DÉBORA SIQUEIRA
DA REDAÇÃO
O sociólogo Francisco Xavier Freire Rodrigues, da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), é um estudioso da "paixão nacional": o futebol.
Em seu trabalho de mestrado, ele analisou a escolinha de formação de jogadores do clube de coração - o Internacional, de Porto Alegre (RS).
Na tese de doutorado, o assunto foi a Lei Pelé e o marco que ela trouxe para a relação de trabalho entre os clubes de futebol e jogadores.
Desta vez, ele recebeu recursos do Ministério dos Esportes e do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) para analisar o legado da Copa do Mundo em Cuiabá.
Para tanto, movimenta um time de pesquisadores e bolsistas da UFMT e da Unemat (Universidade Estadual de Mato Grosso); as pesquisas começaram neste ano.
Em entrevista exclusiva ao
MidiaNews, Rodrigues diz que
o futebol se consolidou como um dos principais elementos da nossa nacionalidade, da brasilidade.
Contudo, a Copa do Mundo é mais do que um megaevento esportivo. Segundo ele, o evento é utilizado como um instrumento político do Governo brasileiro para assegurar uma vaga no Conselho de Segurança da ONU.
E, até mesmo, para os partidos políticos usarem o sucesso ou fracasso do evento como bandeira de discurso para as eleições de 2014.
Neste cenário, o desempenho da Seleção Brasileira em campo, para o sociólogo, vai fazer toda a diferença.
"O título de hexacampeonato pode representar também a vitória de uma reeleição nas urnas", diz ele.
Confira a seguir os principais pontos da entrevista com o sociólogo Francisco Xavier Freire Rodrigues:MidiaNews – O senhor desenvolve estudo sobre investimentos e legado da Copa do Mundo. Por que decidiu estudar esse evento, em especial aqui em Cuiabá?
Francisco Xavier – A Copa do Mundo é um megaevento esportivo e entrou na agenda da Sociologia do Esporte aqui no Brasil. A questão dos investimentos da Copa tem muitos achismos, muitos mitos sobre os recursos que estão sendo investidos. As análises são muito enviesadas, muito ideológicas. Fala-se que vai tirar recursos da Saúde e da Educação para investir na realização do evento, mas ninguém vai investigar as origens desses investimentos e a quantidade.
Então, o trabalho do sociólogo é desnaturalizar a vida social, desmistificar o senso comum e contar a origem dos investimentos. Tenho projeto também financiado pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), que investiga o futebol entre os povos indígenas umutina [da região de Barra do Bugres], na área da sociologia e também da antropologia do esporte. A Copa do Mundo começou a me interessar a partir de 2009 e, por isso, virou meu tema de pesquisa.

"O nosso nacionalismo é muito frágil, por isso o futebol pegou carona nesse vácuo e se consolidou como um dos principais elementos da nossa nacionalidade, da brasilidade; nós não tivemos guerra da independência – guerras unem a população local em nome da nação"
MidiaNews – O senhor já realizou outros estudos sobre a Copa do Mundo em outros países, para efeito comparativo?
Francisco Xavier – Não. Antes, eu tinha pesquisado no meu mestrado as escolinhas de formação de jogadores. Eu estudei esse processo no Internacional de Porto Alegre (RS), quando estava na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, entre 2001 e 2003. Lá mesmo, continuei meus estudos e no meu doutorado, investiguei mais a Lei Pelé e quais foram os impactos, o que mudou no mercado de trabalho e o que de fato caracteriza essa lei que regulamenta as leis de trabalho no esporte brasileiro. Ela define o passe, o jogador passa a ter liberdade com o término do contrato. Ele não é mais objeto dos clubes, não é vendável, mas um trabalhador do livre. Essas eram as propostas da Lei Zico e da Lei Pelé.
MidiaNews – O Brasil ainda não tinha estudos sobre legado de megaeventos antes da Copa do Mundo? Ainda estamos na base dos achismos?
