O desembargador Marcos Machado, do Tribunal de Justiça, enumerou os desafios da Justiça no Estado, como o enfrentamento ao crime organizado, tanto na eleição de 2026, como na vida diária do cidadão.

Em entrevista ao MidiaNews, o magistrado, que é vice-presidente do Tribunal Regional Eleitoral e corregedor (TRE-MT), apontou que a criminalidade está enraizada na atividade econômica, o que lhe dá sustentação, além do tráfico.
“Nós precisamos olhar para o dinheiro, porque a criminalidade está com atividades lícitas. Veja o que aconteceu com a distribuição de metanol, o tamanho da empresa, 500 caminhões, tudo a serviço do tráfico de drogas”, disse sobre a infiltração do crime em negócios formais.
"O desafio chama-se facções criminosas e financiamentos para terem representantes em Câmaras Municipais, na Assembleia Legislativa e no Congresso Nacional. Temos que impedir candidaturas financiadas pelo crime organizado", acrescentou sobre desafios das eleições.
Professor, ele atua na formação de novos juízes e tem experiência como promotor de Justiça Criminal. Mas não deixa também de fazer a própria autocrítica do Poder Judiciário. O desembargador fez uma série de apontamentos ao Ministério Público e até de parte dos juízes do Estado.
"Precisamos de uma transformação por dentro do Judiciário. Nem todos os juízes têm expertise e se envolvem, têm coragem de atuar nessa atual realidade da criminalidade organizada. Muitos são carreiristas que querem chegar à Capital", disse.
Ainda na entrevista, o desembargador falou sobre o afastamento de colegas desembargadores por suposta venda de sentenças, tráfico de drogas e da descriminalização da cannabis.
Confira os principais trechos da entrevista (e o vídeo com a íntegra ao final da matéria):
MidiaNews - Como analisa a atuação da nossa justiça criminal como um todo em Mato Grosso?
Marcos Machado – Estamos num processo de evolução. Temos dificuldades de toda a ordem, inclusive de entendimentos, mas estamos numa crescente positiva. O que sempre destaco negativamente, e isso é um problema nacional, é a existência de duas polícias. Não vejo isso como uma atividade eficaz. Há uma disputa, inclusive confrontos, entre policiais civis e militares.
Não vejo a militarização como uma atividade que se aproxima do sistema de justiça, embora defenda e reconheça a importância da atuação da polícia nas ruas, nas operações, nos confrontos, sobretudo contra a violência. Mas essa coordenação, sobretudo hierárquica da Polícia Militar, é um grande prejuízo.
Imagina, você tem um tenente, um capitão, um tenente-coronel... Veja, essa estrutura é uma estrutura cara e com muitos mandantes, muitos chefes, digamos assim. E a nossa Constituição reserva para a Polícia Civil atividade investigatória. Veja como isso é um contrassenso.
Nós temos hoje uma legislação que não é simples. Ela oferece uma série de direitos e coloca a vítima quase num lugar inexistente. Quando a vítima é o principal elemento. E você vê dificuldades imensas da vítima hoje ser atendida e bem atendida pelo Ministério Público, que deveria ser o grande advogado da vítima, mas o Ministério Público se burocratizou.
O Ministério Público cresceu muito internamente, é uma das instituições mais bem aparelhadas, com integrantes de altíssima qualidade técnica, moral e com atribuições constitucionais legais que poderiam fazer a transformação social. Mas, a meu ver, diminuiu, perdeu o espaço. Por falta de vocação de alguns, por interesse material de outros, cumprem contratos, digamos, obrigacionais, não se doam, não se dedicam. E isso vai fragilizando o sistema.
MidiaNews - Acha que é preciso uma mudança no Judiciário?

Marcos Machado – Precisamos de uma transformação por dentro do Judiciário. Nem todos os juízes têm expertise e se envolvem, têm coragem de atuar nessa atual realidade da criminalidade organizada. Muitos são carreiristas que querem chegar à Capital.
A atuação virtual, do sistema virtual e eletrônico, transformou o processo em números. Quando sabemos que atrás do processo tem vidas, tem direitos, tem sentimentos, tem interesses, tem dores, transforma o sistema realmente em algo muito complexo.
