Outubro chegou. Com ele, três comemorações são marcantes: duas no dia 12; uma no dia 15.
A primeira das comemorações do dia 12 diz respeito só aos católicos. A outra refere-se ao dia das crianças. Na terceira data, comemora-se o dia do professor.
Em princípio, o motivo dessas comemorações é antagônico: sagrado versus profano. Todavia, há algo em comum presente e inquietante em todas.
Em 12 de outubro, os católicos cultuam Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil. Pela lógica de um estado laico, que preza pela pluralidade religiosa, isso já deveria ter sido retirado do calendário. Esse feriado é agressivo aos que não são católicos.

"Em 12 de outubro, os católicos cultuam Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil. Pela lógica de um estado laico, que preza pela pluralidade religiosa, isso já deveria ter sido retirado do calendário. Esse feriado é agressivo aos que não são católicos"
Isso é tão verdadeiro que, em 12 de outubro de 1995, um ex-pastor da Igreja Universal, em programa de TV, esmurrou e chutou a estátua de Nossa Senhora. Fez mais: chamou a imagem de “boneco feio, horrível e desgraçado”. Aquilo foi outra violência simbólica de um 12 de outubro.
Mas essa data é recarregada de violência simbólica, quando o tema é a criança. Longe de ser uma boneca ou uma estátua, com significado para uns e desprovida de sentido para outros, a criança existe de fato.
E a maior violência simbólica que se comete contra a maioria de nossas crianças é tratá-las sem limites demarcados, sem fazê-las compreender direitos e deveres, sem transmitir valores éticos e conhecimentos culturais sólidos. Nisso, o Brasil é praticamente imbatível.
Dessa violência simbólica, muitas crianças experimentam frutos amargos, concretos. Quando se tornam adolescentes, jovens e adultos, estão aptas a devolver à sociedade tudo o que recebeu. A devolução pode vir com juros e correções. E tem vindo!
Outro enorme contingente de crianças, além das violências simbólicas, é vítima precoce de seres (des)humanos. Agressões sexuais, trabalho escravo infantil e tráfico de crianças, geralmente pobres, são exemplos inaceitáveis de violências palpáveis.
Das violências contra crianças, passo a falar dos ataques contra os professores, lembrados no dia 15, desde um decreto imperial de 1827, que criara as “escolas de primeiras letras”.
Desse decreto – que, dentre outros itens, tratava da descentralização do ensino, do salário, das matérias e da forma de contratação dos mestres – até a primeira comemoração, mais de um século se passou. Somente em 1947 ocorreu a primeira comemoração de um dia dedicado ao professor. Naquele momento, o mestre Salomão Becker pronunciou em seu discurso o seguinte: "Professor é profissão. Educador é missão".
Aquela celebração em São Paulo espalhou-se pelo país, até ser oficializada como feriado escolar por um Decreto Federal, de 14 de outubro de 1963.
De lá para cá, o conjunto legal sobre essa profissão não tem contemplado suas necessidades básicas; ao contrário. A violência do campo simbólico das leis já atingiu o plano das violências concretas de forma assustadora. As coberturas jornalísticas são provas chocantes.
Hoje, em vários lugares, essa categoria, cujo piso salarial é de 1.567 reais, está em greve. A mobilização de maior visibilidade é a do Rio, onde um aparato bélico contra os professores pode ser visto: chutes, socos, empurrões, spray de pimenta, bombas de efeito moral...
Em MT, a violência contra os docentes, em greve há mais de 55 dias, parece regozijar governantes, alguns, inclusive, “companheiros” do grupo de partidos da ordem. É incrível como falam grosso, quando chegam ao poder: “vamos demitir”, “vamos cortar o ponto”, “vamos contratar outros para o lugar dos grevistas, vamos...”
Outubro é mesmo um mês catalizador de necessárias reflexões.
ROBERTO BOAVENTURA DA SILVA SÁ é doutor em Jornalismo/USP e professor de Literatura/UFMT