Cuiabá, Domingo, 15 de Junho de 2025
OBRAS DA COPA
25.08.2013 | 08h05 Tamanho do texto A- A+

“Cuiabá mostrou que faltou à aula de planejamento”

Promotor Clóvis de Almeida Jr. critica forma como Estado está organizando o Mundial

Isa Sousa/MidiaNews

Promotor Clóvis de Almeida: "Se houver  irregularidades, responsáveis serão punidos"

Promotor Clóvis de Almeida: "Se houver irregularidades, responsáveis serão punidos"

LISLAINE DOS ANJOS
DA REDAÇÃO
Considerado um dos mais atuantes promotores do Ministério Público Estadual, Clóvis de Almeida Júnior, 39, não poupa críticas à atuação dos gestores responsáveis pela organização da Copa do Mundo de 2014 em Cuiabá.

Para completar, ele avalia como “um ponto sem volta” a atual situação da Capital, diante de cerca de 40 obras de mobilidade e travessia urbana.

Responsável por investigar as denúncias relativas às obras da Copa do Mundo e Licitações e Contratos, Almeida Júnior é um dos autores da ação judicial que culminou em paralisações da obra do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) e no Caso das Land Rovers, que levou ao bloqueio de bens de ex-diretores da extinta Agecopa - entre eles, o ex-secretário Eder Moraes.

O promotor é enfático ao afirmar que não passa um dia sem que uma denúncia relativa aos procedimentos de preparação da cidade para o Mundial não seja recebida pelo seu gabinete, e critica a falta de organização do Governo do Estado:

“Tudo começou lá atrás, quando da não realização das obras de desbloqueio. Quando você começa a atropelar as coisas, você terá problemas lá na frente. [...] Cuiabá mostrou que pecou, faltou à aula de planejamento”, afirmou.

Em Mato Grosso desde dezembro de 1997, quando ingressou no MPE, Almeida Júnior é natural de Presidente Prudente (SP) e atua em Cuiabá há oito anos, na 36ª Promotoria do Núcleo de Defesa do Patrimônio Público e da Probidade Administrativa.

Antes disso, atuou nas promotorias de Alto Araguaia, Sorriso, Primavera do Leste e Cáceres.

"Cuiabá está com problemas de metrópole, sem ser uma. É uma cidade suja, toda esburacada, que não tem calçadas ou saneamento básico, mas é uma cidade que tem uma arena"

Confira os principais trechos da entrevista concedida pelo promotor Clóvis Júnior ao MidiaNews:

MidiaNews – Do ponto de vista da legalidade, da moralidade e do bom uso do dinheiro público, como o senhor avalia o aporte de recursos para a Copa do Pantanal por parte do Governo do Estado? Está tudo dentro da normalidade?


Clóvis de Almeida Júnior –
A gestão pública não cabe ao Ministério Público. Até a interferência do MP e do Judiciário na administração é vista como excepcional. Pode acontecer, como ocorreu nesta semana, quando a Justiça determinou que recursos da Copa fossem utilizados no Hospital Universitário Júlio Müller. Isso daí a gente requer quando não tem outra medida, outro tipo de gestão que possa ser feito. O que o Ministério Público entende é que Mato Grosso tem “n” áreas que precisam de aporte financeiro, que precisam receber um reforço do Estado, e que o direcionamento para a Copa do Mundo teria que ter sido feito com muito mais planejamento. Eu não me engano de que o investimento nesse tipo de evento cria empregos, aumenta arrecadação... Mas, se feito de maneira planejada. Eu não posso abandonar a Saúde, a Educação e outras áreas essenciais para viabilizar esse evento.

MidiaNews – Então, o senhor acredita que está havendo abandono?


Almeida – Eu não digo um abandono, porque isso seria se tudo tivesse sido deixado de lado. O que a gente percebeu, nesses últimos anos, foi que os cuidados foram mais com a Copa do Mundo e menos com essas áreas essenciais.

MidiaNews – Há alguma ilegalidade nisso?