Tem pessoas que se doam, se dedicam, tem um espírito cristão e uma uma tendência cidadã ou um perfil que envolve a responsabilidade individual e social em favor da sociedade e as coisas vão acontecendo.
Nós temos pontos positivos, mas temos negativos. Agora, o que me assusta é que a criminalidade está sempre um passo à frente. E a gente buscando conter, atualizar, dialogar, mas a grande transformação, eu diria, precisa partir da Constituição. Precisamos ter um aparelhamento mais simples e mais obediente, mais sistematizado, mais disciplinado, como hoje o crime organizado é. Não sabemos quem é a autoridade hierarquicamente que determina e respeita. O juiz precisa ser respeitado, o policial precisa ser respeitado.
MidiaNews - Em sua visão, o nosso sistema penal está ultrapassado e precisa de mudanças? O que fazer para impedir que presos continuem a ordenar crimes, mesmo dentro do nosso sistema penitenciário?
Marcos Machado - O sistema penitenciário ou prisional, é algo que precisa ser estudado comparativamente. A nossa legislação de execução penal, chamada LEP, precisa ser melhorada, aperfeiçoada, urgentemente. Ela já foi, já sofreu alterações. Mas eu acredito que algumas alterações são absolutamente prejudiciais ao bom andamento da execução penal.
Nós temos três regimes, um deles não existe na prática, que é o semiaberto. Nós precisamos entender que a legislação precisa mudar. Quando não é a pena de prisão, regime fechado, temos que já prever uma pena direta, restritiva de direitos, pena pecuniária.
Então, o sistema prisional paga uma conta que, às vezes, não é dele. Porque a legislação cria um processo penal, precisava ser melhorado.
Mas vamos falar do sistema prisional. É preciso muita alteração. Há um relatório feito por um juiz, recentemente, que mostra a degradação de alguns serviços prisionais, que assustam, em Mato Grosso. Superlotação, falta de fornecimento de itens de higiene, alimentação, direitos, mas ao mesmo tempo temos atuação de líderes de dentro da unidade prisional, inclusive com uso de celular.
Há crítica ao tratamento para líderes de facção criminosa que não poderiam ser daquela forma, teriam que estar em regimes diferenciados, teriam que estar reclusos e isolados.
Nós temos situações como, por exemplo, a visita íntima, que para muitos é uma uma desordem, um desequilíbrio moral. Ele está preso e está lá praticando sexo. O consumo de droga existe dentro do sistema prisional.
Nós tínhamos que ter a humildade de identificar os pontos fracos, não querer insistir naquilo que a gente vê que não evolui. É o chamado reinventar a roda. Eu defendo que visitemos modelos no mundo, experiências inclusive dentro de Estados brasileiros, para pouco a pouco melhorarmos.
Porque é impressionante como as ordens para matar, para roubar, para sequestrar, para traficar continuam saindo de dentro das unidades prisionais.
MidiaNews - O senhor é adepto da ideia de que precisamos de leis mais duras, como defende o governador Mauro Mendes, para combater a violência, a impunidade e o crime organizado?
Marcos Machado - O que precisamos é mudar alguns apenamentos. Você concebe que pode matar uma pessoa e se for condenada a homicídio, pode ser condenado a seis anos de prisão, mas como é menos de oito anos, já sai direto para o regime semiaberto? Você concebe isso? Tira a vida de uma pessoa e é condenado a seis anos por homicídio simples.
A matança que temos em Mato Grosso já exigiria uma alteração da legislação nacional. Estamos numa verdadeira guerra civil e estamos com o apenamento dessa natureza.
O legislador estabeleceu algumas proibições dizendo que não se pode conceder liberdade provisória para tráfico. O Supremo vem e diz, olha, não pode, isso é inconstitucional, mas como? O constituinte diz que não pode e o Poder Judiciário no controle de constitucionalidades, diz que pode. Então quer dizer que a nossa Constituição, o constituinte, o que ele fala não tem valor?
