LISLAINE DOS ANJOS
DA REDAÇÃO
Com mais uma falha no sistema da Estação de Tratamento de Água do Tijucal (ETA Tijucal), milhares de famílias cuiabanas voltaram a enfrentar um problema que achavam que já estava resolvido: a falta de abastecimento de água. Há um mês no comando da Sanecap, a CAB Ambiental prometeu melhorias imediatas, mas não foi capaz de evitar uma pane no bombeamento, no setor de captação, que acabou atingindo moradores de 83 bairros de Cuiabá - estimativas apontam entre 40 e 60 mil pessoas sem água.
O problema, na verdade, é crônico. Quando foi inaugurada, em março de 2010, a ETA Tijucal foi apresentada pelo então prefeito Wilson Santos (PSDB) como a solução para as frequentes “secas” vivenciadas pelos moradores da Zona Sul de Cuiabá.
Porém, desde então, a população atendida pela estação têm aprendido a se precaver contra as torneiras secas e a economizar o uso de água, para evitar maiores sofrimentos. A CAB Ambiental admite que o problema na estação é grave e uma solução demanda muito tempo.
Na última quarta-feira (16), 83 bairros das regiões do Coxipó e do CPA, tiveram o fornecimento cortado.
No final da tarde de sexta-feira (18), alguns bairros voltaram a contar com o fornecimento, mas a água ainda estava chegando fraca nas torneiras, sem pressão suficiente para encher as caixas-d’água. A previsão é de que o serviço seria normalizado até domingo (20).
Entre os bairros atingidos pela "seca" estão Osmar Cabral, Pedra 90, Tijucal, São João Del Rey, CPA III, CPA IV, Boa Esperança, Jardim Passaredo, São Francisco, Altos do Coxipó, Jardim dos Ipês, 1º de Março, Três Barras, Recanto dos Pássaros, Jardim Imperial I e II e Planalto.
Algumas escolas e creches municipais chegaram a suspender o atendimento aos alunos por falta d'água, que compromete o uso dos banheiros e impede que a merenda escolar seja feita.
O
MidiaNews acompanhou, durante dois dias, o drama vivido por famílias que foram atingidas pelo corte de abastecimento em alguns bairros da Capital.
Os moradores dos bairros atendidos pela ETA Tijucal não demonstraram surpresa com o novo problema apresentado pela estação - e mostraram ceticismo com o aviso de que o abastecimento seria regularizado em poucos dias. Para eles, mesmo com o abastecimento “normal”, a torneira está sempre seca.
São João Del ReyMoradores da região há 22 anos e comerciantes com ponto na avenida principal do bairro São João Del Rey, o casal Laerte Alves Pereira e Maria Antônia Pereira disse ao site que já se acostumou a se "virar sozinho" para garantir água em casa.
Laerte contou que, como sempre tem algum problema para ser resolvido na estação, decidiu comprar bombas-d’água para instalar em casa e não mais esperar pelo abastecimento. Há dois dias, ele tem usado água da chuva para atender às necessidades básicas da família.
Lislaine dos Anjos/MidiaNews
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“Eu junto água da chuva e mando pra caixa, com a ajuda de bombas-d’água, ou então a gente paga um caminhão-pipa. Ontem [quinta-feira], era dia de vir água e não veio. Todo dia tem um estrago na ETA Tijucal. Estamos pensando em fazer um poço e instalar a bomba lá, porque eu moro a 100 metros da estação de tratamento e aqui falta água direto”, disse.
Segundo Laerte, a preocupação com a falta de abastecimento desaparece apenas durante as épocas de campanha eleitoral, quando os problemas diminuem. No entanto, a única coisa que nunca falha, garantiu o comerciante, é a data de recebimento e pagamento da conta.
“Quando é época de eleição, aí não falta. Tem água todo dia. Um pouco desse problema de abastecimento é falta de vontade mesmo. Porque quando é feriado e domingo, aí sim, que não tem atendimento. Mas o ‘papelzinho de cobrança’, esse não falha. Sempre chega”, reclamou.
O mesmo problema é enfrentando pela comerciante Elizena Aparecida, que mora ao lado da estação. Segundo ela, é normal ver a água correndo pelas ruas da avenida, enquanto as torneiras continuam secas.
Ela mudou de Campo Verde (130 km ao Sul da Cuiabá) há seis anos e, desde 2010, mora no bairro São João Del Rey. Desde então, também, sofre com a seca constante.
