Depois de quase trinta anos, está chegando ao fim o contrato de arrendamento firmado entre o governo de Mato Grosso e a LM Organização Hoteleiras LTDA, proprietária da rede de hotéis Mato Grosso, que permitia a exploração turística dentro do Parque Estadual das Águas Quentes, na serra de São Vicente (a cerca de 85 quilômetros de Cuiabá).
O documento, assinado em março de 1989 na gestão do então governador Carlos Bezerra, perderá validade em 2019 e, de acordo com a Secretaria Estadual do Meio Ambiente (SEMA), abrirá caminho para a implantação de um novo modelo para o aproveitamento do potencial da unidade de conservação - a primeira criada do Estado, com uma área total com 1.487 hectares no município de Santo Antônio de Leverger.
Segundo a secretaria, o contrato de arrendamento da área de quatro hectares que abriga o Hotel Mato Grosso Águas Quentes não será renovado. Em vez disso, um processo de licitação será aberto para um contrato de concessão cujos moldes serão estabelecidos pela MT Parcerias e Projetos (MT PAR), sociedade de economia mista na qual o Governo é o maior acionista.
Na semana passada, a MT PAR lançou um Chamamento Público para que os interessados oficializem, em até 30 dias, o interesse em assumir a estrutura. Depois dessa etapa, será dado um prazo de 90 dias para que os habilitados apresentem um estudo detalhado sobre como pretendem explorar economicamente a unidade.
"Este Chamamento Público tem como objeto orientar o recebimento de estudos de modelagem operacional, econômico-financeira e jurídica de concessão para a exploração de serviços e uso de áreas, ou parte de áreas, do Parque Estadual Águas Quentes, e serviços turísticos de hotelaria, observando-se o Plano de Manejo", diz a publicação.
A primeira a se manifestar foi a própria LM Organização Hoteleiras LTDA, que pertence à família do ex-secretário-adjunto de Turismo, Luiz Carlos Nigro. A publicação da portaria que autorizou a empresa a fazer o seu estudo foi feita na mesma edição do Diário Oficial que anunciou a abertura do Chamamento Público a eventuais concorrentes.
Em entrevista ao MidiaNews, o chefe do Núcleo de Gestão de Projetos da MT PAR, Washington da Silva, negou que a empresa tenha sido informada antecipadamente da abertura do chamamento - uma circunstância que poderia ser vista como benefício diante de eventuais concorrentes, se considerado apenas o fator tempo.
"Na verdade, foi a empresa que pediu autorização para os estudos, o que fez o governo decidir por lançar o chamamento. Do ponto de vista do objetivo, quanto mais proponentes, melhor", disse Silva.
Segundo ele, os estudos apresentados pelos interessados não são garantia de sucesso na concorrência pública - no caso da licitação para o Ganha Tempo, a empresa que apresentou o estudo acabou sendo preterida ao final do processo.
"É um investimento por conta e risco do interessado, que não garante sucesso nem gera direito, por exemplo, a algum ressarcimento em caso de insucesso", afirma.
Plano de Manejo/SEMA-MT
Estação de Tratamento de Efluentes: insuficiente
Seja quem for, garante ele, a nova concessionária da unidade deverá gerir a estrutura de forma completamente diversa da atual. A ideia é que mais áreas do parque sejam abertas à visitação, com estrutura, segurança e proteção ao meio ambiente.
"A meta é implantar um novo modelo de exploração daquele espaço, em consonância com o que se faz de mais atual no segmento do ecoturismo", afirmou.
Erosão e esgoto
A julgar pelo que consta no Plano de Manejo da unidade, documento que está disponível na página da MT PAR na internet, há muito espaço para melhorias no atual formato.
O documento lista uma série de problemas, como processos de erosão nas duas trilhas abertas para os hóspedes do hotel (Paredão dos Malucos e do Elefante, ambas com aproximadamente 1,5 km).
"As trilhas têm a função de serem utilizadas para caminhadas ecológicas. Estas, em determinados trechos, apresentam processos erosivos em início ou em estágio avançado que, com o pisoteio, podem ser agravadas. Outros trechos apresentam raízes expostas", diz um trecho.
De acordo com o documento, o hotel tem capacidade para acomodar até 299 hóspedes em 74 quartos, divididos em três alas. "Em toda esta estrutura hoteleira, somente um apartamento é adaptado para portadores de necessidades especiais", cita.
Outro ponto crítico, de acordo com o levantamento, é a destinação do esgoto gerado pela unidade. A única Estação de Tratamento (ETE) é avaliada como "insuficiente".
"[A ETE] lança o efluente em sumidouros localizados ao lado do córrego Águas Quentes. Quando se faz necessário, vem um caminhão que coleta os dejetos e lança no aterro de Cuiabá. Recentemente antes da visita de campo devido à alta temporada, a ETE não suportou e estourou o que trouxe transtornos para o hotel", diz o plano.
História
Foi o Marechal Cândido Rondon quem primeiro cogitou, em 1905, a possibilidade de exploração turística das fontes termais da região da Serra de São Vicente. Em seus manuscritos, ele via potencial para algo nos moldes da estrutura que já havia à época em Poços de Caldas (MG).