Almeida –
Não. Ilegalidade, não. Porque o Governo tem, na Lei de Responsabilidade Fiscal, na Constituição, o percentual [dos recursos] que deve ser aplicado nessas áreas. Eles cumprem. Tem até uma discussão que a Constituição Estadual prevê um investimento maior que a Constituição Federal. E esse investimento não é realizado, porque o Estado atende à Constituição Federal, não a Estadual. Isso é uma discussão de longa data que, inclusive, está judicializada porque essa norma foi atacada com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade. Então, legalmente falando, o Estado cumpre com as responsabilidades. Mas, o que a gente percebe é que, no fim da cadeia, onde está o cidadão comum, este sim, está sendo prejudicado pela falta de gestão em relação à organização da Copa do Mundo. Até porque, para organizar essa Copa do Mundo, não era necessário que fosse feito tudo ao mesmo tempo. O MP notificou o Estado há muito tempo atrás, para que os gestores da época se organizassem, para que as obras não sofressem atrasos, para que fossem feitas as obras de desbloqueio, e eles não se atentaram a isso. O que aconteceu? Todas as obras começaram a ser executadas de uma vez. E aí, a gente viu o que está acontecendo. O que a gente fica triste é que isso tudo poderia ter sido evitado.

"É difícil a gente passar um dia sem denúncia, aqui na Promotoria"

MidiaNews – Essa notificação do MP ao qual o senhor se refere foi feita antes do início das obras, não?

Almeida –
Foi, quando as obras ainda estavam em fase de planejamento. O prazo começou a apertar e a gente viu que, se as providências não fossem tomadas imediatamente, isso poderia acontecer, mas, infelizmente, os gestores da época não se atentaram. Aí, começaram a executar as obras todas de uma vez e a gente teve que enfrentar essa situação de agora. Cuiabá é uma cidade que tem uma grande população, mas não pode ser considerada uma metrópole ainda. Mas, ela está com problemas de metrópole, sem ser uma. É uma cidade suja, toda esburacada, que não tem calçadas ou saneamento básico, mas é uma cidade que tem uma arena.

MidiaNews – O senhor acredita, então, que não há zelo com o dinheiro público por parte dos gestores que comandam o Mundial em Cuiabá?

Almeida –
Falta de zelo seria você desperdiçar. Eu acho que não dá para a gente se colocar no lugar do gestor e falar que 'eu faria diferente, faria de outra forma”. Eles têm que cumprir com suas obrigações. O que a gente tem certeza que ocorre é uma gestão prejudicada, questão de organização mesmo'. Nisso daí, o Governo pecou. E quando isso acontece, você acaba desperdiçando dinheiro. Infelizmente, a gente viu isso acontecer com abandono de obras, paralisações, greve, com uma série de fatores que ocorreram nos últimos anos nessas obras e que poderiam ter sido evitados. E que, normalmente, tem que fazer parte de um planejamento. Você tem que saber que, em obras de longo prazo como essas, você vai enfrentar certas intempéries. Então, no planejamento, você tem que contemplar isso. A gente ouviu muito, há uns meses atrás, o argumento de que as chuvas atrasaram as obras. Mas, todo ano chove. Quem conhece a região Centro-Oeste, o local onde Cuiabá está situada, sabe que de novembro a março chove muito. E essas chuvas, às vezes, se alongam um pouco, mas não a ponto de comprometer o andamento das obras. Então, qual é essa relação? Mesmo se essas chuvas tivessem sido a causa do atraso nas obras, já teríamos quer ter um monte delas concluídas. E isso não aconteceu.

Estamos fazendo um mapeamento de todas as obras que estão ocorrendo desde o início, da assinatura do contrato, se teve aditivo ou não, qual era o valor inicial e o valor projetado. E estamos fazendo um comparativo entre as medições da Secopa e as medições do Tribunal de Contas do Estado (TCE). De qualquer forma, Cuiabá está em um ponto sem volta. Não dá mais para a gente dizer que “o que está feito, está feito e vamos parar por aqui”. Agora, o que começou tem que ser concluído. Então, hoje, a grande luta do grupo será para que tudo seja concluído da melhor forma possível. E aí, nós vamos avaliar o que ficou de prejuízo para o Estado por má gestão, por culpa ou, se não teve culpa, para poder responsabilizar quem deu causa ao prejuízo. Então, por exemplo, em caso de abandono de obra, a empresa que abandonou vai ser responsabilizada. No caso de má gestão, o gestor vai ser responsabilizado. Já começamos essa análise e quem tiver que ser responsabilizado, vai ser.

