Lo Borges partiu. Mas é curioso como alguns artistas não “morrem”. Eles simplesmente mudam de dimensão, igual fazem as notas quando passam de escala, sem perder significado. Ele foi um desses. Ele atravessou gerações, mares, regimes, modas, algoritmos, crises e reinícios — e continua inteiro, agora mais imortal do que nunca.
Lo sempre foi o arquiteto afetivo do Clube da Esquina. Enquanto o mundo tentava ver o Brasil apenas pelo concreto, pelo PIB, pela ideologia, ele ensinou a ver pelo vento, pela textura do céu, pelo olhar pra dentro.
E hoje, olhei para mim mesmo e percebi que estou voltando a isso.
Voltando para a minha paisagem interna.
Voltando para minha janela essencial.
A vida adulta, o mundo, as guerras políticas, a hiper economia, as disputas narrativas, a destruição digital cotidiana — tudo isso às vezes empalhaça o essencial da existência. A gente endurece.
Lo lembrava que não.
E como eu fui criado no interior, quando ele canta “cavaleiro marginal banhando em ribeirão”, eu me reconheço ali sem precisar decodificar nada. Sou parte desse Brasil profundo. Sou parte dessa água que moldou minha infância, do barro, do cheiro de campo, do silêncio que ensinava mais do que qualquer escola ou manual.
E quando ele diz “mensageiro natural”, eu também vejo minha essência original — antes da técnica, antes das estruturas, antes da investigação pesada. Eu era isso. E estou resgatando isso de volta agora.
Mas também é evidente que a vida adulta me obrigou, muitas vezes, a “falar dessas cores mórbidas e desses homens sórdidos”. Essa parte é o peso do jornalismo real, do Brasil real, do subterrâneo social que investiguei, denunciei, revelei, descrevi. Mas agora entendo que essa dimensão é só uma camada — não o meu eixo.
O Brasil de Lo Borges é um Brasil possível.
Não o Brasil dos relatórios, não o Brasil dos algoritmos sociais que nos viciam em ódio, não o Brasil do cinismo automático. Mas o Brasil que ainda tem infância, vento, silêncio e música. Onde o essencial é possível novamente.
Eu hoje sou mais parecido comigo mesmo do menino que eu fui — do que fui ontem.
E isso é Lo Borges também.
É Clube da Esquina.
É Minas transformando o infinito dentro do finito.
A morte dele me pegou como o fechamento de um ciclo estético, cultural e emocional. Mas também como um convite.
Para voltar ao que importa.
Para voltar às janelas reais.
Não as telas.
Para voltar à paisagem.
Porque toda vez que eu escuto “Paisagem da Janela”, eu não ouço só nostalgia.
Eu ouço um recado: tudo o que importa já estava dentro.
Lo Borges ajudou a construir a música brasileira como quem constrói memória coletiva. E agora, nesse reencontro tardio comigo mesmo, vejo o quanto essa música sempre esteve ali, como trilha subterrânea, como eixo de retorno.
Um dia todos nós iremos.
Mas alguns deixam mapas.
Lo Borges deixou um mapa emocional do Brasil profundo – aquele Brasil que ainda respira alma.
E eu — finalmente — voltei para dentro desse mapa.
E reencontrei minha essência.
Rodrigo Rodrigues é empresário, jornalista e graduado em gestão pública.
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