LISLAINE DOS ANJOS
DA REDAÇÃO
Duas horas e meia de depoimentos não foram suficientes para mudar a opinião dos membros do Ministério Público Estadual e Federal sobre a escolha do VLT (Veículo Leve sobre Trilho) como novo modal de transporte coletivo para a Copa do Mundo de 2014.
O promotor de Justiça Clóvis de Almeida Júnior afirmou, após a realização da audiência de justificativa prévia, convocada pela Justiça Federal, que não ouviu "nada de novo" por parte do Estado.
O juiz federal Julier Sebastião da Silva decide, anuncia, nesta quinta-feira (16) à tarde, se mantém ou derruba a liminar que suspendeu o contrato e as obras do sistema em Cuiabá e Várzea Grande.
“Saio tranquilo dessa audiência. Para mim, ficou provado que o Estado não se planejou”, afirmou.
O procurador da República Rodrigo Golívio, que também assina a ação civil pública contra o Estado, partilhou da opinião do colega. “As testemunhas trouxeram o que já era sabido, a posição delas. Mas não contestaram o que os órgãos de controle atestaram nos autos”, disse.

"O Estado está satisfeito com a reconsideração e com os depoimentos prestados"
Do outro lado, o procurador-geral do Estado, Jenz Prochnow Júnior, manteve o otimismo já demonstrado anteriormente.
Ele declarou estar satisfeito com os resultados dos depoimentos prestados pelos representantes do Governo do Estado, os secretários de Fazenda e da Copa do Mundo, Marcel Cursi e Maurício Guimarães, respectivamente, bem como os prazos apresentados pelo engenheiro do Consórcio VLT Cuiabá, responsável pelas obras, Fernando Orsini.
“Conseguimos reforçar para o juiz e para a comunidade presente, aquilo que o Estado já tinha falado no seu pedido de reconsideração. A meu ver, tudo que já foi colocado aí é velho. Tanto é que o próprio Maurício falou que tiveram audiências antes e quem veio pode participar. Isso já foi debatido. O Estado está satisfeito com a reconsideração e com os depoimentos prestados aqui hoje”, afirmou.
“Politicagem”O procurador da República rebateu, ao final da audiência, as especulações de que a ação do MP seja movida por “politicagem”, visando o não desenvolvimento da cidade.
“A atuação do Ministério Público é uma atuação séria, pautada pela legalidade, pelo interesse público. Infelizmente, vez por outra, há distorções com relação à opinião publica, e aí foge uma imagem do Ministério Público como alguém querendo prejudicar a sociedade. Isso não é verdade”, disse.
Thiago Bergamasco/MidiaNews
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Procurador-geral do Estado, Jenz Prochnow diz sair satisfeito de audiência
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Segundo ele, o órgão apenas demorou a se manifestar com o processo por depender da juntada de documentos essenciais para o ingresso da ação.
“Existiam inquéritos civis fazendo apurações. Isso depende de uma instrução e de uma opinião técnica, não é tão simples. Hoje, que nós temos acesso a uma série de informações, nós podemos ter uma opinião mais precisa sobre o assunto, que é muito complexo”, afirmou.
O promotor de Justiça também justificou a demora na ação como necessária para que o MP não tomasse nenhuma atitude precipitada, que pudesse colocar em xeque o processo, posteriormente, por falta de documentos necessários.
“Gostaria de ter entrado antes? Sim, mas não foi possível em razão do próprio acúmulo de documentos para serem analisados. Mas só agora nós conseguimos todos os documentos que precisávamos sobre a questão do endividamento do Estado, da documentação do Ministério das Cidades, a responsabilização dessas servidoras do Ministério pela alteração indevida da Matriz de Responsabilidade... O tempo gasto foi necessário para analisar com cautela. Se a gente tivesse entrado com essa medida sem analisar direito, a gente estaria pecando justamente por aquilo que a gente está buscando que não aconteça, ou seja, pela pressa”, justificou.
Polêmica na licitaçãoPara o representante do MPE, o Governo do Estado assumiu um risco ao adotar o Regime Diferenciado de Contratação (RDC) em detrimento do modelo comum de licitação, sem garantias que a obra será entregue a tempo.
“O RDC só pode ser usado para obras de Copa do Mundo ou das Olimpíadas, e agora vai ser estendido para o PAC também. Então, se você tem uma obra que não vai ficar pronta para a Copa, você não tem porque manter ela dentro do RDC, que tira as cautelas da lei de licitação. O RDC, ao mesmo tempo em que agiliza, também se torna temerário porque prejudica a fiscalização”, disse Almeida Júnior.
O promotor criticou a mudança de modal feita pelo Estado, sem que fosse feito um planejamento de crescimento da cidade e sem a realização antecipada de estudos de demanda, tarifas e integração, projetos necessários para a implantação do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) na Grande Cuiabá.
“Nada foi respondido pelo Estado. Eles não sabem e isso tudo devia ter antecedido o contrato. Agora, eles ficaram anos em cima de um modal, de uma hora pra outra resolvem mudar de ideia, e aí quer fazer tudo a toque de caixa? Não é assim que funciona”, disse.