Francisco Xavier – Estudos nacionais não, mas isso era praticamente inexistente. O Ministério dos Esportes realizou seminário e trouxe vários teóricos e pesquisadores estrangeiros para nos orientar e mostrar como se deve estudar o legado. O que é um legado? Após isso, começou uma produção nacional. Isso foi um passo importante.
MidiaNews – O que, afinal, a Copa do Mundo vai trazer de legado para Cuiabá?
Francisco Xavier – Esse é um debate extremamente complexo porque as pessoas, os políticos e os movimentos sociais ou alguns governantes não entendem o conceito de legado, a herança, o que fica. Eu acho que os estudos sobre legados de megaeventos esportivos estimam demais os aspectos positivos e tendem a esconder os aspectos negativos. A nossa perspectiva é mostrar os dois lados.
Geralmente, uma cidade, quando se candidata a sediar um grande evento, tem a meta de se tornar conhecida internacionalmente. Uma cidade global e os legados são importantes para aceitação da população em torno dos investimentos, dessa preparação. Um exemplo citado é o de Barcelona [na Espanha, em 1992]. Lá, houve um legado, a modernização da cidade em decorrência da preparação das Olimpíadas.
Em termos proporcionais, Cuiabá é a cidade que mais recebeu investimentos em relação às outras sedes. Essa reestruturação urbana – apesar de algumas ficarem em andamento -, são os legados tangíveis. O estádio, as trincheiras, os centros de treinamento, são os que podemos ver. Há ainda os legados intangíveis, que não se podem medir, como as trocas culturais entre os turistas e a população local, o conhecimento gerado, os contatos.
MidiaNews – Em Cuiabá, guardadas as proporções, poderia ocorrer o mesmo que houve em Barcelona?
Francisco Xavier – Como Cuiabá tem uma aparência de uma cidade menor, interiorana, esses legados, essa reestruturação, vão dar um tom de modernidade na cidade. Os custos são elevados, de fato, mas é outra questão. No caso de Barcelona, a reestruturação foi maior, de áreas degradadas. Cuiabá não chega a esse patamar.
MidiaNews – Fora da questão da infraestrutura, o senhor vê outros legados?
Francisco Xavier – O estádio pode ser um legado ou elefante branco, mas os outros legados que podem ser interessantes são os intangíveis, essa experiência que a população local terá com os estrangeiros. E isso, certamente, o turismo vai se beneficiar, alunos da UFMT vão trabalhar como voluntários, haverá a troca cultural e o reconhecimento da cidade. Além de piadas, que as pessoas brincam muito a respeito de Cuiabá, tem também muita curiosidade por parte de quem vai vir. Os russos, por exemplo, têm sites que os orientam sobre o que fazer aqui em Cuiabá. Esse contato não tem custo. Isso é importante para o ser humano.
Débora Siqueira/MidiaNews
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Para pesquisador, a questão dos investimentos da Copa tem muitos achismos, muitos mitos sobre os recursos
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MidiaNews – Os legados dos megaeventos são proporcionais ao investimentos realizados?
Francisco Xavier – É uma pergunta difícil de responder. Certamente, não. A literatura internacional diz que se investe muito mais. Do ponto de vista econômico, sediar megaevento como Copa, Olimpíadas, sempre é deficitário. Você não consegue, a curto prazo, retirar dividendos dos eventos que você faz. Se gasta muito em publicidade e em obras. Mesmo teóricos internacionais, as universidades, não dispõem de recursos tecnológicos para medir isso.
Por exemplo: se um viaduto trará algum tipo de rendimento para a população, daqui a 25 anos. Que legado é esse? Geralmente, os governos investem muito, fazem muita propaganda. Quem mais tem retorno é o setor de turismo e o que menos tem retorno, por incrível que pareça, é o setor de esportes.
MidiaNews – O senhor já tem resultados sobre essa pesquisa e sobre que a Copa vai trazer para a Capital?
