Cuiabá, Terça-Feira, 8 de Julho de 2025
GUILHERME CARVALHO
29.04.2024 | 06h00 Tamanho do texto A- A+

Advocacia pública municipal

A posição do Supremo Tribunal Federal na ADI 6.331

Em várias ocasiões, já tivemos a oportunidade de nos manifestar sobre o tema relacionado à advocacia pública municipal, não sendo tão preponderante, para o presente debate, destacar se se trata de procuradoria, órgão de assessoramento jurídico ou qualquer outra nomenclatura que responda à necessidade de defesa do ente público.

  

Certo é que o Brasil possui 5.570 Municípios, cujas disparidades (populacional, econômica, geográfica, dentre outras) são notórias, razão pela qual a matéria é, rotineiramente, passível de discussão.

  

Ocorre que o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da ADI nº 6.331, pacificou o entendimento de que as Constituições dos estados da Federação não podem obrigar os respectivos municípios pertencentes a cada ente federativo estadual criarem Procuradorias. Para o quanto importa, segue a decisão do STF:

 

“O Tribunal, por unanimidade, conheceu da ação direta de inconstitucionalidade e julgou parcialmente procedente o pedido, para: (i) conferir interpretação conforme à Constituição ao art. 81-A, caput, da Constituição do Estado de Pernambuco, no sentido de que a instituição de Procuradorias municipais depende de escolha política autônoma de cada município, no exercício da prerrogativa de sua autoorganização, sem que essa obrigatoriedade derive automaticamente da previsão de normas estaduais; (ii) declarar a inconstitucionalidade do § 1º e do § 3º do art. 81-A da Constituição do Estado de Pernambuco, tendo em vista que, feita a opção municipal pela criação de um corpo próprio de procuradores, a realização de concurso público é a única forma constitucionalmente possível de provimento desses cargos (art. 37, II, da CRFB/88), ressalvadas as situações excepcionais em que também à União, aos Estados e ao Distrito Federal pode ser possível a contratação de advogados externos, conforme os parâmetros reconhecidos pela jurisprudência desta Corte, tudo nos termos do voto do Relator.”

O julgamento atingido pela Corte Constitucional não soluciona a questão, parecendo-nos, ao contrário, que mais alarma a problemática que atormenta os gestores municipais, bem assim os órgãos de controle externo.

  

À vista dos últimos debates e, notadamente, tendo por base a decisão tomada na ADI nº 6.331, julgada no último dia 8 de abril de 2024, pensamos que algumas respostas podem ser adotadas, tendo por base principal, sem exclusão de outra matiz principiológica, a razoabilidade.

  

Diante de todos estes aspectos, compatibilizar todos esses interesses, oferecendo soluções estruturantes proporcionais, é o propósito desse artigo. Portanto, a sugestão trazida defende, sumamente, dois pontos — denominados conclusões “A” e “B” —, que, aparentemente antagônicas, são complementares.

 

À guisa de última consideração, o controle externo poderá incidir apenas quanto à forma de contratação dos profissionais que realizam a defesa das municipalidades

Conclusão

 

A primeira conclusão (conclusão “A”) se subdivide em duas variações. Tratemos, inicialmente, da variação inicial (denominada “A.1”). Existem municípios que, inarredavelmente, não podem prescindir de uma Procuradoria organizada e estruturada em carreira, quando haja critérios objetivos para sua criação, critérios estes que podem ser colhidos na lei e na própria jurisprudência. Esta primeira conclusão se choca, aparentemente, com a recente decisão do STF.

  

Todavia, a não criação, em alguns municípios, de Procuradorias organizadas em carreira, com ingresso por meio de concurso público, constituir-se-ia em manifesto desvio de finalidade e ofensa aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade; logo, não seria uma solução estruturante proporcional.

