Vivemos em uma sociedade que valoriza a imagem, a simpatia, o sorriso fácil. No ambiente de trabalho, nas redes sociais, nos encontros casuais, sempre há espaço para a cordialidade e para a boa aparência emocional. Muitos se mostram alegres, acessíveis, sempre prontos a oferecer um gesto de bondade ou uma palavra doce. Mas quando a porta de casa se fecha, esse mesmo sorriso se apaga.
O texto a seguir é uma reflexão que trago após presenciar em determinado local de grande circulação de pessoas, cenas e falas tristes protagonizadas por um casal, os ataques verbais protagonizados por ambos se estenderam do saguão até o estacionamento e lá continuaram dentro do carro avaliado em meio milhão de reais.
Vamos refletir? Quantas vezes o brilho oferecido ao estranho não é reservado ao companheiro? Quantas vezes a atenção generosa que vai ao colega de trabalho não se perde diante da pessoa com quem se compartilha a vida? É como se a empatia tivesse destinatário seletivo: abundante para fora, escassa para dentro.
No cerne dos relacionamentos, especialmente entre casais, reside uma contradição dura. O afeto é exagerado nos corredores da vida pública, enquanto em casa sobra silêncio, frieza, indiferença. O que deveria ser refúgio, alimento e aconchego, tantas vezes se transforma em território de hostilidade, em espaço de cobranças e desatenção.
O sorriso que cativa o mundo perde a força diante do olhar de quem, em teoria, mais mereceria recebê-lo. E isso não é apenas um detalhe, é um sintoma. Porque o amor não se sustenta em promessas solenes, mas em pequenos gestos diários.
Sempre ouço de uma amiga minha de que o amor só existe a partir do momento que optamos por escolher diariamente estar ao lado da pessoa que queremos amar. Nesse sentido, a verdadeira medida de um relacionamento não está nas declarações públicas, mas na forma como se trata o outro na intimidade, vivenciando diariamente defeitos e qualidades.
Mas não são apenas as emoções que entram em conflito. As questões financeiras surgem, muitas vezes, como o grande teste do relacionamento. Desemprego, dívidas, diferenças de padrão de consumo e renda ou de visão sobre como administrar o dinheiro criam fissuras que o sorriso externo não consegue encobrir e aí o desejado aconchego do lar se transforma em uma inquietante arena.
A falta de diálogo sobre finanças transforma o lar em campo de batalha, e não em espaço de partilha. Como dizia Epicteto, “a riqueza não consiste em ter grandes posses, mas em ter poucas necessidades”. Porém, quando cada parte entende a vida financeira de forma distinta, até as pequenas necessidades viram grandes tormentas.
É fácil ser gentil com quem cruza nosso caminho por instantes. O desafio maior é ser gentil com quem caminha ao nosso lado todos os dias. É simples oferecer um sorriso para um desconhecido na rua ou no shopping center. Difícil é sustentar a mesma leveza dentro de um lar, onde as vulnerabilidades aparecem, onde os defeitos se revelam, onde não há máscaras ou filtros para esconder o nosso verdadeiro “ser”.
Se a alegria que mostramos fora não floresce dentro, algo está quebrado. E talvez o que esteja faltando não seja amor, mas consciência: a de que não adianta encantar o mundo enquanto se descuida daquilo que é essencial. É preciso reaprender a sorrir para dentro, a cultivar a gentileza entre quatro paredes, a oferecer ternura a quem partilha nossas manhãs e nossas noites.
Reflita! Porque, no fim, não é a simpatia pública que sustenta uma vida. Aliás, nem mesmo prótese, toxina botulínica e outros sintéticos são capazes de sustentar as vaidades por muito tempo. O que realmente vale é o afeto privado, aquele que não aparece nas fotos, nas redes sociais, mas que constrói os alicerces daquilo que desejamos chamar de felicidade.
Claiton Cavalcante é contador, membro da AMACIC e do ICBR.
Entre no grupo do MidiaNews no WhatsApp e receba notícias em tempo real (CLIQUE AQUI).
0 Comentário(s).
|