Cuiabá, Quinta-Feira, 14 de Agosto de 2025
JOÃO PAES DE BARROS
13.07.2024 | 05h30 Tamanho do texto A- A+

Totó Paes: a busca termina!

Não é incomum alegarem que ex-governador está sepultado próximo a fábrica

Entre os apreciadores da história regional, não é incomum encontrar quem alega que o ex-governador Cel. Antônio Paes de Barros (Totó Paes) esteja sepultado nas proximidades da antiga Fábrica de Pólvora do Coxipó, onde hoje funciona o “Campo de Instrução Marechal Rondon” da 13º Brigada de Infantaria Motorizada.

 

Governador do Estado de Mato Grosso entre os anos de 1903 a 1906, o Cel. Antônio Paes de Barros foi um industrial de larga visão, fundador do maior empreendimento fabril do Centro-Oeste no final do Século XIX – a Usina Itaicy.

 

Em 1906, já próximo de terminar o seu mandato à frente do executivo estadual, Antônio Paes acabou sendo forçado a organizar uma frente de defesa contra um movimento revolucionário que objetivava apeá-lo ilegalmente do governo. Após dias de confronto e vítima de traição por parte de aliados, os governistas se rendem no dia 1º de julho e Totó Paes enceta uma fuga do Morro do Seminário até a Fábrica de Pólvora do Coxipó, onde se homizia ao aguardo das tropas federais sob o comando do General Emygdio Dantas Barreto.

 

Mesmo com a revolução terminada, o Cel. Antônio Paes de Barros acaba sendo perseguido pelos seus opositores políticos e cruelmente assassinado em seu abrigo no dia 06 de julho de 1906. Segundo Dantas Barreto, “no próprio lugar em que fora encontrado o corpo mutilado do presidente, abriram-lhe a sepultura que ainda hoje o encerra.” (BARRETO, Dantas. Expedição a Matto-Grosso – Revolução de 1906. Rio de Janeiro: Laemmert & C., 1907. p. 203).

 

Tempos depois, naquela mesma região, o exército providenciou a construção de um jazigo em seu tributo, que foi reformado em 2006 pelo Governo do Estado em comemoração ao centenário da sua morte. Com isso, não demorou para se espalhar a informação equivocada de que ele permanecia inumado naquele ponto. Mas na verdade, o túmulo da antiga Fábrica de Pólvora do Coxipó está vazio! É mantido pelo exército como um monumento em sua homenagem, marcando o lugar de seu passamento.

 

Antônio Fernandes de Souza, escritor da obra “Antônio Paes de Barros e a política de Mato Grosso”, já havia apontado que: “Alguns anos mais tarde, por interferência de amigos residentes no Rio de Janeiro, foram os restos mortais do Cel. Antônio Paes de Barros exumados da sepultura nas cercanias da Fábrica de Pólvora do Coxipó do Ouro, encerrados em urna funerária, transladados para a capital da República, e depositados em jazigo perpétuo, em algum cemitério da metrópole de país.” (SOUZA, Antônio Fernandes de. Antônio Paes de Barros e a política de Mato Grosso. Cuiabá: IHGMT, 2001. p. 95).

 

Motivação não faltava para que a família o levasse para terras cariocas. Após seu assassinato, a implacável perseguição dos seus opositores não parou. A vítima agora era a sua biografia. Ruas com seu nome foram alteradas, documentos importantes de seu governo acabaram incinerados e calúnias diversas eram espalhadas nos jornais e na literatura dos vitoriosos. Ainda, com receio de represálias violentas, sua esposa, filhas e genro se mudaram para o Rio de Janeiro em 1906, em meio a uma crítica situação financeira por conta do bloqueio de seus bens pelo governo revolucionário. Diante de tamanho aviltamento, não seria nada insensato levá-lo para o Rio de Janeiro onde pudesse descansar em paz, longe dos ódios e próximo dos seus entes queridos.

 

Com o auxílio do estimado professor Paulo Pitaluga Costa e Silva, tive a grata satisfação de conhecer o diretor do Instituto do Itaicy, José Marcos Carpes Vargas. Em uma conversa que tivemos em 22 de dezembro de 2023, Vargas reforçou que essa transladação de Totó Paes para o Município do Rio de Janeiro possivelmente foi promovida por sua esposa Úrsula no ano de 1908 com o auxílio da Marinha e, após efetivada, nunca mais se teve qualquer notícia da precisa localização de seus despojos mortais. Lembrou, ainda, que várias tentativas já foram realizadas no intuito de descobrir o seu paradeiro, inclusive com a intervenção da Secretaria Municipal de Cultura e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mas sem qualquer sucesso.

Uma pesquisa mais detalhada sobre o caso era realmente necessária, porém os prognósticos não eram nada bons.

 

Dois prováveis cemitérios poderiam ter recebido Antônio Paes: o São João Batista ou São Francisco Xavier (Caju). Em ambos, haviam centenas de milhares de jazigos, ou seja, uma pesquisa visual direta era impraticável.