A partir do momento que você flexibiliza, relativiza o tráfico como um crime comum, aumenta o poder econômico que compensa. Um grama de cocaína custa, depende do lugar, de R$ 60 a R$ 100. Faz a conta em gramas, quanto custa um quilo e multiplica. São cargas de R$ 20 milhões, R$30 milhões, R$10 milhões, R$ 500 mil.
Essas são as apreensões que a gente tem em Mato Grosso a todo momento. Imagina isso aqui, sem imposto, sem previdência, sem direitos trabalhistas. Então, o tráfico de drogas que oferece um alto poder econômico e um empoderamento, inclusive para financiamento.
Eu estava lendo uma reportagem sobre Porto de Galinhas. Fui lá há uns 10 anos, 8 anos. É a lei do silêncio, os comerciantes não falam mais nada. Por quê? Estão atemorizados. Se falar, você morre. Então, as pessoas estão se mudando, estão entregando seus comércios, porque as organizações criminosas estão explorando.
Nós precisamos olhar para o dinheiro, porque a criminalidade está com atividades lícitas. Veja o que aconteceu com a distribuição de metanol, tamanho da empresa, 500 caminhões, tudo a serviço do tráfico de droga. São negócios, em tese lícitos, que operam com empregos, com recolhimento de tributos.
Eu acho que deveríamos ter uma atuação parlamentar mais forte. Sinceramente, mais forte. Todo mundo reclama do excesso do Supremo Tribunal Federal. Você ouve a todo momento. Eu como juiz ouço isso. Não posso ficar aqui tácito.
Mas a Constituição deixa claro que o Senado Federal é órgão regulador do sistema em relação ao Supremo Tribunal. O que está fazendo o Senado Federal em relação a isso? Fica essa divisão, essa dualidade. Só se discute posição de esquerda e de direita. Posição ideológica. Nós estamos aqui ainda discutindo eleições passadas.
MidiaNews - O senhor defende uma reforma no nosso Código de Processo Penal? Em quais pontos?

Marcos Machado – O Código de Processo Penal é de 1941 e vem sofrendo alterações ao longo dos anos. Agora, por fim, aprovaram o projeto de lei que estabeleceu a necessidade de uma higidez maior em relação à audiência de custódia e à prisão preventiva, que tinha sido de alguma forma relativizada em alterações anteriores.
A reformulação existe há algum tempo, vem se aperfeiçoando, mas em alguns momentos retrocedeu. Isso foi um grande engano, eu mesmo passei por esse engano. Quando o ministro Sérgio Moro, atual senador, assumiu o Ministério da Justiça e apresentou um pacote anticrime, falei: que bom, ele com a experiência que tem, certamente o prestígio que tem, que havia, ninguém negará isso, vamos resolver muitos problemas. A lei foi mal apresentada, sofreu inúmeras emendas e são normas desastrosas, dúbias, que piorou o que já existia.
O que precisamos efetivamente é que a Câmara ou o Senado, ouça juízes, promotores, delegados de polícia, advogados, que conhcem a realidade. O senador Jayme Campos apresentou um projeto que visa criminalizar o homicídio decorrente do tráfico de droga. Eu nunca vi tanta demora, tanta dificuldade técnico legislativo, de entendimentos, passa por consultores, passa por assessores, vai para comissão, aprova, muda o relator e agora está na Câmara.
Enquanto isso, as organizações, o crime, está avançando. As organizações criminosas não deixam a testemunha chegar na frente de um juiz, elas matam antes. Elas fazem as pessoas mudarem de cidade, amedrontam. Não conseguimos desvendar crimes, porque o que impera é a imposição das facções criminosas. Matam, afugentam e nós aqui assistindo discussões técnico-legislativas por cinco anos.
Um dos auxiliares que tenho no Tribunal de Justiça, casado há 25 anos, tinha um enteado. O enteado, infelizmente, jovem, se envolve no tráfico de drogas. Foi duas vezes preso, na última vez, a organização criminosa a qual ele recolheu a droga para vender, cobrou R$ 30 mil. A polícia prendeu a droga e ele foi preso. E disseram: você vai pagar a droga. Se não pagar, vai morrer. Ele desesperado, comunica à mãe, uma senhora que vendia marmita, esposa desse meu auxiliar. Nunca me disse nada e fiquei sabendo depois do acontecido. E ela assume a dívida.
