Cuiabá, Segunda-Feira, 16 de Junho de 2025
MÉDICOS ESTRANGEIROS
21.07.2013 | 08h32 Tamanho do texto A- A+

“O Governo quer oferecer uma saúde de segunda categoria”

Presidente do CRM-MT, Dalva Neves, critica ações de Dilma e diz que categoria vai à luta

Mary Juruna/MidiaNews

Presidente do CRM-MT, Dalva Neves: críticas ao novo programa de saúde do Governo Federal

Presidente do CRM-MT, Dalva Neves: críticas ao novo programa de saúde do Governo Federal

LISLAINE DOS ANJOS
DA REDAÇÃO
Formada há trinta anos pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e prestes a encerrar seu mandato à frente do Conselho Regional de Medicina de Mato Grosso (CRM-MT), a endocrinologista e nutróloga Dalva Neves, 56, ganhou destaque nas últimas semanas ao criticar veementemente – em nome da classe médica do Estado – as últimas ações do Governo Federal na área da saúde.

Contra a Medida Provisória 621, que criou o Programa “Mais Médicos” – a fim de importar médicos estrangeiros para atuarem no interior do país –, defensora da aplicação da prova de revalidação do diploma para esses profissionais e contra o veto à a lei do ato médico, a presidente do CRM-MT não mede palavras para criticar o que classifica como os piores anos dos governos federal e estadual em relação à saúde.

“A saúde [pública] do Estado de Mato Grosso é caótica. Eu acho que não vi um pior governo estadual em termos de saúde desde que eu me formei e vim para Mato Grosso como nos últimos doze anos. Foram péssimos”, afirmou.

"Nós estamos vivendo uma ditadura de esquerda neste país. Uma ditadura petista, de mensaleiros e corrupção. E isso em um partido que chegou onde está combatendo a corrupção"

Em entrevista ao MidiaNews, Neves também não poupou críticas ao grande número de cursos de medicina criados no país – que, segundo ela, nem sempre possuem estrutura para formar bons profissionais –, a precariedade do sistema de saúde pública de Mato Grosso e os maus profissionais que existem no mercado e que foram ou estão sendo punidos pelo CRM-MT.

Confira os principais trechos da entrevista de Dalva Neves ao MidiaNews:

MidiaNews – Qual a sua opinião sobre o Programa Mais Médicos (Medida Provisória 621), do Governo Federal?

Dalva Neves –
Essa Medida Provisória (MP) antidemocrática e inconstitucional. Tanto que através da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) nós vamos entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) dessa MP. Isso porque não se trata mais apenas dos médicos, mas de quererem rasgar a Constituição Brasileira, porque o médico brasileiro tem que ter qualidade. Faltam médicos no interior do Estado, no interior do Brasil ou nas periferias das grandes cidades? Faltam. Eu não posso falar que não faltam médicos. Mas não tem infraestrutura para eles irem para lá. Por exemplo, aqui em Cuiabá nós temos na rede do SUS (Sistema Único de Saúde) 1,29 médicos por cada mil habitantes, sendo que na rede privada nós temos sete médicos para cada mil habitantes. Por que os médicos estão na rede privada e não vão para a rede pública? Porque não se pagam salários decentes, não se tem um Plano de Cargos, Carreiras e Salários (PCCS) e faltam condições de trabalho. Se o médico for para o interior, que ele tenha condições mínimas para tratar. São essas coisas que nós estamos sempre pautando. Tem que ter infraestrutura.

MidiaNews – O salário oferecido também é um problema?

