonstrando conhecimento sobre movimentações internas do gabinete.

 

Entre junho e julho de 2020, foram identificadas transferências de R$ 350.000,00 de Zampieri para a empresa Florais Transportes. As investigações também apontam repasses de Carlos Antônio Nogueira Júnior ao advogado, reforçando a ligação direta entre o cliente beneficiado e o núcleo intermediário.

 

As mensagens continuaram até julho de 2020. No dia 4, Andreson cobrou novamente o pagamento, e Zampieri respondeu que na segunda-feira “vai estar na sua conta”. Em 6 de julho, confirmou o depósito de R$ 100 mil. Extratos bancários daquele mês mostram saques em espécie nas contas do advogado.

 

Negociações paralelas

 

A partir de novembro de 2020, o processo voltou ao centro das tratativas, desta vez com participação de pessoa identificada como T.B.V.P., a qual detinha contato frequente de Zampieri. As mensagens mostram que eles discutiam cláusulas, valores e prazos ligados ao mesmo recurso, com transações que somaram R$ 6 milhões, pagas em parcelas indexadas à cotação da soja.

 

Em 10 de novembro, T. enviou arquivo com contrato particular de promessa de compra e venda de imóvel rural, com cláusula de confidencialidade e previsão de pagamentos a Zampieri. Na mesma data, extratos apontaram recebimento de R$ 1,8 milhão, saque de R$ 300 mil e transferências de R$ 200 mil, R$ 60 mil e R$ 40 mil a terceiros.

 

Nos dias 23 e 24 de novembro, T. informou a inclusão do processo “Goldani STJ” em pauta virtual, de 1º a 7 de dezembro de 2020, e voltou a cobrar providências de Zampieri. Em 27 de novembro, ele orientou que fosse informado ao juízo que “as partes estão tentando acordo” e confirmou que “suspendeu tudo por 60 dias”.

 

A PF observou que, nesse período, a minuta do voto permaneceu sem andamento no gabinete. Em 27 de novembro de 2020, a ministra Isabel Gallotti assinou a decisão; em 7 de dezembro, a Quarta Turma do STJ negou provimento ao agravo interno — resultado alinhado aos interesses de Zampieri e dos interlocutores.

 

“O resultado alcançado coincidiu com os interesses de ROBERTO ZAMPIERI, que, nas semanas antecedentes, havia conduzido tratativas contratuais e negociações financeiras paralelas, inclusive com cláusulas de confidencialidade”, diz trecho do documento.

 

Os agentes concluíram que T. tinha acesso antecipado a pautas e minutas internas, “antes mesmo de sua divulgação oficial”, e que o envolvimento funcional ultrapassava o servidor Daimler, podendo alcançar outros membros do gabinete.

 

Desta forma, o relatório sugere continuidade das diligências para identificar todos os servidores que colaboraram na elaboração de minutas e no vazamento de informações.

 

O documento foi enviado ao Supremo Tribunal Federal, sob sigilo, e indica que nenhum ministro é, até o momento, investigado criminalmente. A ministra Isabel Gallotti informou desconhecer o teor da apuração e afirmou que seu gabinete está à disposição para colaborar com as investigações.

 

A operação Sisamnes foi deflagrada no ano passado e já tem mais de 10 fases desencadeadas. A ofensiva iniciou a partir do assassinato de Zampieri, em dezembro de 2023. No seu celular, as investigações encontraram as conversas com Andreson, que revelaram indícios plausíveis de esquema de corrupção no judiciário nacional, consistente nas negociações milionárias de venda de sentenças. O caso já culminou no afastamento dos servidores do STJ Dimler, Márcio Toledo e Rodrigo Falcão, além dos desembargadores Sebastião de Moraes e João Ferreira Filho, e do juiz Ivan Lucio Amarante, todos do Tribunal de Justiça (TJMT). 

 

Veja prints:

 

 

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