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DESABOU
05.05.2019 | 08h22 Tamanho do texto A- A+

Mais de um mês após prazo expirar, casarão segue sem reforma

Outros casarões do Centro Histórico também sofrem os efeitos do tempo por falta de manutenção; arquiteto critica

Alair Ribeiro/MidiaNews

Antiga Gráfica Pêpe: casarão não suportou temporal na Capital

Antiga Gráfica Pêpe: casarão não suportou temporal na Capital

BRUNA BARBOSA
DA REDAÇÃO

Uma placa em frente ao casarão que deu origem à primeira gráfica e papelaria de Cuiabá, conhecida como Gráfica Pêpe, na Rua Sete de Setembro, no Centro Histórico da Capital, indica que o local passa por reformas desde o dia 1º de março, após desabar quando a estrutura antiga não resistiu a uma forte chuva em janeiro deste ano.

 

A data de conclusão no outdoor que informa sobre obra de estabilização, escoramento e manutenção de cobertura da Gráfica Pêpe, diz que os serviços deveriam ter sido entregues no dia 1º de abril. A fachada do imóvel também continua cercada por tapumes. 

 

A reportagem do MidiaNews procurou o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan-MT) para esclarecer sobre a obra no casarão histórico. Apesar de questionado, o órgão não informou se os reparos no local já foram concluídos e também não deu mais detalhes sobre o serviço. 

 

Atualmente, mais de 30 dias após a data limite estipulada pelo Iphan-MT, a Gráfica Pêpe ainda corre risco de não resistir ao próximo temporal. A estrutura do casarão está escorada apenas por pedaços de madeira, que ajudam a sustentar o que ainda resta da obra colonial. 

Alair Ribeiro/MidiaNews

Casarão Rua Pedro Celestino 24-04-2019

 Parede de outro casarão do Centro Histórico de Cuiabá cedeu após chuvas

 

Ainda é possível observar os prejuízos causados pelo desamento no dia 29 de janeiro em partes da parede que, devido a falta de manutenção correta, cederam durante a chuva. 

 

Dos anos 40 à 70, a Gráfica Pêpe, atendeu os cuiabanos no Centro da cidade oferecendo desde cadernos fabricados pela gráfica, livros e até encomendas de convites de casamento.

 

Casarões abandonados

 

Assim como o casarão que abrigou a primeira gráfica, outros imóveis do Centro Histórico de Cuiabá padecem devido à falta de investimentos. A Casa de Bem Bem, que foi o lar de Constança Figueiredo Palma, conhecida pelo apelido de "Dona Bem Bem", foi palco de várias festas nas décadas de 60 e 70. 

 

Sem o brilho dos eventos que cediava no passado, o imóvel já desabou por duas vezes pelo mesmo motivo da antiga Gráfica Pêpe: não resistiu a fortes chuvas que levaram parte da construção para o chão. Na época, a Prefeitura de Cuiabá emitiu uma nota dizendo que contrataria, em caráter emergencial, uma empresa para fazer a restauração do imóvel. 

 

Na Rua Pedro Celestino, outro casarão histórico se despedaça. Parte da parede da fachada do imóvel despencou na última semana, terminando por ficar "apoiada" em um poste de energia elétrica. 

 

O local que costumava abrigar a sede da Fundação Fé e Alegria de Cuiabá, organização sem fins lucrativos que promove processos educativos inclusivos, além de ações sociais, agora se resume a uma pilha de entulhos de construção.

 

Tijolos, pedaços de portas e janelas, além de outros itens que indicam que pessoas em situação de rua passaram por ali, são o que restaram das décadas de história. A reportagem tentou entrar em contato com a coordenação Fundação Fé e Alegria, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.

 

Essas construções deveriam ser revitalizadas e restauradas, ao meu ver, da mesma forma que foi feito, por exemplo, no Sesc Arsenal. Apesar do prédio ter sido mantido nas suas condições antigas, também tem coisas modernas. Ali respira vida o tempo inteiro, dia e noite

Políticos de braços cruzados 

 

O arquiteto e professor aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), José Antônio Lemos, criticou a falta de união entre a Prefeitura de Cuiabá e o Governo de Mato Grosso para obtenção de recursos para restauração dos casarões do Centro Histórico de Cuiabá. 

 

Segundo o arquiteto, as intituições e o Poder Público precisam "amadurecer" para salvar o Centro Histórico de Cuiabá. Para ele, o que acontece atualmente é uma briga por ciúmes, onde "quando um quer muito, o outro não quer" e, se houvesse um consenso, poderia resultar no envio de verba federal, como em outros Centros Históricos tombados nacionalmente espalhados pelo Brasil. 

