GASTRONOIA 04.12

Outro dia estava conversando com minha esposa, Ana Carolina, sobre o trabalho sem comparações do fotógrafo Sebastião Salgado, que é brasileiro e é reconhecido internacionalmente por seu trabalho que mostra o ser humano de forma profunda, até mesmo antropológica.
O mais interessante, contudo, foi constatar que Salgado, após sua saga fotografando pessoas em situações de muita força social acabou partindo para fotografar a natureza. Ficamos encantados com suas experiências no Alaska, já no Círculo Polar Ártico, onde se relacionou com leões marinhos e baleias. Isso mesmo! Ele não apenas fotografou, mas desenvolveu relacionamentos com estes seres tão ímpares.
Daí nosso papo caminhou naturalmente para comida, cozinha e alimentação, pois este é meu universo e o que respiro em meus dias. Surgiu uma questão muito interessante: qual seria meu papel, enquanto chef, com relação à natureza e, principalmente, pela sua preservação?
Lembrei-me do primo Alex Atala, que mesmo sendo um profissional de largo sucesso se dedica com muita aplicação ao seu projeto socioambiental, o ATA. Também me recordei da recente passagem pelo Peru, por conta do Festival Mistura e refleti sobre a culinária peruana, totalmente centrada em seus próprios produtos, de origem orgânica e gerando saúde, bem como sustento para seus campesinos.
Então, foi fatal que tenha pensado diretamente na comunidade farinheira que produz a fantástica Farinha de Poxoréo (MT), da qual tanto falo, me utilizo e batalho em seu favor. Suas características de produção são bem na linha de um produto feito com técnicas manuais, com elemento humano e sem distorções do processo de produção industrial.
Mas, foi ao analisar a linha da agroecologia e produção comunitária da Comunidade Guadalupe, de Alta Floresta (MT), que percebi o quanto tenho me relacionado com esta vertente de produção saudável e ecologicamente correta. Particularmente, quando vejo o trabalho do grupo desta comunidade que vende seus produtos na Banca Mani, na feira da cidade, é que percebo o diferencial que isso pode trazer para nossas cozinhas.
Falo de utilizar inhames, que são brasileiros, e carás, que são africanos. Penso no chocolate produzido com cacau da floresta, na castanha do Pará buscada na mata, no mel que traz a pureza e a textura de flores em seu habitat natural.
Já pensou em utilizar o sal que vem do aguapé? Já pensou em colocar a pimenta do Xingu no mel da Amazônia? Falamos aqui de alimentos saborosos, nutritivos e muito saudáveis. Sobretudo, produzidos de forma harmônica com a natureza.
Baunilha do Cerrado
Nesta grande reflexão que esta conversa caseira me levou, acabei voltando para nossa região, mais especificamente para Chapada do Guimarães, que tem clima de montanha, cerrado, nutrientes específicos, misticismo e nossa querida Baunilha do Cerrado.
O desafio é produzi-la de forma a ser consumida por nossa população, mas sem perder suas características originais e, também, preservando o ecossistema. Um grande desafio, sem dúvida.
Atualmente já colaboro no trabalho que visa sua domesticação, desenvolvido pelo corpo científico do Centro Universitário Univag. O objetivo é entregar a Baunilha do Cerrado produtiva para a própria comunidade trabalhar com ela.
Assim, eles poderão fazer da forma muito produtiva tal qual é feito pelos campesinos do Peru, pelos agroecologistas de Alta Floresta e pelas comunidades farinheiras de Poxoréo, por exemplo.
Temos obrigação de nos aprofundar nesta questão, pesquisando, compartilhando, preservando e, é claro, cozinhando! Mais que uma análise, isto foi um convite: vamos juntos trabalhar de forma sustentável nossos produtos regionais? Confira a galeria de fotos logo abaixo:
FERNANDO MACK é chef, consultor gastronômico e pesquisador independente.
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