Neves –
Sim. Hoje nós não temos um plano de carreira. Os médicos que estão nas policlínicas não têm um salário, eles têm um “mensalinho”, porque quando ele aposenta, ele não leva essas coisas que integram o salário dele. No caso do salário do médico do Pronto-Socorro, por exemplo, mais da metade é composto por complementação, mensalinho, horas noturnas, entre outras coisas. Não é o salário-base. Porque o salário mesmo, se eu não estou enganada, é de R$ 1,8 mil. É muito baixo. Outro exemplo foi o concurso que teve agora, recentemente, no Rio de Janeiro, que não teve a participação de ninguém, porque era R$ 800 o salário-base. Com os complementos, chegaria a R$ 4 mil, mas o salário-base era R$ 800. As pessoas falam, por exemplo, que os médicos ganham bem. Eu, por exemplo, sou uma médica que não trabalho tanto e, apenas em consultório, atendo nove horas por dia. Fora o trabalho que tenho como presidente do CRM, que não estou contando por ser de outra natureza. Mas se contar com isso, eu trabalho 11 horas por dia. Eu saio da minha casa 6h30 da manhã. Eu tenho filho pequeno, a família cobra. E olha que eu não sou uma médica que trabalha muito, porque eu não dou plantão. São todas essas coisas que tem que ser levadas em conta. Se os médicos ganham bem é porque eles trabalham muito. Se eu quiser aumentar minha renda, eu preciso dar plantões, por exemplo. E olha que coisa engraçada desse programa. A presidente Dilma diz que vai pagar R$ 10 mil aos médicos que vierem de fora. Porque é que ela nunca pagou R$ 10 mil aos médicos brasileiros, que não tem um PCCS? Quer dizer, dinheiro tem, quando quer. Ou então é jogada para a mídia, porque eles estão tão desesperados com a proximidade do período eleitoral que, a cada dia, querem criar uma coisa mais mirabolante que a outra. Porque não é segredo algum que a saúde é a área mais mal avaliada desse governo, porque as pessoas estão morrendo. E não pense a população que isso vai acabar. E na hora que der algum problema, não venha correr para o médico brasileiro tapar o buraco, corrigir o erro dos outros.

Mary Juruna/MidiaNews

"Essa Medida Provisória (Programa Mais Médicos) é antidemocrática e inconstitucional"

MidiaNews – Então, de acordo com a senhora, não faltam médicos no país, como alega o Governo Federal?

Neves –
Não faltam médicos, falta uma distribuição melhor. O número de profissionais que a gente tem no país é suficiente.

MidiaNews – Um dos pontos do programa é trazer médicos estrangeiros para atuarem no país, sem a necessidade de passarem pela prova de revalidação do diploma (Revalida) ou mudando os critérios para facilitar o processo. Qual o impacto disso para a classe médica?

Neves –
Olha, em resposta a isso, o Conselho Regional de Medicina de Mato Grosso (CRM-MT) aprovou, durante reunião na última terça-feira (16), uma resolução que diz que o CRM-MT não vai dar CRM nem provisório nem definitivo a médicos estrangeiros ou brasileiros (que formaram fora do país) que não tenham feito o Revalida e aos médicos estrangeiros que não tiverem proficiência em língua portuguesa nível intermediário ou superior, que é o que exige a lei do Ministério da Educação. O Revalida foi criado pelo Governo Federal como um programa para ver se o médico tem ou não condição de atender o povo brasileiro. Eu não irei assinar essas carteiras. A nossa resolução será publicada no Diário Oficial e nós vamos arcar com o ônus disso e vamos entrar na Justiça. A OAB-MT se propôs a nos auxiliar porque acha, também, que se trata de uma proteção para a sociedade. Porque se acontecer alguma morte, nós vamos cobrar. Aí eles falam que os médicos que falarem outra língua, por exemplo, ficarão em uma universidade pública durante três semanas aprendendo o português. De certo, para o Governo Federal, a língua portuguesa é muito fácil de falar. Eu, que nasci no Brasil, não sei falar o português com toda a correção que ele deve ser falado, alguém com três semanas também não vai. A não ser que eu queira falar “a presidenta”, o que é um absurdo. Essas coisas tem que ser avaliadas.

MidiaNews – Na sua visão, por que o Revalida tem um alto índice de reprovação?

"Por que os médicos estão na rede privada e não vão para a rede pública? Porque não se pagam salários decentes, não se tem um Plano de Cargos, Carreiras e Salários (PCCS) e faltam condições de trabalho"

Neves –
Porque as formações dos médicos são diferentes. Você veja o caso da Inglaterra, onde 30% dos médicos que atuam lá são estrangeiros. Para esses médicos trabalharem lá, eles foram avaliados por uma prova de revalidação do diploma muito mais difícil que a aplicada no Brasil. Sem comparação. Além de que, se ele não falar o inglês corretamente, ele não atende o povo britânico. Se eu quiser fazer doutorado nos Estados Unidos, por exemplo, eu não posso tocar, de maneira nenhuma, em um paciente. Eu preciso passar por um programa extremamente difícil, falar a língua inglesa perfeitamente e passar por uma reavaliação extremamente difícil para começar a atender os norte-americanos. Então, o alto índice de reprovação não se dá porque a prova do Revalida no Brasil é difícil, mas porque as formações são diferentes.

MidiaNews – E como a população é afetada com o fim do revalida?

