Cuiabá, Quarta-Feira, 8 de Outubro de 2025
RENATO MOLINA
08.10.2025 | 05h30 Tamanho do texto A- A+

IA não deveria ser sua terapeuta

Dados e pesquisas recentes revelam um aumento notável na procura

A interação ser humano-máquina cresceu vertiginosamente nas últimas décadas. A popularização dos computadores de uso pessoal, a internet, os smartphones, que se tornaram nossos companheiros inseparáveis e, mais recentemente, da Inteligência Artificial (IA).

           

Seja pela facilidade de comunicação, seja pelo maior acesso à informação, seja pela velocidade ou praticidade ou ainda por todos esses motivos juntos, ainda mais associados à vulnerabilidade humana, o espaço ocupado pela tecnologia em nossas vidas parece não ter alcançado ainda todo o seu potencial.

           

A psicoterapia é compreendida como um processo interpessoal complexo, no qual aspectos pessoais, tanto do paciente, quanto do terapeuta se encontram em dimensões de subjetividade diversas (gênero, raça, classe social, crenças, posições políticas, religião, faixa etária, geração etc.). Em geral, se espera que nesse encontro de subjetividades, uma pessoa em condição de vulnerabilidade (o paciente ou cliente) receba apoio da outra parte, treinada para lidar com tal condição (a terapeuta)

 

O uso de Inteligência Artificial (IA), especialmente através de chatbots como o ChatGPT, para buscar apoio emocional, conselhos e até mesmo simular sessões de terapia tem crescido significativamente. Embora a prática seja amplamente desaconselhada por especialistas como substituta da terapia humana, dados e pesquisas recentes revelam um aumento notável na procura.

           

Motivos que levam pessoas a procurarem IAs como terapeutas podem ser diversos, como: acessibilidade e disponibilidade, com suporte imediato, 24 horas por dia, 7 dias por semana, algo que um terapeuta humano não consegue igualar, sendo, por isso, uma condição não humana; Custo, muitas ferramentas de IA são gratuitas ou mais baratas que a terapia tradicional, tornando-se uma opção para quem não pode pagar um profissional; Anonimato e ausência de julgamento, a IA não julga, mas também não replica a complexidade da condição humana, na qual certos tipos de reação (inclusive frustração ou limites) são desejáveis dentro da relação terapêutica; Redução da solidão, mesmo que a companhia obtida seja artificial, apenas simulando uma convivência real.

 

De maneira geral, entre dois seres humanos, a terapia preserva elementos típicos dessa relação, que (ao menos por enquanto) não são reproduzidos numa relação humano-máquina, como: humanidade e subjetividade, visto que o processo envolve duas subjetividades inteiras (paciente e terapeuta). O terapeuta não é uma máquina neutra, e o paciente não é um objeto a ser "consertado". Os sentimentos, histórias e vieses de ambos, inevitavelmente, influenciam a interação.

 

O vínculo, construído ao longo da relação terapêutica, exige confiança, aceitação incondicional e empatia. Essa conexão é um fator de mudança tão importante quanto qualquer técnica específica. A qualidade desse encontro não pode ser simulada por um algoritmo.

 

De modo geral, espera-se que "comportamentos-problema" (aqueles que estão no centro dos conflitos interpessoais de cada um de nós) apareçam como fenômenos emocionais complexos na relação entre paciente e terapeuta. O profissional, com sua história pessoal e seus limites, utiliza suas reações emocionais como elementos cruciais e complexos que só podem ser manejados e utilizados terapeuticamente dentro de um contexto humano (e treinado).

 

Em geral, tais emoções podem aparecer com causas diversas na relação, incluindo muitas comuns ao dia a dia das relações humanas, o que ressalta sua importância. Estamos falando de situações como: indisponibilidade, esquecimentos (de ambas as partes), faltas, licenças, esperas, pagamentos (ou dificuldades financeiras), períodos de luto, gestação, entre uma infinidade de outros exemplos cotidianos que geram afetos na relação.

 

Embora a busca pela IA como terapeuta possa indicar uma grande carência na disponibilidade de profissionais de saúde mental ou ainda da inacessibilidade de muitas pessoas a tratamentos adequados, talvez ela indique, acima de qualquer coisa, a vulnerabilidade humana por atenção, escuta e afeto. É exatamente aí que reside o principal problema, pois você, paciente, pode se envolver emocionalmente com a IA, mas ela não pode se envolver com você.

 

Renato Molina é psicólogo clínico e servidor público estadual.

*Os artigos são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião do MidiaNews. 

 

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