O uruguaio Eduardo Galeano, se não me trai a memória, cita no "Veias Abertas" que "temos guardado um silêncio bastante parecido com a estupidez", versando sobre a colonização latino-americana. Trago a mesma reflexão para tratar da "passividade" do povo cuiabano, rótulo aplicado em recente artigo de um pensador ilustre desta parte mais central da América do Sul, como diria o Dr. Carlos Alberto Rosa.
Rotular cuiabanos de "passivos", indolentes e outras asneiras era coisa do século XVIII. Posteriormente foi consagrado como "fuxico de gente baixa", coisa assim, de "bocó de fivela", no humorado linguajar regional. Cuiabano que sou, por opção e lei, não me parece crível aceitar que triunfe a idéia de que "o cuiabano, em sua maioria, é um sujeito passivo, desinformado, resignado com a realidade de sua cidade, descrente em uma solução".
Desconheço a referência bibliográfica utilizada, mas tal assertiva se apresenta de forma perfeita como a técnica de pesquisa científica aplicada às "bananinhas de bolixo", o "achismo" sintético e barato, portanto, imprestável cientificamente ao uso racional, isso, para não tê-la simplesmente como uma ode à vergonha alheia.
A grandeza do povo cuiabano e dos que aqui habitam e sua contribuição para construção do Brasil não é cabível dentro de um adjetivo que os apontam como culpados dos males administrativos causados por gestores públicos. Incompetência há em todo lugar, inclusive no serviço público federal.
Em nossa história não se acha traços de sujeição consentida, de inércia ou passividade. Sobre a Rusga, de 1834, iniciada aí no Campo D'Ourique, onde hoje está a Câmara Municipal, reportou José de Moura e Silva que "os exaltados cuiabanos não ouviram os apelos do bispo D. José Antônio dos Reis, que de crucifixo na mão implorava o término da carnificina, mas de nada adiantaram seus apelos (...)". Mataram em torno de 40 estrangeiros, à espada e a fogo.
Muito depois, em 1925, Ana Maria do Couto já insurgia contra as normas sociais que impunha à mulher a exclusiva missão de dona do lar. Foi educadora, política, promotora pública e em sua vida não há traços de passividade ou desinformação. Era culta e bela.
E Dunga Rodrigues, que ensinava francês, música de fino conhecimento, escritora talentosa e historiadora? E o povo, esse desconhecido e anônimo, como Vovó Pitu, que me ensinou a comer peixe tirando as espinhas nos dentes, assim, pelo outro canto da boca? Povo passivo, resignado com a realidade?
Não vi passividade quando o cuiabano Dante de Oliveira conclamou a nação ao maior movimento popular de nossa história em prol da democracia. As "Diretas Já", nos ofertou a idéia de que era possível ser livre. Oras, desinformados? Não conheceu então Silva Freire, nem sabe quem é o poeta Moisés Martins. Não viu o Professor Lenine Povoas nem leu Dona Maria Lygia de Borges Garcia, contando o que lhe contaram...
Como Alves de Oliveira na "Crônica das doze e cinco": a cidade vive dos que vivem nela. Cuiabá é a síntese de seu povo, gente daqui e outros que para cá vieram, brasileiros em sua gênese, que não aceitam esses rótulos e constroem com sua vida e seu trabalho uma cidade melhor para todos.
E saibam todos que nosso orgulho por essa terra que não cabe em um adjetivo somente, e nem nos permite aceitar, passivos, o que generalizadamente, não somos.
FRANCO QUERENDO é professor e advogado. Email: [email protected]