Francisco Xavier – Dados em termos econômicos e financeiros, ainda estamos levantado. Mas, em 2012, fizemos uma pesquisa com parte dos estudantes da UFMT sobre o que esperavam da Copa do Mundo e, na época, havia um equilíbrio das perspectivas. No inicio, a população local era bastante otimista em relação aos legados, as oportunidades da Copa do Mundo. Depois, em 2013, estourou uma série de movimentações políticas, que questionaram a Copa, e a população passou a ficar bastante precavida, pessimista. Mas, acho que ainda há momento de indefinição do que vai acontecer.
Nossas pesquisas têm fases, sobre o trabalho do poder público em preparar a cidade e depois identificar os legados, além dos culturais.
MidiaNews – Os cuiabanos já estão em clima de Copa do Mundo e ansiosos por essas trocas culturais?
Francisco Xavier – Já estão na expectativa, sim, principalmente os setores que vão lucrar com a Copa do Mundo, mas o cidadão local também tem essa curiosidade. Eu acho que o clima da Copa ainda não se instalou no Brasil, ou seja, a pátria ainda não calçou as chuteiras, para lembrar a pátria de chuteiras. Mas, acredito que, nos próximos meses, o clima da Copa vai chegar não só em Cuiabá, mas em todo país. As obras devem ser apressadas com a intensificação da mídia para que a adesão da população seja massiva.
A Fifa, como entidade, tem todas as estratégias publicitárias e governamentais para tentar esconder a dimensão econômica e mostrar a dimensão simbólica. Fazer com o que cuiabano se sinta brasileiro, tende exaltar a brasilidade e, ao mesmo tempo, exaltar a regionalidade. Esse clima ainda não se estabeleceu porque ainda estamos muito focados na dimensão econômica. Acho que isso está se construindo aos poucos. Mas, não depende só da Fifa ou da mídia, mas do rendimento da nossa seleção.
MidiaNews – A Seleção Brasileira ainda não encantou?
Francisco Xavier – Ela reconquistou a confiança do torcedor, mas acho que falta encaixe entre a Seleção Brasileira e a nacionalidade e a paixão nacional. Falta um pouco mais de confiança. Acho que, depois do primeiro jogo, esse encaixe será perfeito, em caso de vitória brasileira. Ainda falta esse clima maior, e essa autoconfiança começa em maio.

"A maioria esmagadora dos jogadores ganha pouco e não tem trabalho regular. Eles disputam campeonatos de três meses e passa boa parte do ano desempregados. Ninguém olha essa realidade. A nossa pesquisa do mestrado e doutorado analisa isso. Uns 700 jogadores ganham muito bem, estes são os milionários"
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MidiaNews – Em 1982 tínhamos uma seleção, cuja derrota na Copa, até hoje, não se explica pelo elenco de craques. A seleção do tetra de 1994 era desacreditada, mas, com a Copa, foi ganhando confiança dos brasileiros. Em 1998, havia expectativa de mais um título, porém veio derrota. O penta foi alcançado em 2002. Esse sentimento de nacionalismo pelo futebol depende de ídolos para ser construído, depende das vitórias, depende do quê?
Francisco Xavier – Na verdade, depende muito da liderança do treinador, dos ídolos, os jogadores. Mas não é só títulos, o elenco, é a trajetória recente da seleção que leva essa autoconfiança. No caso de 94, um ano antes, a seleção sofreu para se classificar em 2002. Se voltarmos à época do Telê [Santana], em 1982, era outra coisa. Era uma época de um futebol bonito chamado futebol-arte. A autoconfiança talvez tenha estragado a seleção brasileira da época. Mas, acho que essa confiança com desconfiança é que é importante porque oportuniza uma cobrança por parte dos torcedores e dos jogadores. A autoconfiança leva muitas vezes ao ‘salto alto’ e tem mostrado que quando o país vai assim para a Copa como 98, 2006, isso acaba relaxando demais e fatalmente leva à derrota.
MidiaNews – Por que o futebol, a Copa do Mundo, traz um sentimento de supremacia aos brasileiros? É uma forma de combater a ausência de autoestima em relação aos países mais ricos?