 

Considerando a possibilidade da existência de uma lista informatizada de nomes, realizei uma tentativa de ligação telefônica para a administradora do Cemitério São João Batista no início do mês de maio. Após informar o atendente sobre o caso, ele me retornou dizendo que não existia nenhuma lista em seus computadores e que a pesquisa de nomes se dava mediante análise visual nos antigos livros de óbitos, sendo necessário ter em mãos a data exata do sepultamento da pessoa a ser pesquisada. No entanto, ninguém tinha o menor conhecimento sobre quando o translado de Totó Paes para o Rio ocorreu. Ou seja, as chances de êxito começavam a diminuir.

 

A esta altura, me fiz a seguinte indagação:

 

“Se os restos mortais do Cel. Antônio Paes foi transladado para o Rio de Janeiro pela família, seria possível que eles tivessem o desejo de descansar postumamente ao seu lado?” Era plausível.

 

Então iniciei uma pesquisa sobre os seus parentes próximos com auxílio do site Family Search. O foco da análise se restringiu sobre sua esposa Úrsula Ângela de Oliveira Barros, seu genro João de Aquino Ribeiro e suas filhas Alice Paes de Barros Ribeiro, Aida Paes de Barros e Anna Clara Paes de Barros. Como resultado, foi possível colher os seguintes dados:

 

Ursula Ângela de Oliveira Barros – Faleceu com cinquenta e quatro anos de idade, em 15 de novembro de 1915, sendo sepultada no Cemitério São João Batista em 16 de novembro de 1915. Era filha legítima do Capitão Miguel Ângelo de Oliveira Pinto e Francisca Roza de Oliveira Pinto, faleceu viúva de Antônio Paes de Barros. Deixou descendentes.

 

João de Aquino Ribeiro – Faleceu com setenta e três anos de idade, em 14 de março de 1944, sendo sepultado no Cemitério São João Batista em 15 de março de 1944. Era filho legítimo de Pedro de Aquino Ribeiro e Carolina de Aquino Ribeiro, faleceu viúvo de Alice Paes de Barros Ribeiro.

 

Deixou descendentes.

 

Alice Paes de Barros Ribeiro – Certidão de óbito não encontrada. Faleceu em 30 de dezembro de 1921. Era filha legítima de Antônio Paes de Barros e Úrsula Ângela de Oliveira Barros. Foi casada com João de Aquino Ribeiro. Deixou descendentes.

 

Aida Paes de Barros – Faleceu com oitenta e um anos de idade em 18 de dezembro de 1981, sendo sepultada no Cemitério São João Batista em 19 de dezembro de 1981. Era filha legítima de Antônio Paes de Barros e Úrsula Ângela de Oliveira Barros. Não deixou descendentes. Sua última residência era na Rua Itacuruçá, nº 116, casa nº 2, Tijuca.

 

Anna Clara Paes de Barros – Faleceu com oitenta e dois anos de idade em 09 de junho de 1977, sendo sepultada em 10 de junho de 1977 no Cemitério São João Batista. Era filha legítima de Antônio Paes de Barros e Úrsula Ângela de Oliveira Barros. Não deixou descendentes. Sua última residência era na Rua Itacuruçá, nº 116, casa nº 2, Tijuca.

 

Com os dados todos apontando para o Cemitério São João Batista, era chegada a hora de continuar a pesquisa in loco. Marquei então uma viagem até o Rio de Janeiro para o dia 15 de junho de 2024.

 

Ao chegar no destino já próximo das 20 horas, me programei para logo na manhã seguinte iniciar os trabalhos. Por ser final de semana, imaginei que a administração do cemitério estaria fechada. Assim, decidi realizar uma visita no último endereço indicado das filhas Aida e Anna Clara Paes de Barros (Rua Itacuruçá, nº. 116, nº 2, Tijuca). As pesquisas indicavam que elas não tiveram descendentes, mas talvez fosse possível que existisse algum parente colateral na casa que pudesse repassar maiores informações sobre ambas. Entretanto a tentativa restou infrutífera.

 

O morador da residência de nº 2 atendeu o interfone de maneira bastante ríspida e apenas se limitou a dizer que “não conhecia nenhuma delas e comprou aquele imóvel nos anos 2000 de pessoa que já não se recorda”.

 

Com o domingo inteiro pela frente, resolvi realizar a primeira visita até o Cemitério São João Batista para conhecer melhor sua estrutura e dependências. Ao chegar no local por volta das 12:30 horas, para minha surpresa, o setor administrativo do cemitério estava em pleno funcionamento. Havia me esquecido que, por ser um serviço essencial, a atividade não se interrompe aos finais de semana.

 

Ao adentrar no estabelecimento, fui logo atendido pelo recepcionista Paulo Moura, funcionário da concessionária Rio Pax, momento em que lhe informei sobre o objeto da minha pesquisa e lhe entreguei todas as datas de falecimento que havia coletado. Logo em seguida, ele saiu em busca dos diversos livros de óbitos para proceder com a análise.