Ela é trabalhadora, vende marmita. Passado mais ou menos 60 dias, 90 dias de cobrança, uma pessoa da organização criminosa mandou mensagem para ela: sabemos que a senhora produz marmita, precisamos de 30 marmitas em tal local aqui no Sucuri. Ela recebe o Pix. Eles pagam as trinta marmitas, ela vai no final do dia com as trinta marmitas num carro emprestado ao Sucuri. Chega num local determinado, em tese onde teria obras, era uma emboscada. Eles esfaqueiam a mulher durante a noite toda, arrancam os olhos com ela viva, a lançam como um animal e escrevem no capô do carro que "a dívida está paga". No dia seguinte aquele desespero, a polícia é muito eficaz, as câmeras localizaram a placa do carro passando em tal hora, identificaram o celular onde estava, desvendaram o crime em horas.
Até onde nós vamos com uma situação dessa? Olha a crueldade, a covardia por conta de um produto ilícito que foi apreendido pelo Estado.
MidiaNews - O senhor é a favor da descriminalização das drogas?
Marcos Machado – Sou a favor da legalização da cannabis. Eu concluí um trabalho de doutorado. Fiquei praticamente cinco anos na orientação de uma socióloga, professora Denise Bontempo, da Universidade de Brasília, UnB. Por conta própria, visitei três países no primeiro momento. Uruguai, Colômbia e Portugal.
No segundo momento, fui à Bolívia, aos Estados Unidos e cheguei à conclusão que nós precisamos observar alguns países que já estão à frente do Brasil em relação à cannabis e colocar dentro do nível do álcool, uma relação com o álcool. Tabaco, álcool, cafeína dentro dessa mesma categoria. Legalizar com alta tributação, com controle.
Yasmin Silva/MidiaNews
"A violência sempre existiu, mas a crueldade, a covardia, está muito acentuada. As pessoas hoje perderam sentimento de misericórdia"
Sujeito que fuma maconha, bebe e não dirige. Não pode fazer isso dentro de escola, em lugares públicos, como já tem acontecido em outros países, que a meu ver não pode. Virou como uma comparação com o tabaco. E tirar da atuação do tráfico em relação a cannabis.
MidiaNews - Hoje, temos mais conhecimento, tecnologias e avanços. O ser humano está indo para a barbárie com os feminicídios. O que está acontecendo com a nossa sociedade?
Marcos Machado – Vou te responder e aqui não vai nenhuma defesa religiosa. Não vou aqui me colocar como nenhum ativista. mas vou dizer o seguinte: falta de Deus.
Não é possível que nós admitamos um comportamento tão hostil, tão agressivo como você bem colocou. A violência sempre existiu, mas a crueldade, a covardia, está muito acentuada. As pessoas hoje perderam aquele sentimento de misericórdia, de condolência.
Eu pedi para um assessor retirar de alguns processos que estão sob minha relatoria ou na Câmara que atuo, crimes filmados pelas organizações criminosas, o chamado “salve”. A gente ouve isso e acha que não existe. Existe, estão filmados e estão nos processos. Eu peguei e falei: você pega os processos que tem vídeos, faz um PDF, que eu vou apresentar para os juízes que estão fazendo formação, para que entendam o que vão ver em audiências e se prepararem.
Primeiro filme que passei, um jovem foi levado aqui em Lucas para o mato, ele vendia droga fora da facção. E começaram a matá-lo com um facão, só que o facão era cego, não era afiado. O facão batia no pescoço dele, ia cortando, mas em pedaços. E esse cara foi sangrando e gritando. Olha, um sofrimento terrível, terrível.
O que aconteceu com o juiz em formação? Tinha uma moça que saiu vomitando. A outra saiu correndo da sala, pediu para sair, a outra pediu pra desligar o vídeo. Os juízes que estavam para assumir esses casos não conseguiram.
