Cuiabá, Segunda-Feira, 8 de Dezembro de 2025
SEM CRÍTICA SOCIAL
24.05.2015 | 07h30 Tamanho do texto A- A+

“O humor perdeu o sentido político e ridiculariza as pessoas"

Ator Ivan Belém diz que falta incentivo à Cultura, lembra de Liu Arruda como "icone" e exalta o humor "Tchapa e Cruz"

Bruno Cidade/MidiaNews

O ator cuiabano Ivan Belém, que acredita que o humor perdeu um pouco da

O ator cuiabano Ivan Belém, que acredita que o humor perdeu um pouco da "crítica social"

CAMILA RIBEIRO
DA REDAÇÃO
“O humor, hoje, está indo por um um caminho em que ridiculariza as pessoas, diminui, humilha... Ele perdeu um pouco seu sentido político, seu sentido crítico”. A avaliação é do criador do primeiro teatro de rua de Mato Grosso - o "Gambiarra" - e doutor em Educação, o ator cuiabano Ivan Belém.

Em entrevista exclusiva ao MidiaNews, o artista fez algumas críticas em relação ao atual estágio em que atores desenvolvem essa arte.

Para Ivan, principalmente na televisão, o humor tem sido utilizado muito mais como forma de atentar contra os direitos individuais do que no sentido de fazer uma crítica social, tal como ocorria antigamente.

Saudosista, ele se recordou da década de 80, classificada como a "época da efervescência do teatro cuiabano" e na qual ele atuou com destaque, tornando-se um dos atores mais populares do Estado.

"O humor, hoje, está indo para um caminho de ridicularizar as pessoas, de diminuir, de humilhar. Ele perdeu um pouco seu sentido político, seu sentido crítico"

“Esse foi um período muito fértil. No campo teatral, o Grupo Gambiarra ocupou todos os espaços. Das salas de teatro tradicionais aos espaços alternativos, como as praças, ruas, boates, intervenções em movimentos de reivindicação, intervenções em greve. Enfim, era um ato muito político”, afirmou.

E por falar em política, Ivan Belém disse que o teatro sempre “bebeu dessa fonte”, sabendo apropriar-se dela de forma inteligente e com muita perspicácia, especialmente para cumprir seu papel crítico diante da sociedade.

“Usamos o humor para satirizar os políticos, para criticar os políticos. As coisas ditas por meio do humor causam um impacto muito maior do que se você se utilizar de outros 'suportes'. Como, por exemplo, escrever um artigo. No humor, as coisas repercutem de uma forma mais intensa”, afirmou.

Na entrevista, Ivan Belém fez questão de destacar outro grande nome da cultura local, o ator Liu Arrruda, que faleceu em outubro de 1999 e que foi um de seus grandes parceiros de palco.

“Atuar com o Liu foi uma experiência enriquecedora, importantíssima para mim e que vou levar para a vida toda”, disse.

E, ao falar do grande amigo, Belém disse ter a certeza de que, se ainda estivesse vivo, Liu teria hoje, em Cuiabá, um "prato cheio" para suas piadas.

“Ele estaria debochando tanto disso aqui... E ele já teria desenvolvido tantas e tantas piadas. Porque esse cenário na nossa cidade está perfeito para o humor, para a crítica. Hoje, meu Deus do céu, a gente olha ao nosso redor e nem acredita naquilo que vê. Isto aqui seria um prato cheio para o humor de Liu Arruda”, disse ele, ao se referir, por exemplo, às inacabadas obras da Copa do Mundo de 2014.

Por fim, ele também observou ter a certeza de que o teatro é uma arte que vai existir para o resto da vida.

“Já ‘mataram’ o teatro tantas vezes e o teatro sobrevive. O teatro é inerente à condição humana e àrte em geral. Historicamente, o teatro sempre fez isso e não vai ser agora que ele irá se furtar a essa tarefa. É algo que irá se perpetuar sempre. A arte é uma necessidade humana vital, tanto quanto comer, beber e fazer amor”, completou.