Isa Sousa/MidiaNews

"Há divergências em medições feitas pela Secopa e pelo TCE"

MidiaNews – Nessa comparação que está sendo feita pelo MP, há uma discrepância muito grande entre o que é afirmado pela Secopa e o que é visto pelo TCE?

Almeida –
Temos dados divergentes. Como são muitas obras, temos medições que são muito próximas e outras que são muito divergentes. Mas, antes de aprofundar nisso, eu quero dar a oportunidade para a Secopa explicar essa divergência. Não vamos tomar nenhuma atitude sem antes saber o que aconteceu e qual é essa diferença na medição. Até porque os critérios que um engenheiro está usando podem não ser os mesmos do outro. Então, isso pode ter uma explicação. Mas só a sinalização de que, por exemplo, para o TCE uma obra está 80% concluída e para a Secopa está 90%, faz com que eu queira que me expliquem tecnicamente como é que isso está acontecendo, quais os critérios que estão sendo usados e, se foram consideradas as mesmas coisas, o que está acontecendo.

MidiaNews – O senhor recebe muitas denúncias de corrupção relacionadas à Copa do Mundo?

Almeida –
Eu recebo denúncias relativas à Copa do Mundo e Licitações e Contratos. Em relação à Copa, já tivemos muitas denúncias e todas elas foram, ainda que preliminarmente, levantadas. O que se conseguiu um princípio de prova, teve inquérito instaurado. O que se mostrou totalmente descabido, não. E na área de Licitação e Contrato, nós temos recebido muita coisa, não somente sobre a Copa. De dois meses para cá, nós instauramos Lar da Criança, Rondolândia, Pregão 013, Buffet da Seduc, Concurso da Assembleia Legislativa, Obras do VLT (continuando o que já tinha), TIC (Tecnologia, Informação e Comunicação) da Arena, Estrada de Chapada e licitações do Detran. E essas são só as principais. Nós temos outras investigações menores. É difícil a gente passar um dia sem denúncia.

O grande trabalho é filtrar tudo isso, porque nem tudo que chega é verídico. E nós temos que ter muito cuidado, até porque, quando a gente dispara uma investigação, pelo princípio da publicidade, eu sou obrigado a fixar a cópia da portaria no átrio e, imediatamente, as pessoas já ficam sabendo que o MP está investigando. Se você faz isso sem base nenhuma, você pode disparar uma investigação contra uma pessoa que absolutamente não tem responsabilidade. Então, nós temos muito critério antes de instaurar uma investigação.

"Hoje, o foco é evitar atrasos e prejuízos para o Estado e garantir a entrega de tudo a tempo"

MidiaNews – É muito difícil investigar todas essas denúncias ou o MP tem estrutura para fazer isso?

Almeida –
Acho que todo mundo trabalha no limite. Nenhuma dessas sete promotorias está ociosa. A sensação que a gente tem é que, quanto mais estrutura a gente tiver para atuar na área de probidade e defesa do patrimônio público, mais a gente via usar, porque a gente tem uma demanda reprimida muito grande, que a gente chama de “cifras negras”, que é aquela área que não aparece no levantamento. São os atos de improbidade, os crimes contra o patrimônio que não são comunicados. Aquilo que acontece e fica sem conhecimento e sem investigação. O que a gente percebe no Núcleo do patrimônio é que, quanto mais se investigar, quanto mais estrutura tiver e quanto mais a gente procurar, mais coisas nós vamos encontrar. Disso, eu não tenho dúvidas.

MidiaNews – Quantos procedimentos já foram abertos pelo MPE em relação à Copa do Mundo?

Almeida –
Alguns já foram arquivados, então eu posso dizer apenas quantos procedimentos estão em andamento na promotoria, referentes à Copa do Mundo. Hoje, nós temos 31 procedimentos abertos, entre peças de informação e inquéritos civis em trâmite, e duas ações judiciais, referente à obra de implantação do VLT e ao caso das Land Rovers.