Nós, juízes criminais, estamos vendo isso a todo momento. Agora não é todo juiz que consegue ver essa cena, que mantém-se na jurisdição criminal. Enquanto isso, somos alvos de críticas a todo momento, de pressão, tem que produzir, tem que responder, tem que atender o advogado na hora que o advogado quer. Nós somos seres humanos também, o que estamos passando, nós juízes criminais, as pessoas não têm a mínima noção.
As pessoas quanto mais distantes de Deus, são mais hostis, mais violentas, mais desarmoniosas, mais conflituosas. Eu venho de uma geração que tínhamos ensino religioso, tínhamos uma orientação bíblica desde criança.
Eu comecei na Justiça em 1988 como estudante de direito. Tenho 18 anos de Ministério Público, de advogado. Quase 15 do tribunal, nunca vi tanta crueldade na minha vida. Em 35 anos? Eu nunca vi tanta crueldade. Nunca.
MidiaNews - Houve o caso de Sinop do Presídio Ferrugem, com o juiz Marcos Faleiros sendo ameaçado e pressionado pelo próprio sistema penal do Estado. Qual sua avaliação do senhor desse episódio?
Marcos Machado - Em relação ao juiz, até conversei com ele para entender o que havia acontecido. E isso está sendo objeto de apuração, inclusive há relatórios. Há versões e esse fato precisa ser esclarecido e não me atreveria a opinar sem conhecer a miúde. O que posso dizer dentro de uma leitura daquilo que foi publicado, daquilo que foi por ele relatado, que essa apuração sofreu uma reação por parte de policiais penais.
O que não é algo incomum, extraordinário. Eu estava colocando isso até para um grupo de juízes, que não podemos ficar com receio nem do sistema, ou seja, de maus policiais, maus agentes públicos, nem do grupo de criminosos, que se nós fizermos isso, o cidadão, então nem se fala. Ele vai estar recluso na sua própria casa.

O que vamos cumprir são as regras do jogo, a legislação. Nós queremos juízes que sejam corretos. Mas não juízes que não decidem corretamente, se omitem ou sejam injustos, fazem decisões que são injustas. Esse juiz tem que ter cuidado, porque pode vir a reação mesmo.
Nós temos hoje promotores ameaçados, temos um e outro atentado de juiz. São situações pontuais. Temos outras situações muito claras em países que o juiz que resistiu naturalmente exercendo sua função, sofreu repressão, porque tem organizações criminosas que faz o Estado paralelo e quando há estado paralelo o Estado oficial não é reconhecido.
Infelizmente, a gente precisa dizer a verdade. Nós não conseguimos combater com legalidade quem age contra nós com violência, em absoluta ilegalidade. Eu digo que se a regra do jogo for dar tiro em juiz, temos que devolver com tiro. Não tem como, porque senão quem morre são juízes.
Então, é preciso identificar a potencialidade lesiva, a gravidade das ameaças para agir. E não ficar esperando. E eu disse a ele, falei: você precisa apurar isso com rigor, não ter dúvida do que aconteceu, porque uma coisa é atuar na legalidade, nas regras, outra coisa é você sofrer atentado.
MidiaNews - Nós tivemos os desembargadores Sebastião de Mores Filho e João Ferreira Filho, alvos de Processo Administrativo Disciplinar e afastados de seus cargos, por um suposto esquema de venda de sentença. Esse caso parece ter provocado uma pressão dentro do Tribunal, é isso mesmo?
Marcos Machado - Isso na verdade são fatos excepcionais. Todos lamentamos, porque isso recai negativamente sobre a imagem, o conceito, a confiabilidade, mas é preciso separar a atuação. A história de cada um e reservar o espaço que é apuração por parte do Conselho Nacional de Justiça. Assegurar a todos os magistrados afastados, o direito de defesa, que é sagrado, é constitucional, é algo que você está sujeito.
Todos sentem, claro que sim. Internamente, dentro do sistema, mas a vida continua. As pessoas vão e vêm. As pessoas são importantes dentro da história, dentro do momento, dentro de uma trajetória. Agora o volume de trabalho, a responsabilidade que todos temos e, sobretudo, as nossas atribuições não nos permite que o retrovisor seja maior que o parabrisa.
