Passada mais de uma década do início da operação Lava Jato, seus impactos ainda são sentidos na política e nas instituições.
Mas o saldo das ações criminais, que já vinha sendo desfeito, encolheu ainda mais em 2025.
Não é de hoje que a Justiça arquiva inquéritos, rejeita denúncias e absolve réus da Lava Jato por motivos como falta de provas e excesso de duração das apurações.
A novidade é que o STF passou a invalidar de forma conjunta, com uma só decisão, todos os processos da operação contra determinados réus.
Para alguns deles, até as medidas da fase de investigação foram derrubadas.
Só em 2025, as anulações beneficiaram o ex-ministro Antonio Palocci, o doleiro Alberto Youssef e o ex-tesoureiro do PT João Vaccari.
Ano passado, foram o ex-ministro José Dirceu e o empreiteiro Marcelo Odebrecht, além de outros políticos e empresários.
O movimento ganhou força porque o STF tem revisado procedimentos legais que a Lava Jato usou contra múltiplos alvos.
O mais amplo foi a megadelação do antigo grupo Odebrecht —base para mais de 270 inquéritos.
O Supremo não apenas proibiu o uso das provas do acordo em qualquer processo, em todas as instâncias, como suspendeu a multa bilionária que a empresa se comprometeu a pagar.
Mesmo casos que não envolvem a Odebrecht têm sido anulados pelo Supremo, sob a justificativa de que os réus foram alvo de conluio entre o ex-procurador Deltan Dallagnol e o atual senador Sergio Moro (União-PR), à época juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba.
A tese foi consolidada com a descoberta das mensagens de Telegram entre Moro, Dallagnol e outros investigadores.
O material, apreendido pela Polícia Federal em 2019 depois de ter sido exposto na série de reportagens Vaza Jato, passou a servir de prova contra a operação.
Nenhum desses arquivamentos é automático: a defesa de cada réu precisa recorrer ao Supremo. As decisões, porém, têm sido quase sempre favoráveis a eles.
Tese de conluio
A maior parte das anulações determinadas pelo Supremo é baseada na conclusão de que houve conluio entre Moro e Deltan.
Essa tese tem sido usada pelo STF desde que o tribunal declarou Moro suspeito para julgar Lula. Essa decisão, em junho de 2021, levou à estaca zero todas as ações contra o petista no Paraná.
Desde então, o mesmo argumento vem favorecendo outros réus.
A avaliação de que houve conluio não é unânime: em geral, as anulações têm sido confirmadas pela Segunda Turma do Supremo em decisões apertadas, por 3 votos a 2.
A corrente contrária à Lava Jato é composta por Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Nunes Marques. Do outro lado estão André Mendonça e Edson Fachin — que deixou o colegiado no final de setembro para assumir a presidência do tribunal.
Para a ala anti-Lava Jato, o material comprovou que Moro alinhava estratégias com a força-tarefa e adotava expedientes ilegais, como a obtenção de provas fora dos canais oficiais e o prolongamento de prisões para forçar acordos de delação.
"Diante da atuação conjunta e coordenada entre magistrado e Ministério Público, não se pode falar em processo criminal propriamente dito, até mesmo porque não há defesa possível no ambiente retratado nestes autos, nem há contraditório ou devido processo legal", afirmou Toffoli no voto em que defendeu a anulação das medidas da Lava Jato contra Palocci, em agosto.
Procurado para comentar as decisões do Supremo derivadas da Vaza Jato, Sergio Moro não respondeu.
Procurada nos dias 26 e 27 de dezembro por telefone e WhatsApp, a assessoria de Deltan Dallagnol não respondeu à reportagem.
Provas da Odebrecht
Poucos empreiteiros condenados na Lava Jato chegaram a cumprir penas longas. A maioria fechou delações premiadas que abasteceram as acusações contra o mundo político.