MidiaNews – A empresa espanhola CAF Indústrias e Comércio Ltda. é investigada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), por uma suposta formação de cartel para licitações dos metrôs de São Paulo e do Distrito Federal e da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos. Ela integra o Consórcio VLT Cuiabá-Várzea Grande, sendo responsável pelo fornecimento do material rodante na obra. O senhor pediu acesso a essas investigações?

Isa Sousa/MidiaNews

"Se não tiver arena, vão jogar onde? No Dutrinha?"

Almeida –
Pedi. Isso ganhou uma dimensão indevida. O que aconteceu foi que circulou no jornal Folha de São Paulo do dia 18 [de agosto] a notícia de que havia informações sobre formação de cartel que poderia ter atuado em outras cinco capitais, entre elas Cuiabá. Qual foi a providência que o MP de Mato Grosso tomou? Solicitar ao Cade a cópia do relatório. É isso que tem.

MidiaNews – Foi instaurado um inquérito civil aqui no Estado?

Almeida –
Não.

MidiaNews – Então, de posse desse relatório, quais são os próximos procedimentos?

Almeida –
Veja bem. Tudo partiu de uma notícia de jornal que dizia que em Cuiabá poderia ter acontecido [cartel]. E tem um documento oficial que indicaria isso ou não. A primeira providência é preliminar, não foi instaurado um inquérito civil público ainda. Notificamos o Cade para ele encaminhar o relatório, com base em um acordo de leniência, que é coberto por sigilo. Então, não sei qual será o nível de dificuldade ou de sigilo para que as informações sejam repassadas. Mas até o momento, o que eu sei é o que foi veiculado na imprensa. Então, a partir do momento em que eu receber o relatório do Cade é que poderei dizer se tem algo concreto em relação à Cuiabá ou não.

MidiaNews – Dependendo do que for apontado no relatório e dos próximos passos do MP, as obras do VLT poderiam ser paralisadas novamente?

Almeida –
Se tiver cartel, nós vamos tomar algumas medidas. Uma delas pode ser paralisação de obra? Lógico que pode. Se eu tenho um contrato decorrente de formação de cartel, é tudo anulado. Nós tivemos notícia do cartel em São Paulo e eu não sei até que ponto isso atinge o VLT de Cuiabá. Mas se a licitação daqui for decorrente de um acerto prévio entre os consórcios, é tudo anulado. Você anula o contrato e desfaz tudo. E a empresa está agindo de má fé. Então, ela não tem direito à indenização, a nada. Aliás, as pessoas que participaram disso, tem que ser processadas criminalmente, processadas por improbidade administrativa. E aí, nesse caso, o Estado é vítima. Em nenhum momento foi tangenciada ou cogitada a possibilidade do Estado ter participado disso, ter sido conivente. Então, caberia ao estado bloquear todo e qualquer tipo de pagamento, medir aquilo que foi feito e abrir uma nova licitação para terminar a obra. O que não pode é ficar do jeito que está, paralisar a obra e ficar com a Capital parecendo uma cidade que foi bombardeada, como se nós estivéssemos vivendo no pós-guerra. Porque essa é a grande sensação que passa a quem vem à Cuiabá. Recebi visitas na semana passada que saíram assustadas e perguntando: “daqui a 290 dias terá Copa aqui?”.

"Na entrega das obras, nós vamos quantificar tudo. Se houve prejuízo, quem é o causador. E ele vai responder por isso"

MidiaNews – O MP sempre acompanhou de perto os procedimentos relacionados à Copa, assim como outros órgão de controle, como o TCE. Em sua opinião, por que ainda assim houve problemas em contratos?

