LISLAINE DOS ANJOS
DA REDAÇÃO
Outrora conhecida como berço de políticos que fizeram (e ainda fazem) parte da história do Estado – como as famílias Campos, Taques, França, Canellas e Paes de Barros –, a Rua 24 de Outubro, no bairro Popular, se destaca, hoje, como um cantinho tipicamente cuiabano, na região central da cidade.
Eterna “Rua do Poder”, o alcance político da 24 de Outubro é grande. Dessa viela saíram governadores, senadores, deputados federais e estaduais, prefeitos, secretários de Estado, vereadores e desembargadores.
“Escondida” entre duas grandes avenidas da Capital – Getúlio Vargas e Isaac Póvoas –, a via estreita e perpendicular abriga histórias, casarões antigos e armazéns tradicionais, que hoje dividem espaço com construções modernas e estabelecimentos comerciais e gastronômicos e fomentam a cultura local e divulgam os trabalhos de artistas regionais.

"Ali o comércio é especial, são lojas pequenas, singulares. Foi assim que a Rua 24 de Outubro passou a ser, além da ‘rua do Poder’, uma rua charmosa"
Segundo historiadora Neila Barreto, o crescimento da cidade mudou alguns aspectos urbanísticos e alterou hábitos dos moradores mais antigos da rua, que, antes do aumento da violência, se juntavam nas calçadas ao anoitecer para longas conversas com os vizinhos.
A pesquisadora, que morou na via durante as décadas de 1960 e 1970, comenta que o local deixou de se tornar um reduto residencial e passou a abrigar comércios – principalmente, aqueles voltados para os setores de decoração e artes –, quando da expansão imobiliária da Capital – principalmente com a criação de torres residenciais.
“Quando Cuiabá começou a ter essa expansão imobiliária, as pessoas mais velhas começaram a migrar para os apartamentos, porque ficavam sozinhas. Hoje, são poucos os que permanecem ali. E então, os casarões começaram a dar lugar a esses pequenos comércios. É o caso, por exemplo, do casarão da família Figueiredo, que se transformou em uma casa de artigos para decoração”, contou a historiadora.
Neila Barreto ressaltou que, apesar de dar espaço ao comércio, a preferência das famílias, no momento de alugar ou vender a residência, era para comerciantes que se comprometessem em manter a fachada original do local, preservando assim a história local.
“Ali o comércio é especial, são lojas pequenas, singulares. Foi assim que a Rua 24 de Outubro passou a ser, além da 'Rua do Poder’, uma rua charmosa. Quem passa por ali, tem aquela sensação de voltar no tempo, uma sensação de tranquilidade. Você vê os casarões, os armazéns, as galerias que mantém as fachadas de anos atrás”, disse.
Tudo isso contribui para que a via seja vista como detentora de um toque todo especial, que faz com que ela seja um ponto de referência cultural e artístico no coração de Cuiabá.
“Ali é um reduto de artistas e de artes. É um dos poucos lugares, também, onde ainda existem os ‘bulixos’, onde se vende de tudo um pouco. Se você quer algum objeto de decoração, de arte, algo para casa ou para comer, é só ir à 24 de Outubro”, disse.
Mary Juruna/MidiaNews
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Casa das Molduras, inaugurada há 24 anos, na Rua 24 de Outubro
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Ponto cultural e turísticoApesar de ser muito conhecida pelas famílias cuiabanas mais antigas, a Rua 24 de Outubro também é frequentada, hoje, por pessoas que estão de passagem pela Capital ou que a ‘descobriram’, ao explorar as ruas da região central – e que, posteriormente, se tornaram visitantes fiéis do local.
A chamada massificação da rua começou nos últimos anos, por meio da criação de eventos realizados pelos próprios moradores e comerciantes locais.
É o caso, por exemplo, do Bazar Passarinhos (2010) e, mais recentemente, dos movimentos “Cadeiras na Calçada” e “Um Dia Só” – este último promovido no Espaço Magnólia, próximo à extremidade da rua que chega à Rua Estevão de Mendonça.
“A 24 de Outubro tem um ar interiorano, com relações tranquilas e é isso que as pessoas procuram hoje. Elas vêm para a 24 de Outubro para procurar objetos com alma, apreciar o belo, para desestressar”, definiu a jornalista e empresária Creuza Medeiros, dona do Espaço Magnólia e de uma loja que leva seu nome.
Creuza, que deixou de lado a carreira de jornalista para se dedicar ao seu estabelecimento, explica que os eventos realizados na rua atraem centenas de pessoas, a cada ocasião.
“O principal objetivo desses movimentos é fazer um resgate de encontros e passeios que podem ser feitos com a família”, explicou.
O charme da 24 de Outubro foi o que fez com que, nesse mesmo dia no ano passado, a jornalista inaugurasse o "Armazém da Creuza" e deixasse para trás o ritmo acelerado das redações.
Lislaine dos Anjos/MidiaNews
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Armazém da Creuza, no Espaço Magnólia
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“Sou cliente da rua há 20 anos e sempre me identifiquei com essa característica mais natural e mais aconchegante que existe na 24 de outubro. É uma questão de identificação, mesmo. Sempre tive esse foco no regional. Todos que frequentam a 24 de outubro gostam da mesma coisa: gostam de artesanato, de arte e sabem que aqui elas vão encontrar isso”, disse.
Fornecedoras do Armazém, as artistas Soraia Mourão – que produz bolsas, colares e chapéus feitos à mão há 13 anos – e Adriana Milano – que há oito trabalha com relicários, quadros e utilitários – vão além ao definir a importância da via.
“Aqui é oásis da tradição. Aqui convivem moradores antigos e comércio, pacificamente”, afirmam.
Jaine Roque, dona do ateliê de camisetas Mary Jay – onde faz aplicação de cetim e bordados à mão – mora há 28 anos na via e não tem dúvidas sobre o local escolhido para montar seu comércio.
“Aqui se mantém como um eterno cantinho cuiabano e todos buscam preservar isso”, afirmou.
O inícioPara Creuza, a rua começou a se transformar em um referencial cultural, artístico e turístico a partir da abertura da Casa das Molduras, há 24 anos.
O local reúne o serviço que dá o nome ao estabelecimento à comercialização e exposição de trabalhos de artistas plásticos de renome entre os cuiabanos, como Jonas Barros – que mora ao lado do referido comércio.