O maior desses acordos foi assinado em 2016 com a antiga Odebrecht, atual Novonor. A colaboração, que envolveu 77 executivos do grupo, incriminou dezenas de políticos e outros personagens.
Com o avanço das investigações, ficou claro que o efeito criminal da delação seria limitado: dos casos que ficaram no Supremo, a grande maioria foi arquivada.
Os ministros encerraram vários inquéritos por excesso de prazo, já que se arrastavam por anos sem chegar a uma conclusão.
A situação piorou com a deflagração da operação Spoofing, em julho de 2019. A PF mirou os hackers que acessaram celulares de autoridades e descobriu arquivos que, anos depois, levariam à anulação do material.
Segundo concluiu o Supremo, a Lava Jato teve tratativas informais com autoridades da Suíça para trazer ao Brasil as provas do chamado "setor de propinas" da Odebrecht, que estavam armazenadas em sistemas eletrônicos sediados no exterior.
As conversas entre os procuradores mostraram que o material da Odebrecht foi trazido ao Brasil em "sacolas de supermercado", o que significa quebra da cadeia de custódia — sequência de procedimentos que devem ser seguidos para garantir a integridade da prova.
Diante das descobertas, em setembro de 2023, Toffoli deu o golpe de misericórdia e declarou as provas imprestáveis para qualquer processo, em todas as instâncias.
A anulação das provas não significou a extinção imediata das ações baseada nelas, já que os processos precisam ser analisados caso a caso. Na prática, porém, a medida representou uma pá de cal no legado da investigação.
A escuta de Youssef
Além de proibir o uso de provas obtidas nas investigações ligadas à empreiteira Odebrecht, por erro processual, outra revisão do STF teve efeito direto na herança jurídica da Lava Jato: a anulação dos processos contra o doleiro Alberto Youssef, peça-chave da operação, também em julho deste ano.
A decisão, tomada por Toffoli, remonta à escuta clandestina encontrada na cela do doleiro na sede da PF em Curitiba, em 2014.
Youssef descobriu o aparelho e notificou seus advogados, que fizeram queixa.
À época, Sergio Moro e a PF afirmaram que o aparelho estava inativo. O doleiro seguiu preso e acabou fechando a primeira grande delação premiada da Lava Jato, que incriminou dezenas de políticos e empreiteiros.
Em 2023, porém, uma sindicância da PF apontou que o juiz havia mentido: a escuta estava em pleno funcionamento, e os áudios captados estavam em um HD externo, encontrado na 13ª Vara Federal de Curitiba.
Em 10 de abril de 2014, data em que a defesa de Youssef notificou Moro sobre o grampo, o juiz negou um pedido da PF para transferir o doleiro para um presídio federal, com a justificativa de facilitar deslocamentos para audiências.
Toffoli concluiu que a decisão, além da escuta, serviu para "neutralizar" questionamentos sobre o assunto e coagir Youssef a assinar a delação.
Em relação às escutas na cela de Youssef, Sergio Moro afirmou à reportagem que, "como já foi informado em nota na época da decisão, o fato foi apurado em duas sindicâncias conduzidas pela Polícia Federal e depois no inquérito 5028753-20.2016.4.04.7000, que foi arquivado por decisão de 24/05/2019 do Juiz federal Luiz Bonat".
"O senador Sergio Moro, quando juiz, nunca foi responsabilizado pela escuta ilegal, não conduziu as apurações sobre ele e o inquérito sobre o fato foi submetido a outro juiz, já nominado. Quanto à localização de supostos áudios na Vara, desconhece o fato, mas eles provavelmente instruíram o inquérito de responsabilidade do juiz Luiz Bonat. O que consta na decisão do referido juiz é que os áudios seriam de difícil compreensão e destituídos de relevância. Lamenta-se que o revisionismo político sobre a Lava Jato deixe impune criminosos confessos e abra a porta para novos e maiores escândalos de corrupção", disse Sergio Moro, em nota.
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