Cuiabá, Domingo, 6 de Julho de 2025
FRANCO QUERENDO
01.07.2011 | 11h48 Tamanho do texto A- A+

Bocó de fivela

Rotular cuiabanos de "passivos", indolentes e outras asneiras era coisa do século XVIII

O uruguaio Eduardo Galeano, se não me trai a memória, cita no "Veias Abertas" que "temos guardado um silêncio bastante parecido com a estupidez", versando sobre a colonização latino-americana. Trago a mesma reflexão para tratar da "passividade" do povo cuiabano, rótulo aplicado em recente artigo de um pensador ilustre desta parte mais central da América do Sul, como diria o Dr. Carlos Alberto Rosa.

Rotular cuiabanos de "passivos", indolentes e outras asneiras era coisa do século XVIII. Posteriormente foi consagrado como "fuxico de gente baixa", coisa assim, de "bocó de fivela", no humorado linguajar regional. Cuiabano que sou, por opção e lei, não me parece crível aceitar que triunfe a idéia de que "o cuiabano, em sua maioria, é um sujeito passivo, desinformado, resignado com a realidade de sua cidade, descrente em uma solução".

Desconheço a referência bibliográfica utilizada, mas tal assertiva se apresenta de forma perfeita como a técnica de pesquisa científica aplicada às "bananinhas de bolixo", o "achismo" sintético e barato, portanto, imprestável cientificamente ao uso racional, isso, para não tê-la simplesmente como uma ode à vergonha alheia.

A grandeza do povo cuiabano e dos que aqui habitam e sua contribuição para construção do Brasil não é cabível dentro de um adjetivo que os apontam como culpados dos males administrativos causados por gestores públicos. Incompetência há em todo lugar, inclusive no serviço público federal.

Em nossa história não se acha traços de sujeição consentida, de inércia ou passividade. Sobre a Rusga, de 1834, iniciada aí no Campo D'Ourique, onde hoje está a Câmara Municipal, reportou José de Moura e Silva que "os exaltados cuiabanos não ouviram os apelos do bispo D. José Antônio dos Reis, que de crucifixo na mão implorava o término da carnificina, mas de nada adiantaram seus apelos (...)". Mataram em torno de 40 estrangeiros, à espada e a fogo.

Muito depois, em 1925, Ana Maria do Couto já insurgia contra as normas sociais que impunha à mulher a exclusiva missão de dona do lar. Foi educadora, política, promotora pública e em sua vida não há traços de passividade ou desinformação. Era culta e bela.

E Dunga Rodrigues, que ensinava francês, música de fino conhecimento, escritora talentosa e historiadora? E o povo, esse desconhecido e anônimo, como Vovó Pitu, que me ensinou a comer peixe tirando as espinhas nos dentes, assim, pelo outro canto da boca? Povo passivo, resignado com a realidade?

Não vi passividade quando o cuiabano Dante de Oliveira conclamou a nação ao maior movimento popular de nossa história em prol da democracia. As "Diretas Já", nos ofertou a idéia de que era possível ser livre. Oras, desinformados? Não conheceu então Silva Freire, nem sabe quem é o poeta Moisés Martins. Não viu o Professor Lenine Povoas nem leu Dona Maria Lygia de Borges Garcia, contando o que lhe contaram...

Como Alves de Oliveira na "Crônica das doze e cinco": a cidade vive dos que vivem nela. Cuiabá é a síntese de seu povo, gente daqui e outros que para cá vieram, brasileiros em sua gênese, que não aceitam esses rótulos e constroem com sua vida e seu trabalho uma cidade melhor para todos.

E saibam todos que nosso orgulho por essa terra que não cabe em um adjetivo somente, e nem nos permite aceitar, passivos, o que generalizadamente, não somos.

FRANCO QUERENDO é professor e advogado. Email: [email protected]

*Os artigos são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião do MidiaNews. 

 

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COMENTÁRIOS
18 Comentário(s).

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Léia da Silva Borges  19.08.11 01h26
Gostei do seu artigo e concordo que esta terra abençoada feita de um povo inteligente e forte em sua cultura que me recebeu de braços abertos já faz 31 anos e parece que foi ontem, eu aprendi a amar tudo que diz respeito a Cuiabá e hoje tenho meus familiares aqui e filhos cuiabanos e daqui não saio nem morta!!!!!!!
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Ida Christensen  01.07.11 23h17
Amigo, sinto lhe dizer, mas Mato Grosso só começou a desenvolver-se depois que os ditos "paus-rodados" aqui chegaram. E é aí que a expressão “passivo” se adéqua. Até então, todo bom cuiabano, fechava seu comércio para o almoço e para a soneca posterior. Trabalhar duro que é bom, nada!! E quando você mencionou reflexões superadas, me veio à lembrança que lá pelos idos anos 80 e 90, ainda quando eu visitava algum no conhecido "chapa e cruz", tinha que ouvir da respectiva parentela que era estrangeira, além das nadas discretas perguntas quanto a minha genealogia completa, e, indiretamente, o teor do "balancete contábil familiar". Fala sério!
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Ademir Bustamante  01.07.11 22h38
Eu, como cuiabano, tenho vergonha de bairristas como esse dr Franco, que se ofendem com uma interpretação peculiar do texto do dr Novis em vez de abrir os olhos ao que extá ao redor. Olhe os políticos que nós ontinuamos elegendo, independente dos escândalis em que se envolvem. Olhe a omissão de nossa população no trânsito, única capital do Brasil sem fiscalização eletrônica. Olhe os escândalos do nosso judiciário. Olhe o atendimeno de nossos órgãos públicos. Esse saudosismo floreado serve pros livros de história, não pra nossa realidade.
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Anderson  01.07.11 19h30
O importante é que o Dr Querendo não foi bairrista. A culpa pelos maus gestores não é EXCLUSIVA dos cuiabanos. É de todos que votaram neles, inclusive os que aqui vivem. Isso é fato. Culpar cuiabanos por isso é um erro. Outro fato é que o Midianews, democrático como sempre, abriu o debate. Texto sintético, sem bairrismo, sem frescuras. Parabens, Midianews pelos articulistas.
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Jesse Rodrigues  01.07.11 18h56
Parabéns Franco, pelo artigo, ainda vou um pouco mais longe, que nós cuiabanos também fizemos uma politica estudantil atuante e inovadora e somos como dizem prata da casa da UFMT, e não passamos na instituição UFMT em brancas nuvens como dizem, quero dizer que somos LIDERES ESTUDANTIS DE VERDADE QUE NÃO TEM MEDO DE EXPOR SUA OPINIÃO/PONTO DE VISTA PARA TODA A SOCIEDADE, temos que revidar de forma inteligente como você fez. PARABÉNS!!!!!!!!
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