Cuiabá, Sexta-Feira, 24 de Outubro de 2025
“NADA JUSTIFICA”
24.10.2025 | 14h15 Tamanho do texto A- A+

Policial deixou cena após morte de idoso; família vê contradição

Jeovanio alegou ter saído para “procurar sinal”, mas depoimento indica cobertura telefônica no local

Arquivo pessoal

João Pinto, de 87 anos, foi morto no hangar de sua propriedade em fevereiro de 2024

João Pinto, de 87 anos, foi morto no hangar de sua propriedade em fevereiro de 2024

LIZ BRUNETTO
DA REDAÇÃO

A família do idoso João Antônio Pinto, de 87 anos, morto a tiros pelo policial civil Jeovanio Vidal Griebel durante uma suposta abordagem, apontou diversas contradições nas versões apresentadas e questionou a saída do policial do local após o disparo.

 

Entraram em propriedade particular como se estivessem invadindo um covil de traficantes. A gente não aceita

Jeovanio alegou em depoimento ter saído da cena para “procurar um local com melhor sinal” e informar o caso; depois, “não se sentiu bem e foi para casa”.

 

João Pinto foi morto no dia 23 de fevereiro de 2024, no hangar de sua propriedade, localizado na região do Contorno Leste, no Bairro Jardim Imperial, em Cuiabá.

 

O caso ocorreu após um suposto desentendimento entre o idoso e um homem identificado como Elmar Soares Inácio, cunhado de Jeovanio, que acionou o policial alegando ter sido ameaçado pela vítima.

 

Segundo Gysela Maria Ribeiro Pinto, filha do idoso, a versão apresentada pelo policial em depoimento não convence a família, tanto por haver sinal telefônico de qualidade na região - e até mesmo um colega ter conseguido acionar o Samu do local, quanto pela quebra do procedimento policial: a permanência, essencial para a investigação.

 

“De imediato o que chamou a atenção foi o fato do policial ter saído do local dizendo que não tinha sinal de telefone. Ali tem sinal o tempo todo, não temos telefone fixo há muito tempo, porque o celular de qualquer operadora funciona o tempo todo. A região é próxima da cidade e é impossível não ter sinal. Isso foi gritante, ele tinha que ter ficado lá e aguardado ao menos a Perícia”, afirmou Gysela.

 

Sinal de telefone normal

 

Um dos investigadores que participou da abordagem e permaneceu no local disse, em depoimento, ter ligado para o Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) e enviado a localização, reforçando a versão da família de que havia sinal na região.

 

“Foi verificado que a vítima João Pinto foi atingido na região do ombro e depois foi verificado que a vítima apresentava sinais de que estava respirando, porém estava inconsciente; que, de imediato, o depoente telefonou para uma equipe de resgate - Samu, enviando a localização geográfica; que, depois de algum tempo, não sabendo precisar quanto, uma ambulância do Samu chegou e então constataram o óbito da vítima”, diz trecho do depoimento de um dos investigadores.

 

“Um dia antes meu pai estava com o pessoal da CPI das invasões, vários políticos, próximo à rotatória, perto de onde o Elmar disse que se encontrou com ele, e no outro dia ele estava morto”, afirmou Gysela.

 

Sem anúncio prévio

 

Havia dois seguranças na entrada da propriedade no momento da abordagem e, segundo eles, em depoimento, era por volta das 9h quando João Pinto chegou de caminhonete e passou direto para a sede da chácara. Cerca de meia hora depois, chegaram três veículos. Dentro deles estavam seis homens.

 

Eles se identificaram como policiais civis e “pediram que abrissem o portão, alegando que teriam recebido uma denúncia a respeito de uma ameaça”, diz trecho de um dos depoimentos.

 

Gysela apontou outra contradição que não foi citada nos documentos, a de que os funcionários teriam sido impedidos de telefonar para a sede e comunicar a entrada da polícia.

Meu pai foi, como o Elmar mesmo disse naquele vídeo [gravado no momento da abordagem], emboscado, foi uma emboscada!

 

“Eles estavam lá justamente para garantir a segurança, por conta das ameaças de invasão na sede. Era de praxe, eles tinham o hábito de ligar para o meu pai ou para quem estivesse na sede, que tal pessoa, por mais amigo que fosse, estava lá. E dessa vez não aconteceu. Me informaram que não foi possível ligar, não sei se tiveram os celulares retidos, mas sei que não ‘puderam’, que não ‘deixaram’ ligar”, disse.

 

Os seguranças, segundo os depoimentos, abriram o portão e os policiais se dirigiram até a sede da chácara. Eles ouviram o disparo e permaneceram no local até a chegada das demais equipes policiais. Nesse tempo, logo após o disparo, Jeovanio deixou a propriedade.

  

Caseiro ao chão

 

O caseiro que presenciou a abordagem trabalhava com a vítima há 11 anos e disse não ter visto João Pinto “apontar a arma” para os policiais, “pois já estava deitado no chão, atrás da ‘pá carregadeira’, no momento do disparo”, diz trecho do relato.

 

Segundo o depoimento do caseiro, a vítima chegou a contar que se desentendeu com o “chefe” do grilo e que foi seguido por ele até sua propriedade, e que ambos estavam trabalhando em um avião no hangar quando as viaturas descaracterizadas chegaram.

 

“O declarante e a vítima viram o veículo parar; que três pessoas saíram do veículo e avisaram que eram da polícia; que as três pessoas não estavam uniformizadas, mas estavam com distintivos no pescoço e com armas em punho; que o declarante acredita que as armas eram pistolas; que o declarante avisou: ‘Seu João, é a polícia’”, afirmou.

 

Para Gysela, em uma conversa informal, o caseiro afirmou ter passado mais de 40 minutos deitado no chão.

 

“O próprio caseiro me falou, em conversa informal no escritório, que quando houve a abordagem, todo mundo gritando, aquela maluquice, eles já estavam com a arma em punho e mandaram ele abaixar. Ele abaixou e mandaram ele colocar o braço em cima da cabeça, disse que não viu nada e que permaneceu 40 minutos desse jeito, sem poder levantar. Não deixaram ele se levantar de forma alguma”, afirmou Gysela.

 

Emboscado

 

Gysela citou ainda outras contradições já mencionadas em matérias anteriores do MidiaNews, como o rastreador na caminhonete da vítima, que contradiz a versão sobre a morte do idoso, e a perícia realizada no aparelho DVR que deveria conter as imagens da morte de João Pinto, mas apresentava registros apenas de antes e depois do crime.

 

Apesar das contradições, Gysela diz ter esperança de que a Justiça seja feita. “Esperamos que a Justiça funcione. Vamos aceitar o que for apurado, quando a gente ver que não tem contradição, mas agora está com tanta contradição que deixa a gente em dúvida. A gente quer uma investigação que tire as dúvidas, que seja justa”, cobra.

 

“Meu pai foi, como o Elmar mesmo disse naquele vídeo [gravado no momento da abordagem], emboscado, foi uma emboscada! Não tem lógica o pessoal chegar daquele jeito, gritando com arma em punho, atender um chamado contra um senhor de 87 anos daquele jeito”.

 

“Meu pai não tinha 50 kg, era uma pessoa forte de saúde, mas franzina, um senhorzinho que não metia medo em ninguém. Entraram em propriedade particular como se estivessem invadindo um covil de traficantes. A gente não aceita! Não existe nada que justifique essa abordagem. Vai ser difícil ter paz enquanto isso não estiver esclarecido”, finalizou.

 

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