Almeida –
Alguns podem ser decorrentes de gestão mesmo. E nem sempre as pessoas vão ser acusadas de improbidade. Elas podem não ser acusadas de nada ou terem que anular o contrato. Hoje, o papel da 36ª promotoria de Justiça é atuar preventivamente em licitações e contratos. Assim a gente tem tentado em relação à administração e à Secretaria da Copa. E quando a gente consegue esse diálogo prévio, a gente evita muita coisa. São demandas que sequer aparecem, porque a gente a soluciona ainda na fase embrionária. Não gera o problema, a improbidade. É tudo resolvido. Não é a minha finalidade processar pessoas. Eu quero saber o que aconteceu e se tiver acontecido algo de incorreto, ilícito, um ato de improbidade, nós vamos mover a ação adequada, na medida adequada. Quando você trabalha na administração pública, você agrada e desagrada muita gente. Então, nós temos um grande número de denúncias e de reclamações que podem ser imputadas a diversas causas: podem ser reais, vingança, desinformação. E o trabalho de filtrar isso é muito grande.

MidiaNews – Foi instaurada uma ação pelo MPE e Ministério Público Federal que questionava a implantação do VLT na Grande Cuiabá. Como está esse processo hoje? Ainda buscam a nulidade do contrato?

Almeida –
No caso do VLT, temos uma ação de nulidade cujos recursos estão no TRF-1 [Tribunal Regional Federal da 1ª região] e no STJ [Superior Tribunal de Justiça]. Hoje, se o Judiciário reconhece a procedência daqueles pedidos, como que fica? Nós já passamos da fase de anular o contrato. A luta hoje é para que tudo termine da forma mais célere e menos danosa ao erário possível.

MidiaNews – Quando do início do processo, a obra foi paralisada três vezes. Algumas pessoas culpam o MP pelo atraso nas obras. O que o senhor tem a dizer para essas pessoas?

Almeida –
As paralisações foram irrelevantes [para o atraso na obra]. Elas duraram poucos dias. Se você tem uma paralisação de cinco dias e um atraso de três meses, como é que você vai dizer que uma coisa tem relação com a outra? O ideal era que não tivesse começado. Mas, já que começou, acho que tem que terminar.

"O ideal era que não tivesse começado [a obra do VLT]. Mas, já que começou, acho que tem que terminar"

MidiaNews – Sobre problemas de contrato, a Ster Engenharia Ltda. abandonou três canteiros de obras – trincheiras Verdão, Santa Rosa e Ciríaco Cândia, na Avenida Miguel Sutil e Rodovia Mário Andreazza – e também houve a saída da Construtora Santa Bárbara do canteiro de obras da Arena Pantanal. Nesses dois casos, o MP tomou alguma medida?

Almeida –
Foram abertos três inquéritos civis para investigar a saída da Ster dos três canteiros de obras e um procedimento preparatório no caso da saída da santa Bárbara. Em todas essas situações [da Ster], as obras tiveram continuidade e prejuízos de andamento. O que nós queremos que o estado faça é que quantifique isso e cobre de quem causou. Se o Estado não cobrar, nós vamos cobrar tanto de quem deu prejuízo quanto de quem se omitiu. Já no caso da saída da Santa Bárbara, a Construtora Mendes Júnior ocupou o lugar e a paralisação na obra foi mínima. E ela está inserida dentro de outra investigação que a gente tem aberta e que é maior. Então, nesse caso, não precisei instaurar [um inquérito]. Simplesmente fiz uma ampliação e aprofundei. Ainda temos que verificar qual o prejuízo que a saída da Santa Bárbara causou na obra. Tem gente que fala que não houve prejuízo, só benefício, mas isso nós também teremos que aferir. Mas nos casos da Ster, que os inquéritos foram instaurados, nós vamos quantificar o que houve de prejuízo, não só os aditivos [no valor da obra previsto em contrato]. Porque, se o contrato anterior era de R$ 12 milhões e o seguinte passou a ser de R$ 14 milhões – por exemplo, não tem nada tirado de um contrato verdadeiro -, então tempo R$ 2 milhões de prejuízo. Mas não foi só isso. E o tempo de atraso da obra? E o dano moral sofrido pela população de Cuiabá? E o dano material de quem tinha expectativa de utilizar aquele caminho e que tem que gastar a mais para desviar? E os acidentes causados? Os transtornos? Tudo o que o atraso causa precisa ser quantificado. E nós vamos conseguir fechar essa conta no dia em que a obra for entregue. Daí poderemos dizer: “o prejuízo foi tanto. Governo, cobre. Se não cobrar, nós vamos cobrar no teu lugar. Mas nós vamos responsabilizar quem se omitiu”.