Confira os principais trechos da entrevista:

Bruno Cidade/MidiaNews

"A década de 80 foi um período fértil para as artes em geral"

MidiaNews: A década de 80 representou a efervescência da do teatro cuiabano. Há relatos de que, neste período, o teatro ocupou, além das ruas, os espaços públicos. Como foi essa época e o que esse período representou para o teatro cuiabano e mato-grossense?

Ivan Belém:
Esse foi um período muito fértil das artes em geral. O órgão que congregou esses artistas, esses movimentos, foi o Departamento de Cultura e Turismo, que hoje é a Secretaria de Cultura Cuiabá. À época, era dirigido pela professora Terezinha de Jesus Arruda. A Casa da Cultura era o ponto da efervescência, era uma referência da cultura local. No campo teatral, o Grupo Gambiarra ocupou todos os espaços, das salas de teatro tradicionais aos espaços alternativos, como as praças, ruas, boates, intervenções em movimentos de reivindicação, intervenções em greve. Enfim, era um ato muito político. Era um momento em que o Brasil estava retomando a democracia, era uma fase de transição e havia um espaço para a liberdade. As pessoas estavam podendo se expressar e se manifestar mais. Embora, no começo, ainda houvesse a censura.

MidiaNews: O humor, naquela época, então, influenciou vários setores da sociedade, como a política, por exemplo?

Ivan Belém:
Sim, o humor sempre bebeu na fonte política. E o humor só sobrevive onde há liberdade e, havendo liberdade, como nesse período da década de 80, quando o Brasil estava redescobrindo a democracia, nada mais oportuno que o humor se apropriar disso. E foi o que nós fizemos com o grupo Gambiarra. Usamos o humor para satirizar os políticos, para criticar os políticos, criticar a sociedade.

MidiaNews: Nessa época, os políticos e a sociedade, de uma maneira geral, respeitavam o humor que o Grupo Gambiarra, que vocês atores faziam? Como era essa aceitação?

Ivan Belém:
A população sim, a população gostava, nos apoiava, nos prestigiava. Mas os políticos, certamente, não gostavam, mas tinham que aceitar. Porque era uma crítica que a gente estava fazendo e a gente tinha liberdade para fazer isso. Tínhamos também o direito de nos expressar, então, eles tinham que aceitar. Mas, causava muita polêmica.

MidiaNews: O senhor chegou a presenciar ou sofrer algum tipo de censura da parte de algum político, em decorrência de algo que tenha dito nos palcos?

Ivan Belém:
Não, especificamente. Mas, uma vez, certo candidato a vereador – que eu nem cito nome – foi alvo de uma sátira que fizemos e ele foi até a Justiça e nós recebemos uma notificação. Eu, Liu (Arruda) e Meire (Pedroso) recebemos a notificação para que não fizéssemos mais essa sátira dele. Foi o único episódio dessa natureza.

"Sim, o humor sempre bebeu na fonte política. Usamos o humor para satirizar os políticos, para criticar os políticos, criticar a sociedade"

MidiaNews: Como foi essa situação? Era algo bastante crítico? Qual era a característica dessa sátira?

Ivan Belém:
Ela usava muito o deboche, o escracho. Essa era a nossa “arma”. Trabalhávamos com a distorção da sociedade, para provocar o riso e criticá-lo.

MidiaNews: A história nos conta que esse período também representou a sobrevivência emocional e cultural da cuiabania. O chamado teatro de “Tchapa e Cruz” teria sido uma ferramenta utilizada por vocês atores para “driblar” algo que vinha ocorrendo, quando imigrantes estavam, de certa forma, denegrindo a nossa cultura. De que forma esse teatro “Tchapa e Cruz” contribuiu para modificar esse cenário?