Neves –
O Revalida é importante para avaliar se o médico está bem preparado para atender a população brasileira. Malária, por exemplo, é uma doença endêmica nossa. Como é que um médico estrangeiro vai tratar se ele nunca viu? Pênfigo foliáceo, que é uma doença comum em Cáceres, por exemplo, como ele vai tratar? Até ele fazer um diagnóstico, o paciente já foi a óbito. E por quê? Porque são grades curriculares diferentes. E não adianta vir o ministro da Saúde falar, com toda a sua incompetência, que na Espanha há bons médicos. Na verdade, há bons e maus profissionais em todos os lugares, mas eles estão preparados para tratar da sua população. É isso que deve ser visto. Teve um caso, de um médico brasileiro, que foi para os Estados Unidos e ele estava com malária. Os profissionais dos Estados Unidos são muito bem formados, mas só fizeram o diagnóstico na necropsia. Ele morreu. Por quê? O médico é ruim? Não. É porque eles não conhecem a malária. São doenças que não existem em outros países. O Revalida não é pra mim. Porque se eu quiser um médico, eu tenho facilidades em tê-los. O Revalida é para que a população tenha um bom atendimento.

MidiaNews – Fala-se em aplicação do Revalida nos próprios graduandos de Medicina, como se fosse um teste. Eles passariam?

Neves –
Isso é um absurdo, mas isso já foi feito, em Natal (RN). E lá houve uma aprovação de mais de 80%. E, na mesma prova, 92% dos cubanos foram reprovados. Então, o problema não é a prova.

MidiaNews – Atualmente, há quantos médicos estrangeiros atuando em Mato Grosso?

Neves –
Hoje há 258 médicos estrangeiros e todos eles fizeram o Revalida, foram aprovados e estão trabalhando em Mato Grosso. Desde que eles sejam capacitados, os médicos estrangeiros são bem-vindos. Mas que passem pelos trâmites legais existentes em qualquer país, como funcionava antes ou como qualquer médico daqui tem que passar se for para qualquer outro país. São dois pesos e duas medidas? É isso?

"O CRM-MT não vai dar CRM nem provisório nem definitivo a médicos estrangeiros ou brasileiros (que formaram fora do país) que não tenham feito o Revalida"

MidiaNews – Apesar da opinião manifestada pela categoria, em uma semana, o programa teve 11 mil inscrições – sendo mais de 90% feitas por médicos formados fora do país. Os médicos do país não estão “nadando contra a maré”?

Neves –
Essa medida provisória tem 120 dias para ser votada no Congresso Nacional e ainda pode ser derrubada. E há inconstitucionalidade. Tanto que a OAB Federal vai entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade e o Conselho Federal de Medicina vai entrar como “amicus curiae” [para se manifestar nos autos] nesse processo. É impossível ela não ser derrubada. E o Governo Federal e os políticos não se esqueçam de que estamos nos aproximando do período eleitoral e que, enquanto eles apenas aprecem nas eleições, nós médicos trabalham na ponta e podemos mudar muitos votos. Eu encerro meu mandato em setembro e confesso que farei campanha contra este governo. E estarei livre das amarras da presidência do Conselho. São as armas que nós temos. O risco de derrota existe, mas a classe médica está se sentindo humilhada e vai lutar. Essa MP do Governo e o veto à Lei do Ato Médico gerou uma insatisfação muito grande na classe médica. E para toda ação há uma reação. Como disse o presidente do Conselho Federal de Medicina, Roberto Luiz d’Ávila, em uma reunião recente com o Ministro da Saúde, Alexandre Padilha: ‘Médicos não negociam seus princípios. Nem considerando o risco da derrota. Usaremos todas as armas. Não tememos o combate’. Essas são nossas palavras de ordem. Vamos para o embate. Poderemos ser derrotados sim, mas não deixaremos de lutar. E foi a incompetência e a falta de sensibilidade do Governo Federal que levou ao que, muitas vezes, achamos impossível: a união da classe médica.

Lei do Ato Médico

MidiaNews – Um dos pontos questionados pela categoria quanto aos vetos dados pela presidente Dilma Rousseff à Lei do Ato Médico é quanto ao poder de diagnosticar doenças e indicar tratamento aos pacientes – o que seria a “essência” da lei. Da forma como foi aprovado pela presidente, realmente ficou aberto para qualquer um atuar dessa forma?

Neves –
Sim. Da forma como está, deixou aberto, querendo ou não. Enfermeiros, nutricionistas, psicólogos e os demais profissionais da área da saúde estão achando que vão poder diagnosticar e tratar os pacientes, mas eles não podem extrapolar as leis que regulamentam as suas profissões. Porque elas não permitem isso. Eles estão amarrados a isso.