“Se você não tiver depósito, principalmente para aparar água da chuva, fico sem água. Moro aqui há dois anos, e sempre teve esse problema. Como não tenho bomba, pego no baldinho pra levar pra pia, lavar a louça e fazer tudo o que precisa”, contou.
Dona Elizena conta que já chegou a passar duas semanas sem água em casa, tendo que recorrer à contratação de caminhão-pipa para não passar mais necessidade.
“Quando não chove, a gente compra caminhão-pipa. Eles dizem que se você anda em dia com a conta, eles mandam. Mas eu sempre paguei, senão não vem”, afirmou.
Ela ressaltou ainda que, mesmo quando a água chega, nem sempre pode ser usada, porque chega à torneira suja ou exalando odores fortes, impossibilitando seu uso.
“Se for para beber, eu compro, porque essa água não dá para tomar. Ela não vem sempre limpa, não. Vem marrom, vermelha, fedendo”, reclamou.
Jardim Imperial II
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Gonçalo Alencar dobrou a venda de garrafões de água em seu mercado
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Dono de um mercado localizado na Avenida das Torres, na entrada do bairro Jardim Imperial II, o comerciante Gonçalo Alencar já está lutando com a falta d’água há quase duas semanas.
“Afeta o comércio, afeta tudo. Você precisa ficar ‘regrando’ o consumo, para não ficar sem água. A água vem ‘fraquinha’, não sobe para as caixas-d’água e não dá para suprir a necessidade de uma família inteira”, afirmou.
Alencar também dobrou as vendas de garrafões de água mineral em seu estabelecimento, uma vez que a população passou a recorrer a esse meio, emergencialmente, para não ficar sem água para beber e cozinhar.
“Antes, eu vendia dez garrafões (de água) por dia; agora, estou vendendo 20, porque tem gente que está até usando água mineral para tomar banho, lavar roupa, beber”, contou.
Uma quadra adiante, a dona de casa Lorice Maria do Nascimento, há dez dias, luta para racionar a água armazenada, enquanto o sistema de abastecimento não é normalizado.
“Não posso lavar roupa, por exemplo, que é para não desperdiçar. Consegui até ficar bem, porque a água parou de vir faz dez dias, mas minha caixa só foi secar ontem (17)”, disse.
Lorice ressaltou, porém, que nunca havia passado por esse tipo de situação antes e que, por sorte, conseguiu se prevenir a tempo.
“Isso (de faltar água) começou a acontecer de dois meses para cá. Antes, vinha água normalmente”, afirmou.
Tijucal Apesar de o problema na bomba d’água da ETA Tijucal ter sido detectado apenas no final da tarde de quarta-feira (16), desde terça-feira (15), os moradores do Tijucal estão sem contar com o abastecimento nas torneiras.
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Gilda mostra que o problema não foi resolvido pela CAB Ambiental
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Os dois reservatórios de mil litros cada, existentes na casa de dona Gilda Maria da Silva, não foram suficientes para impedir que o corte no abastecimento fosse sentido pela família. Na quinta-feira (17), as duas caixas já estavam secas.
Para garantir o uso do banheiro da residência, ela foi a pé até a casa da vizinha, com um balde na mão, para pegar um pouco de água. Na sexta-feira (18), a família já não tinha água suficiente para cozinhar.
“Fui com um balde na casa da vizinha, que tem um reservatório maior e que fica no chão, para pegar um pouco e deixar no banheiro. Mas, hoje eu já não fiz almoço”, afirmou.
Ela afirmou ainda que, junto com outros moradores da rua, solicitou à CAB Ambiental o envio de um caminhão pipa, mas não sabe se realmente serão contemplados.
A empresa afirmou aos moradores que estava priorizando o atendimento aos hospitais e escolas e que enviaria ao local, dentro de 48 horas, uma unidade para atendê-los. O prazo dado vence neste sábado (19).
Para sua vizinha, Maria Aparecida da Silva, a esperança de que os serviços melhorassem com a mudança da concessionária responsável pelo abastecimento já desapareceu.
“Desde que eles pegaram esse negócio aí, piorou o serviço. Antes de a CAB assumir, vinha água duas vezes por dia, de manhã e à tarde. E, agora, vem um pouco só de manhã. Com a Sanecap podia ser ruim, mas vinha duas vezes por dia, não era em dias alternados. Agora, vem um pouquinho só, fraquinha, e eles já cortam. Não dá tempo de encher a caixa-d’água”, reclamou.
