Ontem ouvi uma banda nova-iorquina da década de 1960 e senti muitas saudades de um cara que era "o cara" do humor irreverente, sarcástico e libidinoso na redação do jornal onde tive meu primeiro emprego formal.
E pensei: é impossível pra mim ouvir Velvet Underground sem me lembrar de Antônio de Pádua e Silva, jornalista, escritor, colunista polêmico, servidor público. Ele era o mineiro mais declaradamente devasso que conheci em terras cuiabanas. Dele ganhei um LP da banda e ouvi falar dela.
À época, lembro que já conhecia uma música, "Perfact Day", do vocalista deles, que depois fez carreira solo, o Lou Reed, e foi por isso que nossa conversa sobre o tema começou. Ganhei o disco e do Pádua ganhei também um de seus livros: "O Gato que Amava Girl". Ali ele conta a história de um gatinho que se apaixona por uma menina que mora na região de prostituição do bairro Porto, aqui em Cuiabá.
Ganhei admiração pelo Pádua, pra quem a gente, estudante de jornalismo olhava meio torto, por ser...humano demais. Ele escrevia numa coluna chamada "Quebra Torto" sobre política, comportamento e etc. Aqui em Cuiabá quebra-torto é conhecido como uma refeição reforçada, quase um almoço, feito logo de manhã. E era tradição para muita gente. Assim como aquele cantinho do jornal se tornou.
Como colunista, Pádua, como nós o chamávamos, arranjava confusão com todo mundo. Políticos, burocratas, profissionais liberais... Para nós, eram polêmicas divertidas, colocavam as coisas em perspectiva muito peculiares, mas para o foco da atenção do Pádua, reconheço, não deviam ser nada engraçadas.
Lembro-me particularmente de uma, quando em sua coluna ele teve a ousadia, ele era ousado, de revelar os seus desejos eróticos por uma linda, distinta e comportada oficial da PM. Acho que ela compunha a equipe de segurança do Governo. Foi um reboliço... Imaginem os oficiais da PM bradando, "Isso não pode, esse cara foi longe demais, parem o Pádua".
Isso trouxe debate para a redação do Diário de Cuiabá, onde trabalhavamos. Alguns contra, outros à favor. E o Pádua? O Pádua ria. Lembro de suas gargalhadas gostosas, daquelas que faziam o corpo inteiro dele mexer, como se dançasse. O Pádua era demais! E se deu muito bem em Cuiabá! Escrever livros para-didáticos vendidos para as escolas, conheceu e transitou na "sociedade" alta, baixa e baixíssima.
Ele morreu em 2003, com 48 anos, de câncer. Acreditava, segundo matéria que li sobre, que se recuperaria e que iria ficar bem. Não deu. Ontem tive muitas saudades do Pádua, ouvindo Velvet, o cara que não só expressava literariamente suas ousadias, mas também as vivia.
MÁRCIA OLIVEIRA é jornalista em Cuiabá
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1 Comentário(s).
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SUELI SAMPAIO 05.05.19 08h38 | ||||
Parabéns pela reportagem! O mundo precisa de mais jornalista como você e como o Pádua! | ||||
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