Relatório parcial encaminhado no último dia 6 pela Polícia Federal ao ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF), detalha a atuação de um sistema de movimentação financeira usado para sustentar o esquema de corrupção investigado na Operação Sisamnes, que apura a negociação de decisões judiciais no Poder Judiciário supostamente liderado pelo lobista Andreson de Oliveira Gonçalves e o advogado Roberto Zampieri, assassinado em 2023.
Segundo o relatório, Zampieri sacou R$ 12,7 milhões em 642 transações, e Andreson teria contato direto com um doleiro de São Paulo para "lavar" o dinheiro obtido no escândalo.
Segundo o documento de mais de 400 páginas, obtido pelo Olhar Jurídico, o grupo recorria a operações conduzidas por doleiros e a empresas com atuação no mercado para ocultar a origem e o destino de recursos ilícitos.
A PF aponta que a mescla de dinheiro ilegal com receitas empresariais legítimas dificultava o rastreamento dos valores e a identificação dos beneficiários.
No centro da estrutura, foi identificado o doleiro Surrei Ibrahim Mohamad Youssff, que, de acordo com as investigações, operava transferências em espécie, compensações financeiras e remessas ao exterior. Mensagens interceptadas revelaram sua atuação em conjunto com o advogado Roberto Zampieri, em tratativas que envolviam pagamentos e negociações ligadas a processos em tramitação no Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Esse fato, inclusive, culminou num escritório de advocacia de Cuiabá sendo vasculhado pela PF em maio, durante a quinta fase da ofensiva.
A PF verificou que parte das transações era realizada com uso de senhas, intermediários e câmbio paralelo, e que o emissário responsável por efetivar entregas de valores era W.C., apontado como operador do grupo. Durante busca e apreensão na casa de câmbio de Surrei, os agentes encontraram uma mochila com grande quantia em dinheiro vivo, reforçando a suspeita de que o esquema financeiro estava em atividade.
O relatório estima que mais de R$ 500 mil tenham circulado por meio dessa estrutura clandestina, que, segundo a PF, integrava o fluxo de propina destinado à compra de decisões judiciais. As comunicações analisadas indicaram o uso recorrente de linguagem cifrada, codinomes, contatos falsos e aplicativos voltados à ocultação de identidade.
Além disso, o delegado responsável apontou que Zampieri demonstrou intensa movimentação financeira por meio de saques eletrônicos em espécie, totalizando R$ 12.761.015, 17, distribuídos em 642 transações entre 2019 e 2022.
“Para além disso, na galeria de fotos do celular de Roberto Zampieri, observou-se a realização de depósitos fracionados, por meio da utilização de múltiplos cheques de valor idêntico (R$ 20.000,00 cada), prática comumente associada a estratégias de pulverização destinadas a dificultar a rastreabilidade dos recursos e a mitigar a incidência de mecanismos automáticos de controle bancário”, diz trecho do documento.
A Polícia Federal concluiu que o esquema envolvia servidores do STJ, entre eles Daimler Alberto Campos, Márcio José Toledo e Rodrigo Falcão, além do núcleo articulado pelo lobista Andreson de Oliveira Gonçalves e por Zampieri. O grupo seria responsável por intermediar o contato entre interessados e servidores com acesso a gabinetes de ministros.
As mensagens e documentos obtidos na nuvem de Andreson revelaram ainda tratativas com magistrados, chefes de gabinete e servidores, além de empréstimos de aeronaves para uso de autoridades e tentativas de influenciar indicações para cargos públicos.
O relatório destaca que o esquema apresentava características típicas de organização criminosa, sustentado por um consórcio de beneficiários e pela pulverização de repasses em valores reduzidos e periódicos, o que dificultava a detecção isolada das operações.
Diante dos indícios, a PF recomendou ao STF a manutenção das medidas cautelares e do afastamento dos servidores investigados, para impedir a retomada do esquema e o uso da estrutura do STJ em novas ações ilícitas.
A corporação também sugeriu o aprofundamento da análise societária de 152 empresas ligadas ao contador Nilvan Medrado, apontado como elo contábil do grupo, a fim de mapear possíveis ramificações da rede financeira e identificar outros beneficiários.
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