 

A partir daquele momento tudo era possível: a família poderia estar em um único túmulo ou em túmulos distintos. No primeiro caso, a possibilidade de Totó Paes estar junto aumentava consideravelmente.  Mas ainda que fosse um jazigo comum de família, será que a lápide estaria intacta? Haveria inscrição individualizada e legível dos nomes? Será que o nome do Cel. Antônio Paes estaria lá?

 

De antemão, uma constatação me assustava profusamente: havia uma quantidade medonha de sepulcros completamente avariados pelo tempo, sem uma letra sequer de identificação. Um resultado inexitoso na pesquisa era a realidade mais provável diante das circunstâncias.

 

Quando a atendente Paulo retornou, logo relatou uma informação deveras desfavorável: o livro de óbito do ano de 1915 não estava em condições de manuseio, impossibilitando a verificação dos dados do túmulo da Sr.ª Úrsula Ângela de Oliveira Barros. Minhas esperanças diminuíam ainda mais, pois, se Totó Paes estivesse enterrado com alguém, com certeza seria com sua esposa.

 

Na sequência, Paulo Moura procede com a verificação dos dados de sepultamento das filhas Aida e Anna Clara e do genro João de Aquino Ribeiro. Ao finalizar, sentenciou: “não são túmulos conjuntos!” João de Aquino está registrado no jazigo nº. 2065-F, quadra 11, e, por sua vez, Aida e Anna Clara estão no de nº. 2836, quadra 41. A minha expectativa de encontrar um túmulo comum de família estava definitivamente ceifada.

 

E agora? Poderia o Cel. Antônio Paes de Barros estar em algum deles? Será que lembraram de mencionar o seu nome na lápide? Se sim, teria essa menção resistido ao tempo?

 

O nível de ansiedade era alto e o único antídoto seria enfrentar a realidade saindo cemitério adentro em busca dos locais.

 

Iniciei pelo túmulo do Dr. João de Aquino Ribeiro, por conta da proximidade da quadra 11 com o setor administrativo. Advogado, natural de Alagoas, ele se casou com Alice Paes de Barros Ribeiro em 20 de abril de 1901 e se tornou muito próximo ao sogro, principalmente por ser seu único genro. Pelo forte compadrio que existia entre ambos, não seria impossível que dividissem o mesmo recinto funerário.

 

Mas ao chegar diante do seu túmulo (nº. 2065-F, coordenada 22°57'29.5"S – 43°11'28.0"W), encontrei a seguinte inscrição: “Sepultura perpétua de João de Aquino Ribeiro e sua família”. Primeira derrota. Mesmo se Totó Paes estivesse ali, não havia maneira de comprovar essa circunstância. As chances de êxito se dissipavam.

 

Restava apenas uma única chance: o túmulo das filhas solteiras Aida e Anna Clara Paes de Barros. Segui então em direção à quadra 41 do Cemitério São João Batista. No caminho outras inúmeras sepulturas deterioradas e sem inscrição alguma extraiam o pouco que restava das minhas esperanças. A numeração crescente apontava que estava próximo o resultado daquela expedição: nº. 2830... nº. 2831... nº. 2832... nº. 2833... nº. 2834... nº. 2835... Finalmente, nº. 2836 da quadra 41 (coordenada 22°57'26.4"S – 43°11'18.3"W).

 

Sem demora reconheci a presença de um texto escrito na laje superior da sepultura. Ao lê-lo, fui absolutamente tomado por um sobressalto de emoções. Não constava os nomes das filhas Aida e Anna Clara naquela lápide.

 

Era inexplicável as sensações que me preenchiam. A pesquisa terminava ali, naquele instante, e felizmente com proveitoso êxito. Após 118 anos da sua morte, finalmente é descoberto o paradeiro póstumo do ex-governador Cel. Antônio Paes de Barros, uma das personalidades mais influentes de Mato Grosso no início do período republicano. Seu solo de descanso nesses anos todos foi uma das necrópoles mais belas do país, vizinha ao encantador litoral de Copacabana e guardada pelos braços abertos do Cristo Redentor.

 

A impressão que ficou é que Totó Paes, de certa forma, se deixou revelar. Talvez entendesse que chegou o momento oportuno de renascer para uma nova aurora histórica, onde sua biografia seja recontada de forma fidedigna e seu legado verdadeiramente reconhecido.

 

Resta-nos torcer para que, em breve tempo, possamos presenciar o seu nome designando novamente as ruas e avenidas de nossa querida Cuiabá e a sua grande obra (a Usina Itaicy) sendo revitalizada e transformada em uma efetiva rota turística. Não menos importante seria a construção de uma escultura em sua homenagem no encontro da MT-251 com a MT-351 (rotatória do Manso), ponto próximo da antiga Fábrica de Pólvora do Coxipó do Ouro, região onde o Cel. Antônio Paes de Barros entregou sua própria vida em defesa do governo democrático, da legalidade e da “liberdade de sua terra natal, a quem serviu com lealdade e desfalecimento” (SOUZA, 2001, p. 95).

 

João Paulo Lacerda Paes de Barros é escritor, advogado, oficial de justiça do TJMT, pesquisador de história regional.

 

*Os artigos são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião do MidiaNews. 

 

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