Francisco Xavier – Nós temos uma carência de educação cívica, de nacionalidade, de nacionalismo. Nas escolas, a gente não ensina o que é ser um cidadão brasileiro, não se respeitam os símbolos nacionais. O nosso nacionalismo é muito frágil, por isso o futebol pegou carona nesse vácuo e se consolidou como um dos principais elementos da nossa nacionalidade, da brasilidade.
Nós não tivemos guerra da independência – isso une a população local em nome da nação. O futebol é um esporte apaixonante e, num paíes com estrutura precária como a nossa, com as dimensões como o nosso, o futebol acabou como aglutinador da nossa nacionalidade.
Mais do que apaixonado por futebol, o brasileiro, sente necessidade de sentir-se como brasileiro e, em nenhum outro momento, sente essa união nacional. Temos uma baixa confiança nas instituições, com altos índices de corrupção, pobreza, escolas precárias. No momento do futebol, a gente esquece um pouco dessas mazelas e se torna brasileiro de fato. Em época de Copa do Mundo, as pessoas assistem futebol porque existe uma lógica simbólica do nacionalismo. Até mulheres e crianças, que bem sempre gostam de futebol, assistem aos jogos.
MidiaNews – O que essa Copa do Mundo tem de diferencial em relação as outras para ser alvo de estudo?
Francisco Xavier – Quando a gente participa de uma Copa do Mundo, a população se une em torno dessa nacionalidade. Nesse caso agora, é muito particular: estamos participando e organizando e o ônus disso vai pesar. Ainda não sabemos se haverá essa efervescência nacional e se todos os brasileiros se unirão de fato. Muitos devem ficar criticando e lembrando das dimensões econômicas. Será que vamos ter a pátria de chuteiras?
MidiaNews – A preparação do poder público para um megaevento deste está correspondendo?
Francisco Xavier– A gente sabe que a Copa do Mundo de 2014 é um projeto político do Governo brasileiro, especialmente do Governo Lula, que tenta, por meio desse megaevento, conquistar um assento no Conselho de Segurança da ONU. Mais do que uma jogada esportiva, é uma jogada política do Governo brasileiro. No caso, a Fifa é um organismo internacional, acima dos governos nacionais e ela de fato não obriga o país a sediar a Copa do Mundo. A gente sabe que a preparação está ocorrendo, mas o Governo deveria ter se preparado desde 2007, quando soube que ia sediar a Copa. O poder público deixou muito a desejar porque não iniciou logo as obras e favoreceu as construções sem licitação, as relações promíscuas entre empresas e políticos e quem tem lucrado bastante são as empresas.
Débora Siqueira/MidiaNews
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O esporte tem sido o carro-chefe da nova política externa brasileira, diz estudioso
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MidiaNews – Como a Copa do Mundo pode ajudar o Governo a conquistar uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU?
Francisco Xavier – A Copa do Mundo traz muita visibilidade e é uma forma de trazer o mundo para dentro do país e mostrá-lo aos chefes de Estado e à mídia internacional. O Brasil é grande, tem necessidades e já merece espaço na política internacional. Se você analisar os últimos anos, verá que a política externa do brasileiro tem sido muito agressiva e isso tem importância para o Brasil, ao deixar de ser um país submisso ou tentar entrar no cenário internacional com mais visibilidade.
A Copa do Mundo, os Jogos Panamericanos de 2007 e os Jogos Militares do Rio de Janeiro, as Olimpíadas do Rio de Janeiro em 2016, são ações do governo brasileiro no sentido de dar visibilidade ao país e criar um novo espaço do país no cenário internacional. O esporte tem sido carro-chefe da nova política externa brasileira.
MidiaNews – Houve mudança no imaginário coletivo com o advento da Copa?
Francisco Xavier – Esse imaginário, além de ser complexo, porque sempre são imaginários sociais e eles mudam conforme a classe social, a idade, religião, caso essas obras da Copa forem concluídas, muda para algo mais positivo. E, se as obras continuarem atrasadas e não ficarem prontas, esse imaginário sobre a Copa ficará mais negativo ou pessimista. Depende da conclusão das obras para mudança desse olhar, número de pessoas vão vir, o que esses estrangeiros vão gastar aqui, o desempenho da seleção... Se o Brasil ganhar a Copa, o brasileiro pode achar que valeu a pena. As pessoas agora têm muito pouco de consciência do que é uma Copa do Mundo.