Ivan Belém:
Nós trouxemos o sotaque cuiabano, a nossa linguagem, o nosso jeito de ser, enfim, as nossas especificidades, as levamos às cenas, nossas características foram para o palco. Ou seja, o cuiabano passou a se ver no palco, depois na televisão – com a comadre Nhara, personagem de Liu Arruda e que foi garota propaganda de uma grande loja de supermercados. Então, quer dizer, o cuiabano passou a perceber que ele não era inferior ao outro. Era diferente, não era nem melhor, nem pior, apenas diferente e tinha esse direito de ser diferente.

MidiaNews: Isso serviu para elevar a autoestima da população?

Ivan Belém:
Com certeza, pois, à época, era dito ao cuiabano que, por ele não ter o sotaque da Rede Globo, então o sotaque dele era feio. Era dito que ele tinha que se homogeneizar, falar igual à mocinha das novelas e a gente fala bem diferente de tudo isso. E nós, naquele momento, falamos para o cuiabano: 'Você não pior que o outro, você é diferente. Você é resultado da contribuição de seus antepassados que construíram a história dessa cidade e deste Estado”.

MidiaNews: O senhor acredita que essa mensagem que vocês passaram conseguiu fazer esse resgate na autoestima na população local?

Ivan Belém:
Não tenho dúvida que sim. Acho que o cuiabano passou a sentir orgulho de ser cuiabano, ele sentiu orgulho de ser diferente, entendeu que ele é resultado de quase 300 anos de história. Então, o cuiabano já sabe e tem consciência do seu valor. Sabe da sua contribuição à cultura nacional.

Reprodução

Ivan Belém (à dir.) atuando ao lado do grande amigo Liu Arruda

MidiaNews: Falando um pouco mais sobre sua atuação nos palcos, há relatos de que o senhor e Liu Arruda tinham uma química muito grande nas apresentações, nessa parceria nos palcos, na vida. Prova disso também é a tese de doutorado que o senhor defendeu recentemente e que teve como tema o ator. O que poderia relatar sobre essa experiência ao lado de Liu Arruda?

Ivan Belém:
Foi uma experiência enriquecedora, importantíssima para mim e que vou levar para a vida toda. Liu foi um marco na história do teatro mato-grossense. E quero ressaltar também que, quando me referi a Liu Arruda, não estou falando dele como pessoa isolada, estou falando de Liu Arruda a partir de uma comunidade na qual ele estava inserido e na qual ele estabeleceu trocas.
 
Foi um aprendizado de ambas as partes. Então, Liu foi um ícone de um movimento artístico e cultural. As lutas de Liu, as reivindicações dele eram comuns ao seu grupo, eram comuns a mim, ao Grupo Gambiarra. Enfim, a uma gama de artistas e intelectuais mato-grossenses com o qual a gente relacionava e do qual acabamos nos tornando porta-vozes.

MidiaNews: Como descreveria a figura do Liu Arruda? Como ele era como pessoa e como ator?

Ivan Belém:
Liu Arruda era uma pessoa, sobretudo, inteligentíssima, antenada. Como pessoa, ele tinha momentos de extrema alegria, mas tinha seus momentos de indignação, de revolta. Momentos em que ele era divertidíssimo, mas momentos que ele também era super mal-humorado. Mas nós sempre convivemos bem, um respeitando as diferenças do outro.

MidiaNews: Ele era uma pessoa respeitada pela sociedade, pela opinião pública?

Ivan Belém:
Respeitado, não sei se ele foi naquele momento. Mas temido ele foi. Eu acho que as pessoas temiam o que Liu Arruda poderia dizer delas, pois o que se diz por meio do teatro, por meio do humor, causa um impacto muito maior do que se você se utilizar de outros “suportes” como, por exemplo, escrever um artigo. No humor, as coisas repercutem de uma forma mais intensa.

MidiaNews: Se o Liu estivesse vivo, o que o senhor acredita que ele estaria falando, por exemplo, sobre essas obras da Copa, sobre nosso momento político?