MidiaNews – A Arena Pantanal é a principal obra da Copa do Mundo em Cuiabá.

Almeida –
Se não tiver arena, vão jogar onde? No Dutrinha?

Isa Sousa/MidiaNews

"Eu pedi vistoria em três obras do VLT: Sefaz, KM Zero e UFMT"

MidiaNews – O MP tem alguma preocupação específica com essa obra, devido ao montante envolvido e aos pagamentos feitos de forma antecipada, já apontados pelo TCE?

Almeida –
Temos algumas investigações [a respeito da Arena Pantanal], sim, mas tudo está correndo sob sigilo.

MidiaNews – E quanto ao inquérito aberto, como foi citado pelo senhor, a respeito da licitação para contratação de serviços de Tecnologia, Informação e Comunicação para a Arena Pantanal? A que se refere?

Almeida –
A licitação foi feita para contratação do placar eletrônico e dos equipamentos de tecnologia e informação e eu pedi a cópia integral de todo o procedimento licitatório, mas a Secopa ainda não mandou. Nós fizemos uma comparação entre os vencedores das licitações para o mesmo objeto nas outras arenas em relação à situação daqui. O que nós estamos preocupados é se os vencedores da licitação tem capacidade técnica para cumprir com o contrato. Se tiverem, ótimo, sem problemas, porque o preço foi até abaixo do esperado. Agora, se a capacidade técnica for duvidosa, o MP entra em ação.

MidiaNews – Recentemente, o Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (Crea) fiscalizou a obra do viaduto da UFMT, a pedido do MP, devido às falhas encontradas na execução da estrutura do elevado. Informalmente, eles disseram que tudo lá já foi corrigido. O senhor já recebeu o resultado oficial da avaliação? O MP está satisfeito ou tomou outras providências?

Almeida –
O relatório ainda não chegou. Eu pedi vistoria em três obras [do pacote do VLT], mas já tive contato com o engenheiro e ele me disse que, primeiro, não era apenas um pilar com defeito, mas quatro pilares. E que havia tantos outros pilares com problemas também, mas que foram corrigidos no calço e não precisaram ser demolidos. Então, aquilo que a Secopa apresentou foi só o início do problema. Depois disso, nós constatamos que havia mais problemas, que foram resolvidos com a intervenção do Crea. Nós não precisamos nem notificar, eles [Consórcio VLT Cuiabá-Várzea Grande, responsável pela obra] tomaram essa iniciativa, o que é melhor ainda. No caso daquele viaduto, como foi um RDC [Regime Diferenciado de Contratação], o Estado não pode desembolsar um centavo a mais pelo o que eles erraram. Se eles erraram, eles devem corrigir e dentro do prazo. Se o laudo [do Crea] me apontar que isso foi feito, ótimo, o procedimento será arquivado. Se o laudo apontar que aquilo ali foi causa de atraso, de prejuízo ou que o Estado teve que desembolsar alguma coisa a mais, nós vamos entrar com ação civil também.

Isa Sousa/MidiaNews

"Nesse momento, nós também estamos muito preocupados com os COTs"

MidiaNews – Quais foram as outras obras que o senhor pediu para serem vistoriadas pelo Crea?

Almeida –
A do Km Zero [no encontro das avenidas da FEB e João Ponce de Arruda, em Várzea Grande] e o da Sefaz [na Avenida Historiador Rubens de Mendonça, em Cuiabá]. Mas foram vistorias solicitadas por cautela. Como é a mesma empresa que está fazendo [todas as obras do VLT] então vamos pedir de todas, porque no erro ocorrido lá [no viaduto da UFMT], o engenheiro realmente foi um pouco desatento.

MidiaNews – Essas vistorias devem ser estendidas para todas as obras?