MidiaNews – Houve mudança simbólica de Cuiabá? A Copa é um marco para uma nova era?
Francisco Xavier – Tem um teórico chamado Jonh Horne, que diz que quando uma cidade sedia megaeventos ela passa a ser uma cidade global e a ideia é cultivar uma cultura cosmopolita. De certa forma, a imagem de Cuiabá vai nesse sentido e não se sabe se vamos repassar essa imagem de cidade moderna. A Fifa tende a mostrar esses aspectos positivos, o que há mais de bonito. Não vai mostrar o Pedra 90, vai parar ali no Atacadão. Vão querer mostrar uma cidade padrão Fifa.
MidiaNews – Quando o brasileiro comemorou nas ruas, lá atrás, a realização da Copa do Mundo no Brasil, as pessoas não tinham noção do que ia acontecer?
Francisco Xavier – Não tinham. Até porque, na proposta do Governo brasileiro e da CBF, enviada a Fifa para ganhar essa eleição, dizia que basicamente os investimentos seriam realizados em parceria com a iniciativa privada, e que o dinheiro público não iria entrar na construção e na preparação das cidades. De certa forma, o povo foi enganado. Mas, mesmo se tivesse dito que os recursos para a realização da Copa seriam todos públicos, apenas uma pequena parcela iria reclamar. Não era momento do pessimismo, iriam comemorar. Está chegando a fatura agora e virá em parcelas bem maiores com o tempo. Montreal [no Canadá] quando sediou as Olimpíadas, depois de 30 anos, conseguiu pagar todos os investimentos feitos na cidade. Os governos, geralmente, se endividam.

"Jogadores de várzea não interessam mais ao futebol espetáculo, para a indústria. O corpo dele, a mente, é produzida dentro da indústria do esporte. São poucos os casos exemplares de jogadores que saíram da várzea para o futebol profissional"
MidiaNews – Na Copa das Confederações, em 2013, houve muitas manifestações no entorno dos estádios. O senhor acha que a Copa do Mundo do Brasil pode ser a "Copa das manifestações"?
Francisco Xavier – Acredito que sim, que as manifestações vão voltar. Elas devem retomar porque muitas obras vão ficar incompletas, foram tiradas da prioridade e coincidiram com eleição. Os partidos de radicais de esquerda e parte da oposição, da direita, vão utilizar-se política e ideologicamente para fazer críticas ao Governo. Da mesma forma que o Governo se utiliza da Copa do Mundo, da seleção, como propaganda ideológica, partidos também vão aproveitar o momento da Copa para mostrar suas bandeiras com viés da crítica mesmo.
Esse nacionalismo do futebol vai ser mais frágil dessa vez e os partidos vão utilizar-se dessa reunião de pessoas para se manifestar.
MidiaNews – O senhor está coordenando estudos de mestrado sobre a Copa do Mundo. O que eles trazem de novidade para a academia?
Francisco Xavier – São dois estudos mais específicos. Um sobre as tentativas de se mostrar aspectos positivos da cidade, uma agenda da cidade, as transformações culturais em relação à Copa do Mundo. Outro vai tentar relacionar dois tipos de identidade: a regional e a nacional, a partir da Copa do Mundo. Acho que vai trazer uma contribuição para o debate acadêmico. Acho que essas dissertações são importantes por falta de produções sobre essas áreas, mas são teses ainda em andamento.
MidiaNews – A sua tese de mestrado foi sobre as escolinhas de futebol do Internacional. Como o senhor analisa o fato de pais apostarem no talento dos filhos para ter ascensão social?