Mary Juruna/MidiaNews

"Se os médicos ganham bem é porque eles trabalham muito"

MidiaNews – Então, como isso fere a classe médica?

Neves –
Porque eles acham que podem. Eu recebi, por exemplo, no CRM, uma enfermeira pedindo ultrassom abdominal. Pra quê ela queria isso? Para fazer diagnóstico de quê? Ela não vai saber ler o exame. Os outros profissionais, que não são médicos, devem atuar dentro do que competem a eles, daquilo que eles estudaram, não para diagnosticar doença e receitar remédio. Então vamos fazer medicina sem médicos. E aquele paciente que for consultar com algum profissional da saúde que não seja médico, que esse profissional que realizar a consulta também faça o atendimento de consulta a seus familiares. Quem chefia uma equipe médica em um hospital é o médico. Tanto que, se acontece algum erro, quem responde e é punido é o médico, não o enfermeiro ou qualquer outro profissional de saúde que integrar a equipe.

MidiaNews – Então, a senhora não acredita que o veto seja um forma de preservar as demais classes da área da saúde, para que não sejam prejudicadas?

Neves –
Não, porque enfermeiros, nutricionistas, fisioterapeutas e psicólogos não estão capacitados para fazer diagnóstico e tratamento. Cada um na sua área. No caso dos profissionais da acupuntura que temem serem prejudicados pelo quesito da lei que trata dos procedimentos invasivos, por exemplo, também não. A Acupuntura é uma especialidade médica. O Supremo Tribunal Federal (STF) já deu ganho de causa aos médicos quando entraram na Justiça, porque é uma atividade que deve ser praticada por médicos. Ou seja, não fere nenhuma das outras classes. A não ser que você queira ser médico, aí fere. Mas se você não foi médico é porque você não teve competência para sê-lo também. Será que é uma frustração que tem? Existem profissionais excelentes, mas cada um deve atuar na sua área, cada um no seu quadrado.

MidiaNews – Há somente esse problema dentre os vetos dados ou há outros pontos vetados com os quais a categoria não concorda?

"Eles estão tão desesperados com a proximidade do período eleitoral que, a cada dia, querem criar uma coisa mais mirabolante que a outra. Porque não é segredo algum que a saúde é a área mais mal avaliada desse governo"

Neves –
Todos os vetos foram dentro de diagnóstico e tratamento, então desfigurou a lei. Antes tivesse vetado toda a Lei do Ato Médico. Porque do jeito que ficou, é um absurdo. Veja bem, a equipe médica não vai ser mais chefiada por médico. Se for assim, se um enfermeiro for chefiar uma equipe médica, então, que ele assuma o ônus do erro quando tiver um resultado ruim. Ele vai assumir? Porque tem que responder na Justiça. E aí eu quero ver como vai se portar a Justiça brasileira. Ou vai colocar o médico como responsável, se ele não pode chefiar a equipe? São todas essas coisas que nos deixam cada vez mais chateados.

Saúde Pública

MidiaNews – Como a senhora avalia o sistema atual de saúde pública em Mato Grosso e, mais especificamente, em Cuiabá e Várzea Grande?

Neves –
Péssimo. Tanto que na semana que vem eu vou colocar para toda a imprensa o resultado de todas as fiscalizações que nós temos feito, para que a população possa ver o absurdo que nós temos visto que está acontecendo nos hospitais regionais, nos postos de saúde, nos PSFs [Postos de Saúde da Família] que inaugura em um dia e apresenta um monte de rachaduras no outro, na falta de respeito que encontramos, com médicos trabalhando com materiais de terceira classe, provavelmente para atender o que o governo pensa ser uma população de 3ª categoria. E estamos mandando tudo isso para o Ministério Público. Porque eu fui visitar em Juína, dois dias depois que o governador Silval Barbosa (PMDB) inaugurou uma UPA (Unidade de Pronto-Atendimento) na cidade, e a unidade já tinha rachaduras. No hospital de Juína, que passou por reforma, eu também visitei e só tinha infiltração.

MidiaNews – Há muitas reclamações dos pacientes quanto ao atendimento médico prestado nos Pronto-Socorros e nas policlínicas. A precariedade desses locais é desestimulante para os profissionais?