Ivan Belém:
Nossa senhora! Ele estaria tecendo sérias críticas. Digo sérias, mas com muito humor, pois o humor também é sério. Ele estaria debochando tanto disso aqui, ele já teria desenvolvido tantas e tantas piadas.

Porque esse cenário na nossa cidade está perfeito para o humor, para a crítica. Hoje, meu Deus do céu, a gente olha ao nosso redor e nem acredita naquilo que vê. Isto aqui seria um prato cheio para o humor de Liu Arruda.

MidiaNews: O senhor ressaltou que Liu chegou a fazer propaganda de uma rede de supermercados. Alguns personagens do humor foram associados a produtos midiáticos, qual foi a importância disso?

"Esse cenário na nossa cidade está perfeito para o humor, para a crítica. Hoje, meu Deus do céu, a gente olha ao nosso redor e nem acredita naquilo que vê. Isto aqui seria um prato cheio para o humor de Liu Arruda"

Ivan Belém:
Foi importante para que o próprio cuiabano se visse na televisão, para que ele conseguisse se reconhecer sendo representado na TV. Pois a produção que a gente consumia era tudo aquilo que vinha de São Paulo, do Rio de Janeiro, dos grandes centros e, de repente, começou uma produção local. E eu acredito que esses personagens de Liu que foram para a TV, primeiramente foram para as ruas, paras as casas noturnas e depois para o teatro e para a televisão. Isso, para os artistas locais, foi muito importante também, pois eles perceberam que também podiam fazer sucesso. Porque, até então, santo de casa não fazia milagre. O que fazia milagres eram as peças que vinham do Rio de Janeiro e de São Paulo e que eram as chamadas peças “caça-níqueis” e que não tinham nenhum conteúdo, nenhum conceito artístico, era somente para ganhar dinheiro. Traziam o galã da novela das 20 horas, vinha pra cá e “bombava”.

Isso mudou. Lembro-me que, certa vez, veio pra cá uma grande artista brasileira para fazer um espetáculo no mesmo dia em que Liu iria se apresentar. Depois, ficamos sabendo que, no espetáculo da atriz famoso, o público preencheu metade da casa, enquanto que o de Liu a casa estava lotada.

MidiaNews: Podemos dizer, então, que as pessoas também passaram a optar por acompanhar o teatro local, os artistas da terra, em detrimento das grandes peças vinda de fora?

Ivan Belém:
Sim, pois, muitas vezes, essas peças não tinham qualquer sentido para nós. Não nos diziam nada. O que nós queríamos e ainda queremos é ouvir falar de nós mesmos, das coisas que nos dizem respeito, das coisas que nos são afetas.

MidiaNews: Qual foi o legado que Liu Arruda deixou para o chamado teatro “Tchapa e Cruz”, para o teatro e a arte cuiabana em geral?

Ivan Belém:
Acho que, principalmente, o respeito ao outro, o respeito às diferenças, o respeito à nossa história e saber também que o teatro é o momento de congraçamento, momento em que as pessoas se reúnem. O teatro é lazer, é brincadeira, é festa. Mas teatro também é crítica, é a problematização, a discussão, conflitos.

MidiaNews: O que a morte de Liu Arruda significou para o teatro cuiabano, para a cultura mato-grossense?

Ivan Belém:
Foi uma grande perda, porque o Liu morreu muito jovem, tinha ainda muito a dar. Liu teria dado grandes contribuições, além daquelas que ele deixou para a sociedade, para o movimento artístico.

Eu digo, por outro lado, que o Liu não morreu, quem não o conheceu já ouviu falar dele, já ouviu alguma piada feita por ele. Liu Arruda pode ser acessado pelas redes sociais. Virou toque de celular, tem vídeos circulando por aí com frases características dele. Até mesmo, aquele vídeo dos Simpsons que se popularizou e cujos personagens têm as vozes dos personagens de Liu. Acho ótimo esse vídeo, gosto muito. Enfim, muitos atores estão se inspirando em Liu Arruda, alguns até copiando.