  

A segunda variação da primeira conclusão (que chamaremos de “A.2”) atesta justamente uma zona de certeza negativa, é dizer: no mesmo plano, como o anverso de uma mesma moeda, existe uma significativa quantidade de municípios que, com clareza manifesta, por ausência de demandas judiciais suficientes aptas à criação de uma estrutura de Procuradoria organizada em carreiras, bem assim, por falta de recursos, não podem suportar este mesmo ônus, igualmente pela mesma ofensa aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, bem assim à eficiência e à economicidade. Criar Procuradorias ou, em algumas circunstâncias, órgão de assessoramento jurídico, seria uma desproporcionalidade manifesta.

  

O segundo ponto (que chamamos de conclusão “B”) vai ao encontro dos demais. Não existindo uma zona de certeza positiva quanto à necessidade de criação das Procuradorias organizadas em carreira ou, mesmo a existência de uma zona de certeza negativa, concernentemente à completa inviabilidade de criação, e restando uma margem razoável de dúvidas, tal escolha deverá ser político-administrativa, segundo critérios de discricionariedade inerentes a quem exerce a chefia do Executivo municipal, sendo limitada, senão esvaziada, em tais hipóteses, a incidência do controle externo.

  

Esse segundo ponto (conclusão “B”) adere justamente à tese recentemente julgada pelo Supremol. A decisão, observado tal cenário, é discricionária, decorrente do exercício da função administrativa, ínsita ao Executivo e alheia, em parte, ao controle externo, podendo, contudo, serem observados critérios objetivos mais amplos, como, por exemplo, o número de habitantes e outras balizas também trazidas por outras legislações, a exemplo do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01).

  

À guisa de última consideração, o controle externo poderá incidir apenas quanto à forma de contratação dos profissionais que realizam a defesa das municipalidades, porquanto, nesse sentido, faz-se inviável imaginar não ser possível qualquer manifestação dos órgãos de controle, designadamente porque à defesa do ente público adere o interesse público primário, devendo haver, a despeito da primeira parte do artigo 3º-A, da Lei no 8.906/94, uma forma objetiva de contratação, distante de uma mera escolha política, baseada na confiança, a qual, por vezes, pode comprometer a melhor e mais objetiva defesa da municipalidade.

  

Propostas

  

Por isso, derradeiramente propomos, quanto à advocacia pública municipal, as seguintes soluções estruturantes que pensamos ser — obedecida uma sequência lógica e preferencial —, embora não as melhores, as mais proporcionais:

  

1) Sempre que possível, deve-se criar uma Procuradoria, com carreira organizada de procurador e ingresso mediante concurso público nos termos da Constituição de 1988;

  

2) Não sendo possível (por questões de economicidade e eficiência) criar uma Procuradoria (hipótese que se admite apenas e tão somente quando não presente uma zona de certeza positiva), deve-se, minimamente, instituir um cargo de assessor jurídico, a ser ocupado por servidor admitido mediante concurso público.

  

3) Diante de uma zona de certeza negativa ou presente uma zona discricionária de extremadas dúvidas quanto à não existência de Procuradoria ou de criação de cargo de assessor jurídico, proceder à contratação de serviços profissionais comuns de advogado mediante um método objetivo de escolha, em que prevaleçam, conjuntamente, a técnica e o preço, e, para serviços técnicos e singulares, de comprovada e notória especialização, contratação por inexigibilidade de licitação, nos termos do artigo 74, da Lei nº 14.133/2021.

  

Pensamos — talvez pretensiosamente —, que, mediante as soluções apresentadas, há como contemplar os interesses de todos as propostas e atores envolvidos, concedendo, na medida do possível — e respeitados os princípios da eficiência e da proporcionalidade —, a necessária evidência à advocacia pública municipal, remanescendo a incidência do controle externo para situações ocasionalmente tópicas e manifestamente atípicas e desproporcionais.

  

Guilherme Carvalho é doutor em Direito Administrativo, mestre em Direito e políticas públicas
 

 

 

*Os artigos são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião do MidiaNews. 

 

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