 

"Precisa haver união para 'buscar' o dinheiro em Brasília, porque é um patrimônio com tombamento federal. Então, assim como eles forneceram verba para Goiás Velho (GO), Salvador (BA) e Corumbá (MS), o Centro Histórico de Cuiabá também tem direito, mas temos que trabalhar unidos", avaliou. 

 

O arquiteto disse que falta vontade e compreensão cultural, para entender que o Centro Histórico da Capital não é um peso, ônus ou transtorno, mas sim, uma riqueza que está sendo menosprezada há anos. 

 

Ele ainda criticou o que foi feito pela Prefeitura na Orla do Porto, onde foram colocadas réplicas de fachadas dos principais imóveis tombados como patrimônios sociais, afirmando se tratar de uma "coisa falsa, que acaba enganando o turista". 

 

"Fazer cenário imitando construções antigos é chamado de 'pastiche' na Arquitetura. É uma coisa falsa, o turista pode ser 'bobo', mas não é burro. Na hora que descobrem que estão sendo enganados, não voltam nunca mais e fazem propaganda contrária", criticou José Antônio.

 

"Respirar vida"

 

Para José Antônio Lemos, os imóveis localizados no Centro Histórico de Cuiabá deveriam ser revitalizados assim como o Sesc Arsenal, criado em 1818 após determinação do rei de Portugal, na época, João VI. O local funcionava como base militar para fabricação, reparo e depósito do armamento da Província do Mato Grosso. 

 

"Essas construções deveriam ser revitalizadas e restauradas, ao meu ver, da mesma forma que foi feito, por exemplo, no Sesc Arsenal. Apesar do prédio ter sido mantido nas suas condições antigas, também tem coisas modernas. Ali respira vida o tempo inteiro, dia e noite", avaliou.

 

Alair Ribeiro/MidiaNews

grafica pepe desabamento

 Casarão que abrigou primeira gráfica não resistiu a um temporal 

Nas vésperas do dia 8 de abril, quando Cuiabá comemorou 300 anos, proprietários de casarões no Centro Histórico da Capital resolveram fazer um protesto "silencioso" perante ao abandono do local. 

 

Além do abandono material a região central também foi acometida pelos efeitos do abismo social que separa a população. É comum ver dependentes químicos e pessoas em situação de rua ocupando os casarões antigos. 

 

Na ocasião, Renato Calhao, de 60 anos, nasceu e viveu em um dos antigos casarões na esquina entre as ruas Voluntários da Pátria e Pedro Celestino, que cortam o Centro Histórico de Cuiabá, atribuiu ao abandono da região a dificuldade em alugar o seu imóvel, onde, de acordo com ele, poderiam funcionar "restaurantes e galerias de arte".

 

José Antônio Lemos também ressaltou que Cuiabá foi o primeio polo do oeste brasileiro e ocupa grande importância na história dessa região do país. 

 

"A vocação daquele Centro Histórico é ser uma vitrine cultural e histórica de Cuiabá e Mato Grosso. A partir do Centro, Cuiabá foi quem ajudou a ocupar, quem defendeu na guerra e que promoveu o desenvolvimento. A Capital foi a mãe desses municípios que vão do Acre até o Mato Grosso do Sul", explicou. 

 

Restauração: "preço que deve ser pago"

 

Conforme o arquiteto, com o passar dos dias em abandono, o preço a ser pago para a restauração do Centro Histórico de Cuiabá fica cada vez mais caro. Mas o valor "deve ser pago" para proporcionar renda e trabalho à população. 

 

O cuiabano precisa ter orgulho da sua história também. Tenho a impressão que, enquanto não vier alguém 'de fora' e falar que é bonito, nada será reconhecido

"O turismo é uma indústria que não polui e que traz muito dinheiro, além da cultura. É um recurso muito grande que está sendo desprezado e que poderia estar rendendo muito para a cidade como um todo", avaliou Josê Antônio Lemos. 

 

Ele usou como exemplo a Europa, que foi bombardeada durante a Segunda Guerra Mundial, mas que recebe pessoas de todo o mundo em busca de ver de perto os pontos turísticos. 

 

"O cuiabano precisa ter orgulho da sua história também. Tenho a impressão que, enquanto não vier alguém 'de fora' e falar que é bonito, nada será reconhecido. Muitas pessoas viajam para ver as mesmas coisas que temos aqui. Lá [fora] acham bonito, aqui é feito", criticou o arquiteto. 