O que temos e precisamos ter é o seguinte: cada um responde pelo seu CPF, cada um tem a sua obrigação, a sua responsabilidade, daquilo que fez, daquilo que não fez e precisa se explicar. Agora, nós, demais, temos também as nossas obrigações, nossas responsabilidades e a vida tem que seguir adiante.
MidiaNews - Há provas contundentes sobre a suposta venda de sentença contra os desembargadores, pelas informações que vieram a público, após a morte do advogado Roberto Zampieri. O desembargador Sebastião já se aposentou por idade. Mas o senhor concorda que eles devem ser aposentados compulsoriamente?
Marcos Machado - Aposentadoria compulsória é um instituto que vem sendo questionado há muito tempo. Há muito tempo. Alguns acham que é o verdadeiro prêmio. Outros defendem que o juiz tem que ter garantias justamente porque ele tem que ser um independente. Eu, quando promotor de justiça, passei por uma situação na carreira vendo um promotor de justiça aposentado compulsoriamente. Eu não me conformava com isso. Eu entendi que ele tinha que ser processado e condenado.
Eu acho que precisa aperfeiçoar, Eu já ouvi no passado de um juiz desonesto, dizendo: "Olha, se me criarem muito caso eu vou realmente fazer o que acho que deve, se quiser, me aposenta, vou estar recebendo o mesmo valor". Com deboche. Achei aquilo o fim da picada, não é possível eu ouvir um negócio desses. Essa segurança para quem pratica desonestidade, precisa ser revista.
Eu acho que os afastamentos muitas vezes são absolutamente injustos, inadequados, porque a pessoa afastada perde a possibilidade de se defender adequadamente e ela já é pré-julgada, porque a partir do momento que ela é afastada já há um julgamento de que ele é condenado, é culpado. Então isso aí para o juiz é até, penso eu, inconveniente. Vou voltar com que estatura? Com que respeitabilidade? Eu acho que é uma pena antecipada, inclusive.
MidiaNews - O senhor é vice-presidente e corregedor do TRE de Mato Grosso e vai estar à frente das eleições de 2026. Quais são os maiores desafios da Justiça Eleitoral para a eleição do ano que vem?
Marcos Machado – Eu não tenho dúvida do domínio, do controle, da precisão que a equipe de servidores e gestores do TRE já vem fazendo há alguns anos. Nós, desembargadores e juízes eleitos, somos passageiros lá.
O maior desafio que temos, a principal meta e a ação da Corregedoria é a biometria. O cadastro biométrico dos eleitores. Estamos no Estado todo com cerca de 90% da biometria dos eleitores. E precisamos buscar pelo menos mais 2% a 3% para alcançarmos o topo. Há situações adversas pela geografia, pela extensão territorial, pela característica agrária do Estado.
Temos populações indígenas distantes, assentamentos. Alguns que não querem, que não vão procurar o TRE, não aceitam, não querem nem saber da Justiça Eleitoral, não querem saber de participar nas eleições. Nós temos os presos que estão com direitos políticos suspensos. Então, a biometria é o grande objetivo nosso para termos eleições transparentes e resultados legítimos.
Outro desafio chama-se facções criminosas. Financiamentos que começaram já nas eleições passadas de organizações para terem representantes em Câmaras Municipais, na Assembleia Legislativa e no Congresso Nacional.

Esse é o grande desafio que tenho dito internamente no Tribunal, tenho buscado cooperação técnica para que possamos ter realmente o conhecimento do que está acontecendo e fazer as devidas impugnações e impedir candidaturas que têm lastro financiado pelo crime organizado.
MidiaNews – O que fazer neste caso para se ter o princípio eleitoral do equilíbrio na disputa? O que fazer para não ter esse desequilíbrio com a interferência das organizações criminosas?
Marcos Machado – Primeiro, identificar quem são os candidatos que estão sendo apoiados por esses grupos, que não são um só, em todo Mato Grosso. Fazer uma atuação permanente de investigação. E isso já está acontecendo e, no momento certo, preterir candidaturas que vão influenciar resultados eleitorais.