"Ficaram anos em cima de um modal, de uma hora pra outra resolvem mudar de ideia, e aí quer fazer tudo a toque de caixa? Não é assim que funciona"
Apesar do regime de contratação adotado pelo Estado prever o pagamento de multas, por parte das empresas responsáveis, no caso das obras não serem entregues dentro do prazo estipulado, o MP não acredita que essa seja uma regra eficiente para impedir o atraso nas obras.
“Não acredito que a multa seja uma garantia efetiva e o MP não busca isso, não queremos o dinheiro da empresa. Queremos que a obra fique pronta dentro do cronograma e do que foi pactuado”, salientou o promotor.
Segundo o procurador da República Rodrigo Golívio, não há dúvidas quanto a pouca probabilidade do VLT ser entregue a tempo para a Copa do Mundo, uma vez que laudos emitidos pela Controladoria Geral da União e pelo próprio Ministério das Cidades, antes da alteração, afirmariam isso.
“Todos os órgãos de controle que tiveram acesso aos dados que foram apresentados, que foi a CGU e o Ministério das Cidades no parecer que não foi alterado, disseram que não há viabilidade de se construir essa obra no prazo. Como foi visto aqui, todo o esteio desse empreendimento é o que dizem as empresas. O Ministério Público está se importando com o que dizem os órgãos de controle. E eles dizem que o empreendimento é inviável. Nós não podemos fechar os olhos para o que dizem os órgãos de controle e abrir para o que dizem empresários que tem interesse no caso”, criticou.
Thiago Bergamasco/MidiaNews
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O promotor Clóvis de Almeida, que se manteve contra VLT
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Golívio deixou claro que o MP pretende tomar todas as medidas cabíveis para restaurar a legalidade, julgada por eles perdida, no processo de instalação do modal na Capital.
“Nós vamos tomar as medidas que estiverem ao nosso alcance para restaurarmos a legalidade. Se isso vai implicar na saída ou não do VLT, está submetido ao poder judiciário que irá tomar a decisão adequada”, disse.
Sem preferência Os membros do Ministério Público ressaltaram que não são a favor da implantação do Bus Rapid Transit (BRT) no lugar do VLT, apesar de ter sido usado como argumento comparativo na ação movida por eles.
“Não temos opção sobre um modal específico. Para, planeja certo e se tiver que fazer, faz. O MP não é contra a obra, é contra as irregularidades. A questão do modal, nós reconhecemos que é uma questão política, mas tecnicamente afere-se que o VLT não é o mais adequado”, afirmou o procurador da República.
“Essa é uma obra magnífica, enorme, que uma vez iniciada e a cidade estiver toda quebrada, só vai ter um caminho: concluí-la, custe o que custar. E é bom que a sociedade saiba disso. Eu não tenho dúvidas de que a obra será concluída. A questão é a que custo isso será feito, se será no prazo e, no final das contas, se será um bom investimento para a sociedade”, argumentou Golívio.
Sem riscos para a CopaO promotor de Justiça afirmou que, caso as obras do VLT não sejam realizadas e nenhum modal de transporte público seja implantado, isso não compromete a participação de Cuiabá como uma das sedes do Mundial de 2014.
“Não tem problema o trem não ficar pronto para a Copa. Ele não é necessário, essencial. Ninguém vai para o estádio de VLT. Ele sai do Aeroporto e vai para o Centro, enquanto a Arena está lá no Verdão. O caderno de encargos [Matriz de Reponsabilidade] pede que a cidade tenha mobilidade. Se você tiver como chegar de forma adequada na Arena Pantanal, você cumpriu com o seu encargo”, afirmou.

"Não temos opção sobre um modal específico", diz MP
Para Almeida Júnior, a declaração do secretário Maurício Guimarães de que o Estado tem capacidade de endividamento para a realização dessa obra independente de ser sede ou não da Copa do Mundo, prova que não era necessária a adoção do RDC na licitação da obra, visando o evento.
“Se o secretário de Estado vem e diz que o Estado pode executar essa obra sem uma linha de financiamento específica, ou poderia até mesmo estar utilizando agora essa linha de financiamento do PAC da Mobilidade, então não tem nada que obrigue a manutenção desse modal dentro da Matriz de Responsabilidade para a Copa do Mundo”, disse.