"Em 1919, foi a Cuiabá o laboratorista Orosimbo Correia Neto, a pedido de Rondon, coletar material para análise das águas, que foram feitas no Laboratório Balduíno de Azevedo Filho, no Rio de Janeiro. As qualidades terapêuticas das águas foram comprovadas", relata o Plano de Manejo da unidade.
Mesmo assim, foi apenas 18 anos mais tarde, no governo do interventor Júlio Müller, que a área seria desapropriada como de interesse público.
"Com o apoio do presidente Getúlio Vargas, Júlio Müller e o secretario geral do Estado, João Ponce de Arruda, conseguiram financiamento junto ao Banco do Brasil para a construção de um hotel no local".
A obra coube à empresa Coimbra Bueno, cujo engenheiro era o célebre Cássio Veiga de Sá - que atualmente dá nome à rodoviária de Cuiabá.
"Nessa época, a estrada de acesso às fontes se dava por Santo Antônio do Leverger, mas era precária e tornava-se intransitável em épocas de chuvas. Somente em 1944 que foi aberta a estrada que liga à MT-364", conta o documento.
O Parque Estadual das Águas Quentes seria criado apenas em 1978, no governo de José Garcia Neto. "Em 1980, durante o governo de Frederico Campos houve ampliação do complexo turístico e os governos seguintes trataram de inserir Águas Quentes no roteiro de turismo do Estado".
Na gestão de Carlos Bezerra, porém, foi cancelado um contrato de arrendamento da estrutura, cuja administração foi transferida para a Associação dos Funcionários da Companhia de Desenvolvimento do Estado de Mato Grosso (CODEMAT). "Mas, por falta de recursos e habilidade administrativa, o hotel foi abandonado, a área foi invadida e a estrutura física depredada", relata.
Plano de Manejo/SEMA-MT
Parque abriga fauna e flora típicas do cerrado
Em 1989, empresários dos setores de hotelaria e turismo tomaram a iniciativa de retomar o empreendimento, em um movimento que culminou com a assinatura do contrato de arrendamento até hoje em vigor - à época, com a empresa Consórcio Treze & Homat.
Sem resposta
Procurado pelo MidiaNews, o ex-secretário Luiz Carlos Nigro disse que não poderia falar sobre o assunto por estar, segundo suas palavras, "fora da administração dos hotéis". A reportagem pediu indicações de representantes que pudessem falar pela empresa, mas não houve resposta.
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41 Comentário(s).
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Fernanda Machado 16.06.18 10h30 | ||||
Sempre levo meus alunos lá no Águas Quentes para Aula de Campo, eles adoram, lugar limpinho e lindo, tem preço acessível e justo, já que tem almoço e uma infinidade de opções de diversão. Eles têm o sistema de gestão ambiental mais avançado do setor. Acredito que seja uns dos poucos hotéis/resorts do Brasil que tenha a ISO 14001/15. Isso deveria ser uma exigência na Licitação, para que o meio ambiente não sofra com a nova exploração turística da área. | ||||
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Profa. Eliane 16.06.18 10h10 | ||||
Eles têm a Ecoaula para crianças e adolescentes sobre meio ambiente e tem o certificado ambiental ISO 14001, o que representa um grande avanço no Ecoturismo matogrossense. Muitos deveriam seguir esse exemplo. Espero que isso continue com a nova direção que assumir o Parque. | ||||
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João 15.06.18 18h31 | ||||
Fui em uma Ecoaula lá levar meus alunos e fiquei maravilhado com a gestão ambiental.Tem coleta seletiva que funciona 100%, nao se vê lixo no chão. Tem profissionais com treinamento até para combater queimadas no Parque. Tem programas de economia de água, energia, gás e combate a desperdício. E tem a ISO 14001, que acho que nenhum hotel em MT tem. Acho que poderiam investir na qualidade como investem em meio ambiente e baixar os preços para a população. | ||||
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Juca Pirama 11.06.18 23h20 | ||||
Retrato da administração do Estado sem inovação, sem perspectiva de melhorias, preços fora da realidade, poderia ser modernizado e atrairia muitos turistas, vejam o que é hoje o empreendimento "Thermas dos Laranjais" em Olímpia-SP, uma administração moderna e eficiente, onde só neste ano, vão inaugurar mais de 2000 apartamentos de lazer. Chega de viver na idade da pedra, o Futuro nos espera. Se o Turismo sustenta a Espanha e Portugal, porquê não dá certo aqui? | ||||
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Camargo 11.06.18 14h22 | ||||
O melhor modelo seria o de arrendamento do parque todo, assim o arrendatário seria responsável pela manutenção do hotel e teria obrigações, dentre outras a de evitar invasões na área de cerca de 1.400 hectares. Tem invasores que constroem casas de recreio e outros que derrubam a mata para lavouras e criações de animais. É um patrimônio público de preservação permanente, e tanto o Executivo quanto o Ministério Público não tomam qualquer atitude. Isto chama-se conivência. A população, verdadeira proprietária, vê sua propriedade vilipendiada, depredada, e não há quem a represente para coibir os abusos. A própria empresa atual arrendatária extrai madeiras do parque para usá-la no hotel. | ||||
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