 

Para José Antônio Lemos, caso os casarões continuem padecendo perante o descaso do Poder Público, parte do DNA da Capital será perdido. 

 

"Lugares como o Centro Histórico de Cuiabá são únicos. Eles são tombados nacionalmente exatamente por terem um valor para o Brasil inteiro. Se um desastre acontecer, é como se perdêssemos o nosso DNA, a nossa raiz", avaliou. 

 

Posicionamento do Iphan-MT

 

O Iphan-MT não informou quantos imóveis estão em situação de risco no Centro Histórico de Cuiabá atualmente. De acordo com a assessoria, um mapeamento da região está sendo realizado, a pedido no Ministério Público.  

 

O órgão ainda destacou que o tombamento federal é um instrumento que reconhece um bem como Patrimônio Cultural Brasileiro. Porém, a conservação desses locais, assim como uso e gestão, continua sendo dos proprietários. 

 

De acordo com o Iphan-MT os proprietários do casarão onde funcionava a Gráfica Pêpe foram autuados pelo grave estado de deterioração do imóvel. Conforme a nota, os donos do local alegaram que a recuperação seria verificada com os herdeiros. 

 

Leia a nota na íntegra: 

 

"Em janeiro deste ano, ocorreu o desabamento de grande parte de um imóvel da Rua Sete de Setembro, em Cuiabá (MT). Conhecido como Gráfica Pepe, o imóvel é de propriedade particular e integra o Conjunto Arquitetônico, Urbanístico e Paisagístico de Cuiabá, tombado pelo Iphan desde 1993.

 

Por essa razão, o Iphan tem acompanhado a situação do bem, inclusive por meio de uma rotina de fiscalizações realizada cotidianamente pela instituição em todo o conjunto protegido. No ano passado, os proprietários foram autuados pela instituição, devido ao grave estado de deterioração do bem e a constatação de diversas avarias em sua estrutura.

 

Na ocasião, os proprietários apresentaram uma defesa, alegando que seria verificado entre os herdeiros sobre a recuperação do imóvel.

 

Desde o momento do desabamento, o Iphan vem dando todo o apoio necessário e as orientações para as ações emergenciais junto ao bem. Todavia, é importante destacar que o tombamento federal é um instrumento que reconhece um bem como Patrimônio Cultural Brasileiro, ou seja, é um reconhecimento do Estado de que este bem tem relevância nacional. 

 

Contudo, a responsabilidade por sua conservação, uso e gestão continua sendo dos proprietários.

 

Isso vale para qualquer bem tombado, seja de uso público ou privado. O tombamento também não interfere nas competências institucionais de outras esferas, como as Prefeituras, Governos Estaduais e outras áreas do Governo Federal.

 

Sobre o levantamento da situação de risco dos imóveis do Centro Histórico, o Iphan está realizando um mapeamento da região, a pedido do Ministério Público."

 

Leia mais sobre o assunto: 

 

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Casarão Rua Pedro Celestino 24-04-2019

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Gráfica Pepe 24-04-19

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Casarões Históricos - Manifestação Cuiabá 300

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Casarão Beco do Candieiro

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Dejalma Macedo   05.05.19 15h33
Onde está o setor público municipal, estadual. Os políticos que não tem utilidade nenhuma em Brasília, não aparecem nem nas fotos na câmara e senado. Parece que escondem pela incapacidade de representar o Estado são os verdadeiros fantoches. O centro histórico vai se decompondo, caindo, se acabando toda arquitetura, nossa história a cultura de uma cidade de um povo vai desaparecendo. A Cuiabá que saudades de ti, das suas ruas e casarões coloniais. O centro histórico é tão pequeno para deixar acabar.
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Guilherme  05.05.19 14h14
Os mais ricos deste Estado (não diferentemente do resto da elite brasileira) não têm compromisso com a cultura; mesmo porque muitos nem são de MT, logo não se identificam com nada daqui, ao contrário, menosprezam os nativos e seus costumes, que julgam atrasados. No entanto, o eixo do pensamento e comportamento deles também não é nada moderno, remontando ao período colonial, limitado a explorar, ganhar dinheiro e acumular. Partindo dessa premissa "pré-histórica", para que investir nesses casarões, se é certo que não obterão um real de retorno? Desenvolvimento, educação e cultura nunca fez nem nunca fará parte da agenda da elite agrária do Brasil. Arquitetura então? Muitas vão cair ainda.
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