"Todos que frequentam a 24 de outubro gostam da mesma coisa: gostam de artesanato, de arte e sabem que aqui elas vão encontrar isso"
Um dos proprietários da Casa das Molduras, Ronaldo Rodrigues acredita que dar um espaço aos artistas regionais para a exposição de suas obras, bem como fomentar a comercialização – aliada ao carro-chefe da casa, que são as molduras, fez com que o local passasse a ser atrair pessoas de todos os cantos.
“Desde o primeiro ano trabalhamos com os artistas plásticos. Acredito que o que fez com que a rua se tornasse o que é hoje é a sua localização e o empenho de todos os moradores e comerciantes em preservar a história, a cultura cuiabana”, disse.
Antes e depoisAntes da “invasão cultural e artística”, o comércio mais comum na via era os armazéns – como os dos Campos, especializado em mantimentos, e do senhor Abraão, que permanece até hoje em funcionamento, sendo um dos comércios mais antigos da via.
Hoje, são vários os tipos de estabelecimentos comerciais encontrados na rua, que vão desde gastronomia – como o Casarão da Dega, onde cada dia é servido uma refeição diferente, mas sempre caseira, e a Da Feira Tapiocaria, que oferece todos os sabores possíveis de tapiocas salgadas e doces –, a objetos de arte, decoração e acessórios únicos, feitos por artistas como Alair Fogaça, Tereza Aguiar e Jonas Barros, sem contar as casas noturnas que também surgiram no local.
PersonagensEntre alguns personagens que fazem parte da história da Rua 24 de Outubro estão o atual senador Pedro Taques; os desembargadores Wandir Clait Duarte e Mauro José Pereira; o artista Liu Arruda (um dos ícones da cultura mato-grossense); o historiador Virgílio Corrêa e o advogado Elarmin Miranda.

"Aqui é oásis da tradição. Aqui convivem moradores antigos e comércio, pacificamente"
Também passaram pela via o professor Ranulpho Paes de Barros (pai do jornalista e político Antero Paes de Barros) e os políticos Frederico, Júlio e Jaime Campos, Benedito Canellas, Roberto França, Júlio Domingos de Campos – o seo Fiote - Zanete Cardinal.
EventoQuem quiser conhecer um pouco mais sobre a Rua 24 de Outubro pode conferir, in loco, todo o charme da via no próximo dia 15 de junho, quando acontece mais uma edição do movimento “Um Dia Só”, das 9h às 21h, no Espaço Magnólia.
O evento reúne vários tipos de expressões artísticas – tudo feito à mão, que é o forte da via.
Além de poder curtir apresentações musicais e conferir os trabalhos de artistas locais, os convidados ainda poderão admirar as roupas, objetos de artesanato, acessórios e refeições caseiras feitas pelos comerciantes da rua.