O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ao completar 35 anos em julho de 2025, deveria ser um símbolo de nossa evolução como sociedade. Fruto da Constituição de 1988, ele reconheceu crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, não como meras propriedades da família ou do Estado.
Como pai e cidadão, entendo que a defesa desses direitos é um dever inegociável, pois a exposição e a vitimização de crianças e adolescentes podem acontecer com qualquer um de nossos filhos. É por isso que precisamos agir.
QUANDO A LEI PROTEGE, MAS O PODER EXPÕE
Seria razoável esperar que, passadas mais de três décadas, as autoridades públicas se tornassem as principais guardiãs desses princípios. No entanto, o que vemos em estados como Mato Grosso e Rio Grande do Norte é o oposto: a lei que deveria proteger, em alguns casos, parece ser ignorada ou não é observada de forma adequada.
Segundo divulgado pela imprensa, em Cuiabá, por exemplo, uma autoridade municipal, foi associada a um episódio em que expôs adolescentes de uma escola estadual em uma situação constrangedora e vexatória. Embora algumas imagens tenham sido desfocadas, a identificação das jovens era possível dentro da comunidade escolar, expondo-as ao risco de bullying e danos psicológicos.
A Lei nº 8.069/1990 é cristalina: o Art. 17 garante a preservação da imagem, o Art. 18 impõe o dever de proteger contra qualquer tratamento vexatório, e o Art. 232 prevê pena de detenção para quem submete menores a constrangimento.
ECA, Art. 18: É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.
O que deveria ser um ambiente de aprendizado foi transformado em palco de um episódio que gerou intenso debate público sobre os limites da exposição de estudantes.
A RESPONSABILIDADE DA SOCIEDADE E DAS PLATAFORMAS DIGITAIS
O problema é maior do que um único vídeo. Ele revela um sintoma de falha sistêmica. Em outro caso, também em Mato Grosso, vídeos de adolescentes espancando uma colega circularam nas redes sociais, expondo a brutalidade que já atinge as escolas.
Enquanto autoridades muitas vezes terceirizam a culpa, é fundamental que a sociedade e as plataformas digitais assumam sua responsabilidade.
As plataformas precisam ir além da remoção após denúncia. Políticas proativas de proteção devem ser a regra. Afinal, normalizar o consumo de violência infantil em redes sociais é abrir mão da nossa humanidade coletiva.
A BUROCRACIA QUE CONTRARIA A LEI: UM CASO NO RIO GRANDE DO NORTE
A inércia dos órgãos públicos não se restringe a situações de exposição vexatória. É uma falha que afeta até mesmo a garantia de direitos básicos.
No meu caso pessoal, no Rio Grande do Norte, vivenciei um episódio que ilustra essa problemática. A Lei Estadual nº 11.872/2024 garante a reserva de vaga para irmãos que frequentem a mesma etapa escolar na rede pública. Baseado nessa lei, solicitei a matrícula da minha filha na mesma escola onde seu irmão já estudava.
Apesar de ser um direito expresso em lei, a Secretaria de Educação do Estado negou o pedido, e, posteriormente, conforme decisão administrativa com a qual não concordo, o órgão que deveria ser o fiscal da lei arquivou a representação. Na minha interpretação, essa decisão fragiliza o direito previsto tanto na lei federal quanto na lei estadual.
Na prática, para o meu caso, o ECA e a Lei Estadual do Rio Grande do Norte, nos dispositivos que garantem a reserva de vaga para irmãos, se tornaram "letra morta" — letra morta pela burocracia, e não pela ausência de lei.
UMA CONVOCAÇÃO À AÇÃO
Este não é um artigo de desabafo emocional, mas sim uma convocação jurídica e moral. Na minha opinião, o silêncio institucional diante de violações dos direitos da infância e juventude não é neutralidade, mas pode ser interpretado como conivência.
Aos 35 anos, o ECA não pode ser apenas um manual jurídico; ele precisa ser uma realidade concreta nas políticas públicas e na conduta diária de nossas autoridades.
Se há tempo e recursos gravar vídeos que resultaram na exposição de adolescentes ou criar barreiras burocráticas para o acesso à educação, deve haver ainda mais disposição para investir em ensino de qualidade, segurança escolar, capacitação de educadores e apoio psicossocial.
O poder público tem duas opções: ou se torna o guardião efetivo dos direitos da infância e adolescência, ou continuará sendo o exemplo de como se rasga um estatuto que nasceu para proteger. A escolha é deles. A cobrança é nossa.
#ECA35anos
Referências
GAZETA DIGITAL. Vídeo – Prefeito aborda alunos e secretário vê crítica ao ensino do Estado. Cuiabá, 14 ago. 2025. Disponível em: https://www.gazetadigital.com.br/editorias/politica-de-mt/video-prefeito-aborda-alunos-e-secretario-ve-critica-ao-ensino-do-estado/818735. Acesso em: 16 ago. 2025.
TRIBUNA DO NORTE. RN: lei garante vagas na mesma escola para irmãos; entenda. Natal, 14 ago. 2025. Disponível em: https://tribunadonorte.com.br/rio-grande-do-norte/rn-lei-garante-vagas-na-mesma-escola-para-irmaos-entenda/. Acesso em: 16 ago. 2025.
BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (ECA). Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em: 16 ago. 2025.
Angelo Silva de Oliveira é pai, cidadão brasileiro, mestre em Administração Pública (UFMS), especialista em Gestão Pública Municipal (UNEMAT) e em Organização Socioeconômica (UFMT), graduado em Administração (UFMT) e auditor interno NBR ISO 9001:2015.
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