Almeida –
Nós trabalhamos com as informações que chegam e a partir daí, a gente dispara essas vistorias e colocamos nessas vistorias tudo aquilo que tem indicativo. Não dá para estar em 100% das obras o tempo todo, então a gente precisa dos nossos canais de informação, que é a própria imprensa, a ouvidoria, as pessoas que comparecem ao MP. A gente precisa disso para poder guiar a atuação.

MidiaNews – Com exceção das obras da Copa do Mundo que já foram citadas aqui, há outras obras que chamam a atenção do MP?

Almeida –
Nesse momento, nós também estamos muito preocupados com os COTs (Centros Oficiais de Treinamento], em relação à prazo. Isso eu vou pedir para que o Tribunal de Contas de Estado (TCE) dê uma atenção especial, porque se tratam de obras essenciais. O Aeroporto [Marechal Rondon] também, mas é uma atribuição do MPF, por se tratar de uma área federal. Apesar de ser a Secopa quem está executando, se trata de uma obra da Infraero [Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária] e é dinheiro federal, então é o MPF quem toma conta. Para a Copa do Mundo, isso é o essencial: você precisa da arena, dos COTs e do aeroporto. Tudo, fora isso, não é essencial para a Copa. Então, temos que ter muito cuidado para a gente termine isso. E o MP pode contribuir fazendo essa fiscalização preventiva e advertindo o gestor de que determinada obra precisa ser acelerada ou não. Isso nós vamos fazer. Em relação às demais obras, nenhuma delas é essencial para a Copa. Então, se elas tiverem que ser prolongadas ou estiverem atrasadas, de quem é a responsabilidade pelo atraso, pelo aditivo, se a obra poderia ter sido executada sem aditivo e se isso é consequência de má gestão, e aí sim nós vamos responsabilizar quem tiver que ser.

"Se nós não tivermos um choque de gestão, uma mudança de direcionamento de política, o futuro de Cuiabá não é muito diferente do que se está vendo hoje"

MidiaNews – E quanto à ação movida a respeito da aquisição das Land Rovers, como está a ação ingressada pelo MP, que visa à devolução aos cofres públicos dos mais de R$ 2 milhões pagos antecipadamente à Global Tech pela extinta Agecopa? O bloqueio dos bens do ex-secretário Eder Moraes, dos demais diretores da época e da empresa – solicitados pelo MPE – já foi realizado?

Almeida –
O processo está aguardando instrução e as contas já foram bloqueadas. O próximo passo se trata do julgamento do mérito da ação. Apesar de já terem sido julgados os mandados de segurança da empresa e do Governo do Estado, falta julgar ainda a ação de improbidade que já está em trâmite na primeira instância. Julgando, já pode ser iniciada a execução provisória. De qualquer forma, ali um grande prejuízo foi evitado, porque o contrato era de mais de R$ 14 milhões, e o Estado pagou R$ 2 milhões, em um pagamento adiantado, que a lei proíbe.

MidiaNews – O senhor falou que os culpados em casos de atrasos ou prejuízos nas obras da Copa serão acionados, sejam empresas ou gestores. No caso dos gestores, quem responde, realmente, é o governador do Estado, Silval Barbosa, ou o secretário da Copa, Maurício Guimarães? Eles respondem mesmo se não estiverem mais no cargo no momento da ação?

Almeida –
Quem responde é o gestor responsável pelo contrato, pela decisão final, independente dele estar ou não no cargo. Qual é o grau de autonomia do secretário? É ele quem opta por executar essa obra e não aquela? É ele quem opta pela rescisão de um contrato, pelo aditivo, pela prorrogação? Sim, ele é responsável. O governador também é responsável. A diferença é que no que tangenciar a responsabilidade do governador, eu sou obrigado a enviar para a Procuradoria-Geral de Justiça, porque o governador tem prerrogativa de ser processado pelo PGJ. O que fica aqui é enquanto a gente não tem responsabilidade de governador, do contrário, a gente remete à Procuradoria.

MidiaNews – A população está bem angustiada quanto ao andamento das obras e, muitas vezes, questiona a atuação do MPE. Isso é percebido?

