Cuiabá, Sábado, 5 de Julho de 2025
VALDINEY DE ARRUDA
05.07.2025 | 05h30 Tamanho do texto A- A+

Doença crônica

O assédio moral como doença crônica e a urgência do tratamento coletivo

Sabe aquela sensação de ter a energia drenada no trabalho, dia após dia? Aquelas pequenas ‘picadas’ que parecem insignificantes, mas que, somadas, transformam o ambiente em um campo minado? Pois bem, o assédio moral é exatamente isso: uma doença crônica que silenciosamente corrói a saúde mental e a produtividade.

 

Em 2001, perdi meu pai e, pouca semana depois, enfrentei minha primeira crise de pânico. Após longos meses de consultas, ouvi de uma psiquiatra que aquela condição me acompanharia “para sempre” e que eu precisaria de tarja-preta para o resto da vida. Hoje vejo que ela acertou e errou: o medo realmente permanece à espreita, mas não precisa dominar nossa vida. Faço uma analogia direta: o assédio moral é como uma doença crônica — persiste enquanto existirem desequilíbrios de poder. Enfrentá-lo requer tratar os sintomas com práticas diárias (feedback respeitoso, escuta ativa, reconhecimento sincero) e, ao mesmo tempo, atacar suas causas (hierarquias tóxicas, processos mal desenhados, vieses implícitos) para reduzir seu impacto de forma duradoura.

 

Imagine o assédio como um terror psicológico: pequenas ‘microagressões’ cotidianas — críticas repetidas, silêncios que isolam, metas inalcançáveis — que, somadas, corroem a confiança e a motivação. São verdadeiros vírus que atacam o sistema imunológico da nossa saúde mental, manifestando-se como tensão muscular, insônia ou irritabilidade excessiva, metas inalcançáveis — que, somadas, corroem a confiança e a motivação.

 

O “dr. Christophe Dejours”, médico-psicólogo francês, dedicou décadas a estudar como as pressões do dia a dia transformam trabalho em sofrimento. Para ele, o problema não é um ato isolado, mas um processo contínuo: quanto mais ignoramos sinais de alerta, mais forte se torna o impacto. Em termos práticos, isso significa que desafios diários — prazos apertados, mudanças bruscas de prioridade, falhas de comunicação — devem ser monitorados antes que ocorram surtos de hostilidade.

 

A psiquiatra Marie-France Hirigoyen descreveu esse fenômeno como “violência perversa”: toques sutis de desqualificação, gestos de exclusão, manipulações de informação que, em conjunto, formam um ataque coordenado à autoestima. Hirigoyen chamou a atenção para o fato de que não precisamos de gritos ou humilhações explícitas para desestruturar alguém — basta a repetição de micro-golpes para criar um verdadeiro “psicoterror”.

 

Para evitar que o “mal” desperte com força total, é preciso adotar ferramentas de autocuidado e diagnóstico rápido. Para dr. Christophe Dejours, o trabalho pode ser prazeroso quando oferece reconhecimento, espaço para invenção prática e um suporte coletivo que transforma a inevitável tensão em fonte de satisfação e saúde mental. Manter um diário de microagressões recebidas, participar regularmente de rodas de escuta internas ou com colegas de confiança e usar questionários de clima (por exemplo, o NAQ – Negative Acts Questionnaire) são práticas que sinalizam cedo a presença de situações tóxicas. A autoconsciência — perceber tensão muscular em reuniões, insônia ou irritabilidade exagerada — funciona como termômetro: quando esses sintomas emergem, é hora de buscar suporte.

 

No dia a dia, pequenas atitudes preventivas podem “dosar” o ambiente antes que a doença se agrave. Praticar Comunicação Não Violenta (CNV) para expressar limites, solicitar feedback construtivo de um colega e estabelecer pausas de recuperação mental — ainda que breves — são gestos que interrompem o ciclo destrutivo. Criar rituais de proteção, como “check-ins” em equipe e protocolos de denúncia anônima, fortalece o sistema nervoso coletivo contra surtos de psicoterror.

 

Em última análise, o assédio moral é uma doença crônica — está sempre presente em qualquer relação marcada por dinâmicas de poder, e ignorá-lo é correr o risco de vê-lo reativar-se em surtos cada vez mais graves. Por isso, é fundamental tratar seu impacto com a mesma seriedade que se dá a um quadro médico: reduzir a “carga viral” do desrespeito, mas sem subestimar sua gravidade. Pequenas ações do dia a dia — um feedback respeitoso, um “obrigado” sincero, um canal de escuta realmente aberto — funcionam como um tratamento contínuo, criando barreiras que impedem a propagação de comportamentos tóxicos.

 

Contudo, diagnóstico e cuidado não bastam: é preciso agora promover mudanças estruturais, revisar processos de gestão e responsabilizar quem ultrapassa os limites do respeito. Só assim transformaremos a cultura organizacional, garantindo que o assédio não apenas fique sob controle, mas deixe de ser tolerado de uma vez por todas. E você, está pronto para assumir essa responsabilidade?

 

Valdiney de Arruda é administrador, especialista em Políticas Públicas.

*Os artigos são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião do MidiaNews. 

 

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