Recanto dos Pássaros
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Vânia Padilha: esta é a terceira vez que ela é pega de surpresa
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No Residencial Recanto do Salvador, a água começou voltar fraca na sexta-feira (18), e Vânia Padilha já estava pensando em se mudar para casa de algum parente, durante o final de semana, até que a situação fosse regularizada.
Com sete pessoas morando em casa, entre elas crianças e adolescentes, ela reclamou que essa já é a terceira vez que falta água em casa, desde que o serviço de abastecimento foi transferido do poço local para a ETA Tijucal.
“Ontem, eu comecei a emprestar água dos vizinhos. Eu subo até a casa de um vizinho meu, que está viajando e emprestou a chave, e desço com baldes e garrafas d’água, para deixar aqui em casa”, contou.
Vânia afirmou que, para fazer “render” a água colhida, ela passou a não lavar roupas e comer pouco, para evitar sujar muita louça.
“Tem que comer só o básico e, até mesmo, comprar comida, para sujar o mínimo possível”, disse.
Segundo ela, faltou um aviso prévio aos moradores, para que eles pudessem se preparar e racionar o uso da água.
“Ontem (17), quando cheguei do trabalho, minha filha falou que a caixa estava seca. Aí que eu fui ver no noticiário que a ETA tinha estragado. Eles podiam avisar antes, porque nós fomos pegos de surpresa”, reclamou.
ETA Tijucal Inaugurada em março de 2010 – após 15 meses de atraso no prazo de entrega – e considerada uma das heranças do Governo Wilson Santos, a ETA Tijucal custou aos cofres públicos R$ 75 milhões e, desde então, vem apresentando problemas para atender à população da região Sul da Capital.
CAB Ambiental
Lislaine dos Anjos/MidiaNews
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ETA Tijucal: problema na bomba d'água afetou milhares de pessoas
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A Companhia de Águas do Brasil (CAB Ambiental), concessionária que assumiu os serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário da Capital em abril, afirmou, por meio de nota, que as bombas de captação de água foram afetadas pelas constantes chuvas e a manutenção deverá durar cerca de quatro dias.
No entanto, a empresa destacou a precariedade dos materiais usados no abastecimento de água e não descarta a possibilidade de que problemas como este voltem a acontecer.
Por meio de nota, a CAB Ambiental destacou tratar-se de um problema complexo e de manutenção delicada, o que demanda tempo para ser consertado.
A reportagem do
MidiaNews se deslocou até à ETA Tijucal para registrar o que estava sendo feito, mas a empresa não autorizou a entrada da equipe.
Segundo o segurança plantonista da estação de tratamento, nenhum diretor estava no local e os operários presentes não tinham autorização para comentar o assunto.
Por telefone, o gerente operacional da CAB Ambiental, Hélio Castro, afirmou que problemas como este podem se repetir ao longo do próximo ano, mas que a empresa está fazendo as manutenções necessárias para evitar que isso aconteça.
“O pior problema encontrado foi na ETA Tijucal. Lá existem dois bombeadores e nós retiramos um para fazer a manutenção e, enquanto isso, a outra bomba quebrou, porque também já estava velha. Nós fizemos uma recuperação emergencial nessa que quebrou e o abastecimento está voltando e será regularizado até domingo. Assim que a outra bomba retornar da oficina, iremos retirar essa que apresentou problemas e enviá-la para passar pela mesma manutenção. Elas voltam da oficina como novas”, garantiu.
Até a recuperação total das bombas, que ficam até dois meses na oficina cada uma e poderão levar até um ano para que todas sejam recuperadas, o gerente orienta a população cuiabana a economizar água, para evitar imprevistos.
A duração do contrato de concessão dos serviços é de 30 anos. De acordo com o contrato assinado pela CAB com a Prefeitura de Cuaibá, a empresa deverá levar água para todas as casas de Cuiabá em um prazo de até três anos e precisa acabar com os problemas de tratamento de esgoto doméstico dentro de 10 anos.
A empresa já afirmou que vai investir cerca de R$ 900 milhões na Capital, sendo que R$ 315 milhões serão aplicados durante os primeiros cinco anos de contrato.