MidiaNews: Isso também é importante para manter e perpetuar toda a história de Liu Arruda?

Ivan Belém:
Copiar, eu não diria. Acredito que ninguém parte de um trabalho a partir do zero, você parte inspirado em alguém e, depois, você passa a acrescentar elementos seus, elementos próprios. Para dar sua identidade a seu trabalho. Acredito que as pessoas poderiam ter feito uma releitura.

MidiaNews: Hoje, há alguns atores que usam também esse linguajar cuiabano como característica principal de seus personagens. São os casos de Nico e Lau, Totó Bodega, Comadre Pitú... Qual a importância desses personagens?

Ivan Belém:
São personagens queridíssimos da população cuiabana e que bebem da mesma fonte que nós bebemos. Antes de mim e de Liu, outros artistas também beberam da mesma fonte, como Luiz Carlo Ribeiro, Lúcio Palma... Mas o importante é que cada um de nós, citados aqui, fez sua própria releitura, que é a nossa cultura, nossa raiz, nossa identidade. Agora, cada um de nós deu sua própria interpretação, criamos uma identidade.

Bruno Cidade/MidiaNews

Belém acredita que o humor hoje, principalmente na televisão, é muito depreciativo

MidiaNews: Falando um pouco sobre aquela questão do humor feito de uma forma mais ácida, de forma crítica, essas características se perderam ao longo do tempo?

Ivan Belém:
Ainda encontramos um pouco disso. Mas, o humor, hoje, ele está indo para um caminho de ridicularizar as pessoas, de diminuir, de humilhar as pessoas. Ele perde um pouco seu sentido político, seu sentido crítico.

MidiaNews: Faz-se hoje um humor somente por fazer, sem pensar nesse papel crítico que o teatro também é capaz de exercer?

Ivan Belém:
Acredito que sim, acho que o humor, hoje, principalmente na televisão, é aquele humor que deprecia a pessoa, que humilha, que atenta contra os direitos individuais. Não é aquele humor feito no sentido de fazer uma crítica social, de fazer algo novo.

MidiaNews: De que forma isso é prejudicial à cultura, ao teatro?

Ivan Belém
: Acho que isso dificulta a construção de uma sociedade mais justa, mais fraterna e mais solidária.

MidiaNews: Ainda é possível resgatar aquele papel de transformação social que o teatro exercia lá atrás?

Ivan Belém:
Sim, ainda temos humoristas que fazem isso hoje. Ainda temos herdeiros desse humor, pois esse humor não morre. Ele se transforma, se readapta, mas morrer ele não morre. E isso é histórico, esse humor ele vem de tempos imemoriais e permanece ainda hoje e vai permanecer ad eternum.

MidiaNews: Teria alguma nome, seja local ou nacional, de um humorista, um ator que faz esse tipo de humor crítico e que o senhor acha importante?

Ivan Belém:
Apesar das críticas que eu faço a ele, acredito que o Jô Soares ainda faça um humor assim. Mas, sem dúvida, Chico Anysio foi um dos mestres desse tipo de humor.

"Como diz Augusto Boal, o teatro é uma arma e nós artistas principalmente, sabemos disso. E é através dessa arma que nós dizemos muitas coisas"

MidiaNews: Na tese de doutorado do senhor, também foi trabalhada essa questão de o teatro ser capaz de promover essa questão da transformação social. Isso continua sendo feito? Vai se perpetuar?

Ivan Belém:
Acho que sim. Como diz Augusto Boal, o teatro é uma arma e nós artistas principalmente, sabemos disso. E é através dessa arma que nós dizemos muitas coisas. Através dele, a gente consome ideologias. Os grupos de teatro que estão atuando e que não optaram pelo caminho comercial, eles fazem um teatro crítico, de intervenção social, de comprometimento, de envolvimento da sociedade.

MidiaNews: Essas questões que existem hoje, do “politicamente correto”, elas são prejudiciais ao humor, até que ponto isso prejudica a arte de vocês?

