O Brasil é recorrentemente citado entre os países que mais matam mulheres no mundo. Os números variam conforme o critério, mas a posição de destaque nesse ranking vergonhoso se repete ano após ano. Mais do que estatísticas, esses dados revelam um padrão persistente de violência de gênero que não pode ser explicado apenas por falhas do sistema de segurança, mas por uma estrutura social que ainda naturaliza o controle e a violência contra mulheres.
A recente série da HBO Max ‘Angela Diniz – Assassinada e condenada’ ajuda a compreender como essa lógica se construiu historicamente. O caso da socialite Angela Diniz, assassinada pelo namorado Doca Street em 1976, marcou o país não apenas pela brutalidade do crime, mas pelo absurdo jurídico e social que se seguiu. No primeiro julgamento, Doca foi absolvido sob a tese da “legítima defesa da honra” e contou com o apoio explícito de uma parcela significativa da sociedade, que o tratou como vítima e justificou o assassinato como reação aceitável a uma suposta afronta moral.
Embora a legislação tenha avançado desde então, a mentalidade que sustenta esse tipo de violência persiste. A maioria dos feminicídios não é fruto de um impulso isolado. São crimes anunciados, precedidos por ameaças, agressões e tentativas de controle. Em muitos casos, o agressor age movido por uma lógica interna em que matar é restaurar uma honra ferida. A punição legal não o dissuade. A prisão é aceita como custo. O que ele busca evitar é a vergonha, não a pena.
Leis mais duras, respostas rápidas da Justiça e atuação firme do Estado são instrumentos indispensáveis no enfrentamento ao feminicídio. Elas salvam vidas no curto prazo, interrompem ciclos de violência e oferecem proteção concreta a mulheres em risco, mas não transformam valores profundamente enraizados. É extremamente difícil alterar, na vida adulta, concepções de masculinidade baseadas na posse, no domínio e na violência como resposta emocional. Quando esses valores já estão consolidados, a ameaça do Estado chega tarde.
A redução efetiva do feminicídio exige uma estratégia de longo prazo, centrada na formação. É na infância, nas escolas e nos ambientes de socialização que se constrói outra lógica. Aprender a lidar com frustração e rejeição. Compreender que ninguém pertence a ninguém. Internalizar o respeito como princípio básico. Essa mudança é lenta, não rende resultados imediatos, mas é a única capaz de alterar o padrão estrutural da violência.
Enquanto o Brasil insistir em tratar o feminicídio apenas como problema policial, continuará repetindo a própria tragédia. A violência só começará a diminuir de forma consistente quando o controle, a ameaça e a agressão forem reconhecidos desde cedo como sinais graves de violência, e não como desvios aceitáveis das relações humanas. Sem essa transformação cultural, seguiremos sendo, por muitos anos, o país que mata mulheres.
Bruno Moreira é publicitário e gestor de marketing.
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