Cuiabá, Segunda-Feira, 7 de Julho de 2025
SÉRGIO CINTRA
26.10.2019 | 08h00 Tamanho do texto A- A+

Mancha negra

Por imobilismo ou discurso, Governo assume identidade de “Mancha dos Trópicos”

O maior vilão dos quadrinhos da Disney (o Mancha Negra) completou 86 anos no último maio. O Mancha é um senhor senil, inofensivo e, até, hilário ao tentar escapar dos afagos da madame Min (Bruxa apaixonada pelo facínora de Patópolis).

 

Maior inimigo do Mickey, o ladrão encapuzado perdeu seu encanto ao mostrar sua face, aliás, uma caricatura do próprio Walt Disney. Entretanto,  quando comparado à mancha negra de petróleo que macula boa parte das praias nordestinas torna-se ainda mais inerme.

Atualmente, anda difícil discernir que é o mocinho e quem é o bandido

Para os membros dos governos federal e estaduais, velhos conhecidos (e admiradores) do Mancha, a mancha era mais ficção que o próprio larápio. Mas ao emporcalhar as lindas areias do nordeste, além de matar vários exemplares de diferentes espécies animais, o verdadeiro réprobo revelou sua fronte mais perversa: petróleo cru, piche – infelizmente – denso, o que dificulta, e muito, o seu monitoramento. Apesar disso, desde o dia 28 de agosto, notou-se a presença do ébano nas areias brancas.

 

A partir daí (como de praxe), buscou-se culpados: a Venezuela, de Maduro; navio-fantasma, que transporta petróleo clandestinamente. Se não se tratasse de um desastre ambiental de origem antrópica, rir-se-ia; porém, como não se lembrar do professor Ludovico e sua máquina surreal, inventada para encontrar o famigerado  “Le Fantôme Noir” (nome do personagem disneyano em francês) e ele sempre se safava. Analogamente, na Terra Brasilis, procura-se, primeiro, o culpado para, só depois, tomar as providências. Neste caso, nenhum nem outro; mas... mais danos ambientais.

 

O pensador italiano Ítalo Calvino, no icônico “As Cidades Invisíveis” (1972), afirma  “(…) que devia me libertar das imagens que até ali haviam anunciado as coisas que procurava: só seria capaz de entender a linguagem de Ipásia”. Ipásia é uma das cidades relacionada à simbologia – à relação dual (no mínimo) entre o objeto e o signo linguístico.

 

Assim, o conto termina com a máxima: “Não existe linguagem sem engano”.  Ao mudar o foco da questão ambiental para a autoral, o Governo comporta-se como os sofistas gregos que privilegiavam a retórica à verdade, por isso mesmo, o sofisma é um recurso retórico que consiste em ser deliberadamente enganoso. O Governo, seja pelo imobilismo seja pelo discurso, assume a identidade de “o Mancha dos Trópicos”. 

 

Em  tempo e mundo marcados pela volatilidade, as Histórias em Quadrinhos (HQs), cujas personagens encarnam tipos que se comportam sempre da mesma forma, talvez isso explique o seu crescente ostracismo.

 

Atualmente, anda difícil discernir que é o mocinho e quem é o bandido. Ao contrário do Mancha dos HQs; na luta maniqueísta entre o Bem e o Mal não  é possível para a maioria, com clareza, estabelecer quem é quem nesse conflito. Com isso o discurso oficial assevera que a mancha de óleo é venezuelana (e é, com certeza); contudo, tal fato não autoriza o integrante (mor) da Mancha Verde a fazer “cara de paisagem” como se esse desastre ambiental acontecesse na ficcional Patópolis e não na “Minha terra tem palmeiras/ Onde canta o sabiá”.  

 

SERGIO CINTRA é professor de Redação e de Linguagens em Cuiabá

*Os artigos são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião do MidiaNews. 

 

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