Um dos casos mais emblemáticos do ano foi a morte macabra da adolescente grávida E.B.A.S., de 16 anos, que teve o ventre aberto ainda em vida para ter a filha roubada, em Cuiabá. Os fatos revelados pela perícia e pela investigação parecem saídos de um filme de terror.

A bombeira civil Nataly Helen Martins Pereira, de 25 anos, está presa e foi denunciada por oito crimes relacionados à morte da menor: feminicídio, tentativa de aborto, subtração de recém-nascido, parto suposto, ocultação de cadáver, fraude processual, falsificação de documento particular e uso de documento falso.
No último desdobramento do caso na Justiça, o Ministério Público Estadual (MPE) interpôs recurso especial no Superior Tribunal de Justiça (STJ) contra a decisão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJ-MT) que anulou o júri popular da bombeira civil. A anulação foi fundamentada sob o argumento de existir dúvida razoável sobre a sanidade mental da acusada.
Tudo começou com o desaparecimento da adolescente, no dia 12 de março. Na mesma data, Nataly e o companheiro foram levados à Central de Flagrantes após tentar registrar como seu o bebê da adolescente no Hospital Santa Helena. Exames feitos nela indicaram que não havia hormônios relativos à gravidez.
O corpo da vítima foi encontrado na manhã do dia seguinte, enterrado em uma cova rasa no quintal de uma residência no Bairro Jardim Florianópolis. A propriedade era do irmão de Nataly, que chegou a ser investigado por envolvimento no crime.
O delegado Caio Albuquerque, titular da Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa, classificou o assassinato como um “ritual de crueldade” e disse que a jovem foi atraída com a promessa de doação de roupas para o bebê.
“Caiu numa cilada. Ela vinha aqui, tentar pegar essas roupas, infelizmente foi submetida a esse ritual de crueldade”, afirmou o delegado.
O perito Luis Paoli, da Perícia Oficial e Identificação Técnica (Politec), afirmou que o local onde o corpo foi encontrado é uma das cenas de crime “mais cruéis” que já viu em 12 anos de carreira. “Precisei de uns cinco minutos para me recompor”, relatou.
Victor Ostetti/MidiaNews
Viatura da Politec na casa em que o corpo da jovem foi encontrado
A menor, grávida de nove meses, foi asfixiada e, enquanto ainda estava viva, teve a barriga cortada na vertical para ter a bebê roubada. À Polícia, Nataly confessou ter cometido o crime para ficar com a criança.
“Eu tenho 12 anos de perícia de local e foi uma das reações mais difíceis que eu tive, para me conter da emoção de ver uma menina de 16 anos com o abdômen aberto, mãos presas nas costas, asfixiada. É difícil! Eu tenho uma filha próxima dessa idade. A emoção tomou conta, senti um peso enorme do trabalho que a gente faz”, disse o perito.
“De todas as situações que eu já convivi, foi uma das cenas mais cruéis e difíceis de processar”, afirmou.
Sustentou a farsa nas redes
Nataly compartilhava nas redes sociais fotos e vídeos em família e uma suposta gravidez em andamento. Mas exames feitos no hospital após ela tentar registrar a bebê da vítima comprovaram que ela não estava no puerpério — período pós-parto.
No TikTok, uma publicação de 26 de fevereiro mostrava fotos dela grávida e até imagens de ultrassom.
O chef de cozinha Christian Albino Cebalho de Arruda, de 28 anos, ex-companheiro da assassina, viu sua vida desmoronar ao ser envolvido nas investigações do feminicídio que ganhou repercussão internacional. Meses depois, o envolvimento dele foi completamente descartado.