Almeida –
Eu moro em Cuiabá. Eu entendo muito bem o que cada pessoa passa no trânsito, quando precisa ir a um pronto-atendimento, matricular o filho em uma creche ou levar o filho para a escola. Não pensem que a gente vive em um mundo à parte, porque não é assim. Nós sabemos exatamente o que está acontecendo. Dois anos atrás eu levava dez minutos para levar os meus filhos de casa até à escola e depois mais dez minutos para chegar até aqui [sede das promotorias]. Hoje eu levo quase uma hora para fazer esse mesmo trajeto. A gente sabe muito bem. Agora, a responsabilidade disso tudo começou lá atrás, quando da não realização das obras de desbloqueio. Quando você começa a atropelar as coisas, você terá problemas lá na frente. Por exemplo, você via reformar a sua casa e tem dois banheiros. Se você manda reformar os dois de uma vez, você terá problemas. Cuiabá mostrou que pecou, faltou à aula de planejamento.

Isa Sousa/MidiaNews

"Quando você trabalha na administração pública, você agrada e desagrada muita gente"

MidiaNews – Foi uma sucessão de atropelos?

Almeida –
Foi. Agora, qual é a causa disso tudo? Isso é importante. Não fez por quê? Não tinha dinheiro? Eu não posso obrigar o governo a fazer algo que ele não pode ou que está fora do alcance, que não está previsto orçamentariamente. O que eu vou gastar no ano que vem tem que estar previsto na LOA (Lei Orçamentária Anual) desse ano. Então, isso tudo precisa ser verificado também. Dizer, simplesmente, que vou processar todo mundo, é mentira. O que nós vamos fazer é delimitar responsabilidades. Hoje o foco é evitar atrasos e prejuízos para o Estado e garantir a entrega de tudo a tempo. Não digo que é uma atuação preventiva, porque a prevenção é mínima nesses casos, mas também não é uma atuação repressiva clássica, porque a gente quer evitar as ações por improbidade, queremos que os atos de improbidade não ocorram. Agora, na entrega da obra, nós vamos quantificar tudo. Se houve prejuízo, quem é o causador. E ele vai responder por isso.

MidiaNews – O que pode ser feito agora para que esse prejuízos e os problemas decorrentes da falta de planejamento não aumentem?

Almeida –
Cuiabá é uma cidade pobre. O governo fica aqui, mas a cidade é pobre. Qual é o IDH nosso? Em que lugar estamos entre as capitais? Qual a colocação das escolas de Cuiabá na avaliação nacional de cursos? Esses índices é que são importantes e aos quais o gestor tem que estar atento. Porque não adianta arrecadar bilhões por ano se a população não está sentindo o benefício disso. E o que muda a realidade de uma cidade são investimentos nas essencialidades, na base, que serão vistos daqui a dez ou doze anos. Os efeitos serão vistos lá na frente. Mas como é um investimento a longo prazo, pouca gente quer comprar essa briga, pouca gente quer fazer isso. A culpa disso é do próprio povo que só vota em quem paga alguma coisa ou faz alguma coisa por ele individualmente, não enquanto faz alguma coisa por ele enquanto cidadão que mora em uma coletividade. Tudo o que você faz, volta para você. Se nós não tivermos um choque de gestão, uma mudança de direcionamento de política, o futuro de Cuiabá não é muito diferente do que se está vendo hoje. O que muda isso é educação. Porque obra de trincheira, de viaduto, não muda essa realidade. Cuiabá vai continuar uma cidade suja, com índices de educação preocupantes, sem saneamento básico, mas com viadutos, trincheiras e arena.

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claudio  29.08.13 14h05
corretíssimo
3
1
elda mariza valim fim  28.08.13 03h53
Muito boa a entrevista, Dr. Clóvis. Obrigada pelo seu hercúleo e frutífero trabalho contra a corrupção.
7
1
José Luiz  27.08.13 09h33
Excelente(,) Promotor!!!
9
4
Rubens Falcão  26.08.13 23h14
Disputa eleição Promotor,caso vença,depois você pode fazer planejamento de obras.
10
13
Nanda Luz  26.08.13 15h39
Nanda Luz, seu comentário foi vetado por conter expressões agressivas, ofensas e/ou denúncias sem provas