Francisco Xavier – O futebol, no Brasil, é visto como mecanismo de ascensão social fácil. Em tese, em que o indivíduo deve ter talento para se tornar um ídolo esportivo e ganhar muito dinheiro. Mas, não é fácil. O futebol passou a se tornar um projeto de vida da família, não é só da criança, mas muitos brasileiros que pretendem, ao se tornarem profissionais, ganhar muito dinheiro e fazer o que gosta. É mais fácil ir para uma escolinha de futebol e ficar próximo do seu ídolo do que ficar 15 anos estudando para ter um emprego com salário razoável. As expectativas que as famílias têm é muito grande.
Quando eu estava no Internacional, via esposas de deputados levando os filhos para a escolinha. É um projeto de vida. Imagina a família descobrir que tem um talento na família, não como Neymar, mas que vá render em um clube e ter salário de R$ 60 mil ou R$ 300 mil...
Todos da família se beneficiam. Jogadores que saíram do país como o Huck ajudaram a melhorar a vida de todos da família e até a imagem da cidade pobre que viveram.
MidiaNews – Tudo em nome dos altos salários?
Francisco Xavier – É uma minoria que ganha bem. Se você pegar dados estatísticos, o salário de um jogador de futebol no país não é maior do que um salário de professor. Se você pegar 90% dos 20 mil atletas profissionais, cerca de 17% destes ganham entre um a três salários mínimos. Pegue os dados do CBF e analise. São poucos os que ganham bem, é uma elite especialmente os da primeira divisão, os que são valorizados e ganham acima de R$ 10 mil.
A maioria esmagadora dos jogadores ganha pouco e não tem trabalho regular. Eles disputam campeonatos de três meses e passa boa parte do ano desempregados. Ninguém olha essa realidade. A nossa pesquisa do mestrado e doutorado analisa isso. Uns 700 jogadores ganham muito bem, estes são os milionários. A mídia mostra os casos de sucesso, dificilmente você vai ver os casos de fracassos.
MidiaNews – É difícil se tornar um jogador profissional?
Francisco Xavier – O antropólogo carioca Arlei Damo fez um estudo quantitativo e mostrou que é mais difícil se tornar um jogador profissional no Grêmio ou no Internacional do que o estudante de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. A concorrência é maior e o processo de seleção é frequente. Dos cerca de 5 mil atletas que passaram pela escolinha do Vasco da Gama, no Rio de Janeiro, entre 2001 e 2005, menos de cinco se tornaram profissionais e os outros foram deixados de lado.
A todo o tempo, os atletas são selecionados, o processo é muito grande para chegar nos profissionais e se chegar aos 18 anos e não conseguiu perdeu a chance de ser atleta profissional e também de atuar em outra área, no momento de chegar a universidade porque dedicou a sua vida ao futebol. Eles entram nas escolinhas aos 10 anos. Eles só não param de estudar porque a Lei Pelé estipula isso para não criar vínculo. Os clubes mantêm convênio com supletivos para ter uma escola aos atletas e manter legalidade com os Ministérios da Educação e dos Esportes, mas isso começou a partir dos anos 2000.

"O Governo deveria ter se preparado desde 2007, quando soube que ia sediar a Copa. O poder público deixou muito a desejar porque não iniciou logo as obras e favoreceu as construções sem licitação, as relações promíscuas entre empresas e políticos"
MidiaNews – O futebol de várzea, que revelou tantos talentos, não tem mais espaço hoje em dia?
Francisco Xavier – Não. Hoje. na verdade, esses jogadores de várzea não interessam mais ao futebol espetáculo, para a indústria. O corpo dele, a mente dele é produzida dentro da indústria do esporte. São poucos os casos exemplares de jogadores que saíram da várzea para o futebol profissional.
Quando fiz minha pesquisa de 1997 a 2001, no Internacional, apenas um tinha saído da várzea, o Fabiano, mas era muito indisciplinado. Um dos poucos casos é o Leandro Damião, que hoje está no Santos. Mas, você percebe que, do ponto de vista tático, é um analfabeto futebolístico.
O varzeano tem dificuldade em dominar a bola porque ele não aprendeu na escolinha com os professores, ele não treinava de manhã e de tarde. Ele aprendeu se divertindo ou para ganhar uns trocados.
MidiaNews – O senhor torce para que time?
Francisco – Eu torço pelo Internacional.