“Ela acabou com a minha vida. Acabou com a vida da família da E.B.A.S. Acabou com várias vidas, porque o que ela fez foi uma crueldade e não tem perdão. E ela vai pagar pelo que ela fez”, disse Christian ao MidiaNews.
“Não está sendo fácil pra mim, nem pra minha família. Eu perdi tudo da noite pro dia. Eu perdi meu sonho. Eu perdi meus empregos. Me distanciei das pessoas que eu mais gostava de ficar perto. É algo que está sendo bem doloroso pra mim”, completou.
Segundo Christian, Nataly enganou toda a família com a falsa gravidez. Ele, que sonhava em ser pai, não desconfiou da farsa.
“Eu vi aquela barriga, eu vi ela passando mal. Coisa de grávida mesmo, normal. A desconfiança que eu tinha era de que a criança não fosse minha”, disse.
Além de Christian e do irmão de Nataly, um amigo da família chegou a ser preso. Todos tiveram seus envolvimento no caso descartados pela Polícia.
Depoimento
Em depoimento à Polícia, Nataly confessou ter assassinado sozinha a adolescente e relatou como imobilizou a jovem, enforcando-a por trás com um golpe de mata-leão.
Ela contou que conheceu a menor por meio de grupos de doação no WhatsApp e que mantiveram contato por cerca de três meses.
Reprodução
Nataly durante depoimento à Polícia; ela chegou a chorar
No dia 12, a menor chegou à casa por volta do meio-dia e as duas conversaram por cerca de 40 minutos.
"Nós ficamos na sala. Eu dei água e refrigerante para ela. Conversamos sobre a vida, a criança, tudo. Ela se apresentou como Bia e disse que tinha 18 anos", relatou.
Nataly levou a menina para ver roupas em um dos quartos. "Eu mostrei uma mala com as roupinhas. Ela olhou tudo e pegou duas bolsas para levar", contou.
Foi no retorno à sala que o crime aconteceu. "Quando ela estava de costas, eu pensei em fazer algo, mas não tive coragem. Só quando ela sentou na cadeira, eu peguei um fio e a enforquei por trás, mas primeiro dei um mata-leão e ela desmaiou. Em seguida, eu amarrei ela na cadeira e pedi desculpa e falei que iria cuidar do bebê", confessou.
Nataly admitiu ter planejado o crime com antecedência. "Eu cavei o buraco um dia antes, usando uma picareta e uma pá que estavam no banco de ferramentas. Se não tivesse esses materiais, eu não teria feito”, afirmou.
No depoimento, ela também respondeu às dúvidas sobre a suposta gestação que exibiu nas redes.
“Eu estava grávida, perdi o nenê já tem seis meses. Ninguém sabe”, disse. Ela afirmou ter certeza de que perdeu a gestação após o feto “sair” de dentro dela.
Depois da perda, Nataly disse ter iniciado uma busca por uma criança substituta.
“Eu estava procurando na rua, em casa de abrigos, pessoas que não queriam ter seus nenéns, porque eu queria ser mãe novamente e eu não posso. Teve essa oportunidade, infeliz, mas teve, e eu fiz. Me arrependo”.
Angélica Callejas/MidiaNews
Ana Paula Meridiane Peixoto de Azevedo, mãe de adolescente morta
“Justiça!”
A auxiliar de serviços gerais Ana Paula Meridiane Peixoto de Azevedo, mãe da adolescente, contou que a filha estava feliz com a gravidez e tinha planos de trabalhar depois de dar à luz.
“[Os autores] não podem ficar impunes, porque o que eles fizeram com a minha filha não se faz nem com um animal”, disse ela, quando ainda havia suspeita de mais pessoas envolvidas.
Ana Paula lamentou perder a filha de forma tão bárbara. “É muita revolta, fizeram muita crueldade com a minha filha. Uma menina cheia de sonhos que queria ter só a família”.
O velório da adolescente foi marcado por protestos pedindo justiça. Durante a manifestação, amigos e familiares exibiram cartazes pedindo endurecimento das leis e punição aos responsáveis.
“É possível justiça terrena para Emily?”, dizia um deles.
“Família indignada clama por justiça”, dizia outro.
“Tratada como incubadora”
O Ministério Público Estadual afirmou que Nataly tratou a vítima como um “mero recipiente”, uma “incubadora” para a gestação do bebê que desejava. A informação consta na denúncia encaminhada à Justiça e assinada pelo promotor Rinaldo Segundo.
Segundo o MPE, Nataly manteve contato com a adolescente durante meses com o objetivo de monitorar a gestação e, no momento oportuno, apropriar-se violentamente do bebê.

“Nataly tratou [a vítima] como um mero objeto reprodutor, um ‘recipiente’ para o bebê que desejava, demonstrando total desprezo pela sua integridade corporal e autodeterminação”, disse o promotor.
“Agindo como agiu, Nataly demonstrou menosprezo à condição de mulher [da vítima], tratando-a como mero ‘receptáculo’ ou ‘incubadora’ — demonstrando uma objetificação extrema do corpo feminino. Um total desprezo à sua dignidade.”
A escolha da vítima, conforme o promotor, também seguiu um estereótipo de gênero e classe social. Ele argumentou que a adolescente “negra e pobre”, aos olhos da criminosa, tornou-se uma vítima vulnerável.
"Uma mulher grávida, jovem, negra e pobre. E, portanto, descartável, sujeita ao seu menosprezo. Para Nataly, [a vítima] era uma mulher que valia menos, cujo desaparecimento não teria repercussão social”, disse.
“É violência de gênero a reprodução do estereótipo da mulher pobre, incapaz de criar seus filhos”, afirmou.
As investigações apontam que Nataly, mãe de três meninos, desejava ter uma menina, mas fez uma laqueadura há alguns anos. Por isso, passou a mapear mulheres grávidas de meninas.
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