Esse trabalho tem que ser contínuo, célere para que essas pessoas não sejam diplomadas, porque depois dá mais trabalho. Temos informes, temos suspeitas, mas tem que ser feito um trabalho. Tenho colocado isso inclusive para a presidência do Tribunal, da necessidade de se constituir uma equipe com cooperação, sobretudo das polícias. Não só a Polícia Federal, que tem pontos de atuação no Estado.
Nós temos que contar com o serviço de informação da Polícia Militar e contar sobretudo com a atuação da Polícia Civil, que tem delegados em todo o Estado de Mato Grosso.
Outro desafio que acredito que o TRE deve enfrentar é o trabalho de combater as fake news e a desinformação, que já vimos que é uma situação que ficou no processo eleitoral e não tem mais como voltar.
MidiaNews – O que o TRE tem feito nessa questão de combater fake news e desinformação no processo eleitoral?
Marcos Machado – Eu acho que o pior já passou. O país, o Estado já passou por eleições e conheceu esses fenômenos. Hoje, temos uma equipe de comunicação no TRE altamente capacitada e experimentada em relação a isso. Já temos decisões dos tribunais regionais e também do Tribunal do Superior Eleitoral, o TSE, a respeito do tema. Sabemos o que pode e o que não pode, o que deve ser feito de forma preventiva e a legislação eleitoral.
Nós temos que contar com a cooperação, porque o processo eleitoral não é só do TRE. Depende de toda atuação político-partidária, não só de candidatos, mas de partidos. E tem a expectativa de que haja um comportamento ético por parte de candidatos e partidos.
Agora, se não houver, a legislação está aí para ser aplicada. Eu, particularmente, quando tenho oportunidade de presidir e ter voz no Tribunal, sempre deixo claro a importância do diálogo, da formação de entendimentos convergentes e rapidez nas decisões. Porque não podemos deixar situações da eleição passada entrar no processo do ano que vem.
Yasmin Silva/MidiaNews
"A opinião é livre, é constitucional, é direito de expressão desde que você não ofenda, não incorra em calúnia, injúria e difamação"
MidiaNews - Quais situações da eleição passada precisam de decisão, por exemplo?
Desembargador Marcos Machado – Até hoje tem questionamento a respeito de cassação. Temos impugnação, por exemplo, de vereadores ainda sendo julgada, de prefeitos ainda, que são da eleição passada. Temos ainda processos criminais, então isso tudo não pode abalar o primeiro semestre que é preparatório para as eleições, temos que julgar isso. Temos que em março e abril acabar com as eleições municipais, ou seja, não ter processo para que nos dediquemos às eleições gerais.
MidiaNews - Como a Justiça eleitoral vai permanecer firme em suas decisões diante de um Estado onde tem parlamentares, que questionam os resultados e até a legitimidade do processo eleitoral?
Marcos Machado - A opinião é livre, é constitucional, é direito de expressão desde que você não ofenda, não incorra em calúnia, injúria e difamação. O pensar é livre, é só lutar até que você tenha opinião, até porque você identifica se está certo ou está errado.
Uma vez me perguntaram o que eu achava das urnas eletrônicas e naturalmente da segurança do sistema tecnológico do tribunal. Eu fui promotor, fui advogado numa edição municipal e fui promotor de outras duas. Quando a urna era de lona, quando a contagem era a cédula anotada na caneta azul em mesas cuja apuração começava sem ter hora para terminar.
Não existe nada mais precário e inseguro, absolutamente impreciso, e aí cito o exemplo até dos mapas. Quantos erros eram anotados no final? Quantas fraudes foram colocadas, quantos gritos, quantas situações de pressão ali na localidade? Quantas urnas saíram e não chegaram?
O sujeito vir depois de 30 anos de evolução que já passamos, de algo que é perfeitamente auditável, e dizer: isso aí é ilegítimo, isso aqui deveria ter sido assim. Olha, sinceramente, não me permito discutir isso.
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