Qual a importância desta vertente gastronômica contemporânea?
FERNANDO MACK
Gastronomia molecular não é um dos termos mais apetitosos do nosso meio, mas é com certeza um dos mais curiosos. Bem além das sobremesas que soltam fumaça gelada esta é, na verdade, umas das nuances mais futuristas da culinária.
A enciclopédia nos ensina que “gastronomia molecular é a ciência dedicada ao estudo dos processos químicos e físicos relacionados à culinária”. É técnico, portanto. E por se estudar baseado na composição dos alimentos, até mesmo em suas moléculas, surge o termo molecular.
O objetivo, contudo, continua sendo o de todo cozinheiro e cozinheira: produzir uma refeição saborosa e, sempre que possível, surpreendente! Mas, o termo “gastronomia molecular” foi criado mesmo em laboratório, em 1988, pelo físico húngaro Nicolas Kurti, da Universidade de Oxford, em parceria com o químico francês Hervé This.
A grande diferença está nos métodos fantásticos de preparar alimentos, combinando com ciência aplicada, misturando aromas, sabores e texturas de formas inusitadas.
Devido às possibilidades, o que parece ser uma gema de ovo pode ser, na verdade, um creme de manga. E aqui começa o maior charme deste jeito de cozinhar: a pessoa imagina que é gema de ovo, mas ao sentir no paladar que é creme de manga é tomada de uma grande surpresa! Entendeu?
"A gastronomia espanhola é um exemplo de boa utilização da gastronomia molecular. Digo isso com propriedade, pois estagiei no incrível El Bulli, restaurante de uma grande referência neste segmento, o catalão Ferran Adrià, que é o mais respeitado chef de cozinha moderna do mundo"
Por se tratar de uma vertente técnica, há uma forte tendência para cursos dos métodos da gastronomia molecular. E o que se aprende? Como mudar a textura dos alimentos, como alterar suas aparências, como acentuar os sabores. Assim, este ramo da gastronomia contemporânea cresce no ramo da prestação de serviços.
Um exemplo desta técnica: Faz-se um creme de manga e, depois de pronto, acrescenta-se a ele uma substância chamada alginato de sódio, que é um tipo de sal.
Depois mergulha-se em colheradas numa vasilha com cloreto de sódio e percebe-se que o creme vai se solidificando. Em pouco tempo, a solução encapsula o creme de manga, que fica parecendo uma gema de ovo. Heis a mágica!
A gastronomia espanhola é um exemplo de boa utilização da gastronomia molecular. Digo isso com propriedade, pois estagiei no incrível El Bulli, restaurante de uma grande referência neste segmento, o catalão Ferran Adrià, que é o mais respeitado chef de cozinha moderna do mundo.
Ao lado de seu irmão, Albert Adrià, lideraram uma tendência que levou a cozinha espanhola ao topo exatamente usando estas técnicas. Os Adrià fizeram muitos discípulos.
E haja técnica! Por exemplo, uma cola de proteína que permite “fundir” filés de tilápia e salmão que, quando preparados em conjunto, geram um sabor muito diferente e marcante, conhecido por “salmãolápia”. Acrescenta-se salada de flores comestíveis e uma brusqueta coberta com caviar feito com cebolinhas. Quanta surpresa, não é mesmo?
Mas, o clássico da gastronomia molecular vem mesmo na sobremesa ultragelada, servida em uma esfumaçante panela de hidrogênio líquido, onde existe uma deliciosa trufa de morango, preparada na hora, ali mesmo na frente de todo mundo.
O chef Hugo Rodas, um amigo que já trabalhou comigo, é proprietário do surpreendente bistrô Seu Majó, em Cuiabá. Ele é especialista em gastronomia contemporânea, trabalhando na linha ítalo-brasileira. Ele conhece bem a culinária molecular.
Para o chef Hugo, “as receitas moleculares são muito boas para fazer detalhes nos pratos”, lembrando que “existem chefs que fazem pratos inteiros com esta técnica, mas isto pode pesar muito, ficar meio artificial. Prefiro compor um prato balanceando a culinária convencional com aquele toque que surpreende, usando as técnicas moleculares”.
No vídeo desta semana, ele nos mostra como fazer o caviar de coco, dentro da gastronomia molecular, que irá compor com um fantástico pudim de abóbora, que é uma receita que veio de sua avó, por exemplo.
Por isso é bom ficar sempre atento aos detalhes contidos nas refeições que comemos. A cada segredo que descobrimos, mais uma surpresa podemos proporcionar.
Assista abaixo a receita de pudim de abóbora com caviar de coco:
FERNANDO MACK é chef, consultor gastronômico e pesquisador independente.