Ivan Belém:
Acho que é prejudicial sim. Neste momento, existe na sociedade um avanço das forças conservadoras, tudo é proibido, nada se pode fazer, nada se pode falar, há um patrulha. Tanto que chega a ser asqueroso e isso prejudica sim o humor, prejudica a liberdade. Há coisas que não são prejudiciais à democracia.  Agora, esse patrulhamento prejudica a democracia e o humor precisa ter esse chão, esse espaço para ele se colocar. Há que se ter espaço para o riso.

MidiaNews: Esse patrulhamento seria exatamente o quê? Algum tipo de censura da parte política? Por quem ele é feito, de que forma ele ocorre?

Ivan Belém:
Alguns setores da sociedade, principalmente os fanáticos de todas as ordens. O pior de tudo isso é que esses fanáticos de todas as ordens estão também com representação na Câmara, nos deputados, no Senado e acabam ditando regras, criando normas que tentam nortear toda uma sociedade. Isso é temeroso.

MidiaNews: O teatro, a inteligência e a perspicácia dos atores envolvidos nessa arte podem “driblar” esse tipo de patrulhamento?

Ivan Belém:
Sim, nós já driblamos a ditadura militar. Tenho certeza que vamos tirar isso de letra. O teatro sobreviveu sempre em momentos de grandes adversidades. Então, quer dizer, agora não será diferente.

O teatro é uma arte que vai existir para o resto da vida. Já “mataram” o teatro tantas vezes e o teatro sobrevive, o teatro é inerente à condição humana e a arte em geral.

"O teatro é uma arte que vai existir para o resto da vida. Já “mataram” o teatro tantas vezes e o teatro sobrevive, o teatro é inerente à condição humana e à arte em geral"

MidiaNews: Como criador do primeiro teatro de rua de Mato Grosso - o Gambiarra -, como o senhor avalia a produção teatral de forma geral, em Cuiabá e no Estado?

Ivan Belém:
Acho que Cuiabá tem uma produção teatral bastante forte, tem muitos grupos de teatro, bastante gente jovem fazendo teatro. Eu gosto e respeito muito a diversidade, então, eu vejo que há aí um nível muito grande de diversidade. Há grupos e apresentações de teatro para todos os gostos. Isso é muito bom, conviver com a diversidade é muito enriquecedor para todo mundo.

MidiaNews: O teatro cuiabano, o teatro local pode perder a identidade construída ao longo do tempo?

Ivan Belém:
Acho que perder a identidade não, até porque nós temos várias identidades e isso também vaio sendo construído paulatinamente, com o tempo e acredito que estamos no caminho de construir uma identidade muito peculiar. O teatro de Cuiabá tem umas especificidades que é muito nossa.

MidiaNews: Além do próprio linguajar, quais seriam as demais características?

Ivan Belém:
Além do linguajar, que é uma marca muito evidente nossa, há essa questão do teatro cuiabano de ele ser de brincar, de olhar no olho, de tocar, de chamar pelo nome. Isso, esse corpo a corpo é muito nosso. É a cara de Cuiabá.

MidiaNews: Existe estimulo para o teatro local? Como o setor sobrevive atualmente?

Ivan Belém:
Sobrevive à duras penas, estímulo não há. Não há política que dê um suporte para esses grupos, acredito que deveria ter muito mais incentivo aos artistas. Não há espaço, por exemplo, hoje não há espaço para você vender o seu produto teatral.

A gente fazia muito teatro em bares, estamos retomando essa cultura. Inclusive, agora no mês de junho, vamos começar uma temporada no Essência Cuiabana, às terças-feiras, que é um bar. Em 18 de junho, vamos fazer no Espaço Magnólia. Mas as casas noturnas, por exemplo, não estão abertas mais para o humor. O que antigamente era muito comum. Eu e Liu circulávamos por dezenas de casas noturnas de Cuiabá e com absoluto sucesso. O povo cuiabano quer ver artistas locais, quem vem de fora quer ver também, mas hoje isso não acontece. Fora que o poder público também deixa muito a desejar.

Bruno Cidade/MidiaNews

O ator afirma que, atualmente, falta espaço e estímulo ao teatro local

MidiaNews: A principal dificuldade é a falta de espaço para que os atores se aproximem de seu público?

Ivan Belém:
Exatamente. Falta espaço, mas também faltam o incentivo, estímulo, cursos, oficinas. Isso tudo é muito raro.

MidiaNews: A questão financeira também é um problema?

Ivan Belém:
Problema sério. Historicamente, isso sempre foi um problema, ainda mais em um momento de crise, os primeiros cortes quem sofre é sempre a Cultura.

MidiaNews: Temos um espaço aqui na cidade, que é o Cine Teatro, que está fechado. Isso traz algum impacto para o teatro local?

Ivan Belém:
Acho que prejudica as grandes companhias. No meu caso, nunca interferiu em nada, não alterou em nada na minha vida de artista, pois eu nunca tive acesso ao Cine Teatro, pois não tenho dinheiro para pagar uma temporada lá, que é caríssima.

MidiaNews: O Governo, por meio da Secretaria de Estado de Cultura, a secretaria do município, deveria abrir estes espaços para que os atores pudessem aproveitar mais destes locais e levar a cultura, o trabalho de vocês a um número maior de pessoas?

Ivan Belém:
Acredito que sim. Eu entendo, por exemplo, que o Cine Teatro tem um custo de manutenção muito alto, mas esse custo não pode sair do artista, ele tem que sair de algum fundo, de algum outro lugar. Quem administra o Estado, o município é que tem que resolver. O custo é alto? É. Mas por isso não vamos ter acesso a esse espaço? Quer dizer, tem que procurar um mecanismo de facilitar que os artistas também penetrem nesses espaços.

MidiaNews: Nas apresentações, quais os espaços que vocês artistas locais costumam ocupar?

"O teatro é algo que irá se perpetuar sempre. A arte é uma necessidade humana vital, tanto quanto comer, beber e fazer amor"

Ivan Belém:
É difícil falar um espaço, pois não há uma política de continuidade. A gente faz um aqui hoje, amanhã em outro lugar, vai “cavucando” um aqui, outro ali, ainda não há uma política que defina isso. Aonde vamos encontrando espaço, nós vamos apresentando.

MidiaNews: O que nós podemos esperar do teatro cuiabano daqui pra frente? Quais as perspectivas que o senhor tem?

Ivan Belém:
Nós estamos diante de mais um desafio, estamos vivendo momentos novos, mas acredito que a arte tem o poder de se superar, de responder às inquietações de seu tempo. Historicamente, o teatro sempre fez isso e não vai ser agora que ele irá se furtar a essa tarefa. É algo que irá se perpetuar sempre. A arte é uma necessidade humana vital, tanto quanto comer, beber e fazer amor.

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Luiz Antônio Pagot  29.05.15 14h45
Parabéns pela reportagem e por trazer melhores informações sobre esta nobre figura Sr Ivan Belém e seu imenso trabalho.Pagot.
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Jonice Nunes   28.05.15 09h20
Ivan é mesmo "o cara" do humor, da educação, da cultura e da história teatral cuiabana. Suas palavras calam em quem ama todas essas coisas também. Pena que tão poucos pensem assim. Parabéns Ivan por sempre se esforçar tanto para manter viva a nossa história!
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Herak Xavier  24.05.15 23h30
- Eu o conheço de criança e sei da sua luta incansável pela nossa cultura, sei também, que a sua luta não nunca foi e contínua não sendo fácil, pois quase que invariavelmente o principal patrocinador são os recursos próprios e, por isso,você está de parabéns pela sua luta e pela bela entrevista. Continue assim!
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lana  24.05.15 10h04
Parabéns Dr. Ivan,boas e verdadeiras lembranças.
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