Neves –
Sim. Quando você anda no interior e vai ao posto de saúde você vê uma mesa de ferro com duas cadeirinhas de ferro e mais nada. Na recepção, há pessoas doentes, já sofridas e irritadas com a espera, carentes, sentadas em um banco de cimento, sem o mínimo conforto, sem um ar condicionado ou ventilador. É essa a estrutura que existe no interior do Estado. Aqui em Cuiabá, recebi a notícia de que nessa semana um PSF fechou e todo mundo foi transferido para um galpão, sem nenhuma condição para funcionar, com apenas um mesinha e duas cadeiras. Isso é estrutura de saúde? Além de que não tem segurança. Eu concordo que a população chega sofrida; que é ruim ter que esperar uma hora e meia para ser atendido, porque só tem um médico para atender todo mundo; que você já está irritado e está doente, tem problemas em casa, teve que pegar um transporte coletivo de qualidade ruim e aí, você chega ao local e não é atendido. A culpa é do médico? Não. Aí querem bater no médico. Já fiz várias denúncias sobre isso e nada é resolvido. Se você vai ao Pronto-Socorro de Cuiabá, você vai ver um monte de gente nos corredores, porque o hospital atende a todo o Estado de Mato Grosso. E isso é muito ruim, porque não tem infraestrutura. Há quanto tempo nós estamos pedindo ao Governo do Estado a criação de um hospital estadual de alta complexidade que possa atender a toda a população? Porque hoje todos os procedimentos de alta complexidade só são realizados em Cuiabá. É assim que está. Essa é a saúde do Estado de Mato Grosso: caótica. Eu acho que não vi um pior governo estadual em termos de saúde desde que eu me formei e vim para Mato Grosso como nos últimos doze anos. Foram péssimos. Falam que fizeram estradas em todo o Estado – diga-se de passagem, em péssimas condições, sem acostamento. Ninguém come estrada. E isso também vale para o Governo Federal. Nunca vi governos tão descomprometidos com a saúde, sendo que é um governo que veio do povo.

"Quem vai perder, infelizmente, é a população, é o pobre, que vai ter uma medicina de segunda categoria para uma população que o governo acredita ser de segunda categoria"

Mas no ano passado o Governo Federal deixou de aplicar R$ 17 bilhões na saúde. Destes, R$ 9 bilhões não foram aplicados porque não teve projeto. Os demais R$ 8 bilhões foram pelo ralo. E tinha o dinheiro. O Brasil está fazendo a Copa do Mundo mais cara das que já foram realizadas no mundo inteiro, mas não tem saúde. Eu quero saber se lá na Arena Pantanal a população vai comer futebol. Porque futebol é o nosso principal esporte, mas não pode trazer benefícios à custa de mortes da população por falta de saúde.

MidiaNews – Há alguns anos, falava-se muito que a melhor saída para a cura ou tratamento de doenças era o aeroporto. Diante do quadro atual de saúde pública que vivemos, isso ainda vale?

Neves –
Eu acho que Mato Grosso, Cuiabá principalmente, já é um centro excelente de atendimento. O que falta é comprometimento do governo, em todas as áreas, mas principalmente na saúde e na educação, que estão intimamente ligadas. Você precisa de uma educação de qualidade e de uma saúde de qualidade. Não é abrir mais escolas de Medicina e nem implantar esse serviço obrigatório do SUS. O médico brasileiro demora quatro anos para se formar em Cuba, enquanto aqui no Brasil eles passam seis anos estudando e mais dois anos no SUS, então são oito anos. E olha que as nossas faculdades possuem deficiências muito grandes porque tivemos abertura de muitas escolas médicas sem qualidade. E isso o conselho vem combatendo também, porque as escolas brasileiras precisam ter qualidade para formar um bom médico. Durante o quinto e o sexto ano os alunos já trabalham com o SUS nas faculdades. Agora eles vão ter que trabalhar por mais dois anos no SUS, com registro provisório, para completar oito anos? O que a gente vê sendo instituído no país é o serviço civil obrigatório apenas para uma classe profissional, para os médicos. No Brasil, só existia, até então, um serviço obrigatório, o serviço militar, para homens. Então, nós estamos vivendo uma ditadura de esquerda neste país. Uma ditadura petista, de mensaleiros e corrupção. E isso em um partido que chegou onde está combatendo a corrupção.
 
Educação

MidiaNews – Como a senhora avalia os cursos de medicina oferecidos no país e, principalmente, no Estado?

Neves –
Hoje, no Brasil, nós temos 208 escolas de medicina. Nós só perdemos para a Índia, que tem mais de 1,2 bilhão de habitantes. Nós temos mais escolas de medicina do que a China, do que os Estados Unidos da América. Aqui em Mato Grosso, hoje, nós temos seis escolas de Medicina e não há professores suficientes para todas. Se você acha que todo aluno vai ser bem formado aqui, não vai, porque não tem condições. Temos deficiências, sim, nas escolas de medicina daqui, mas ainda são escolas boas em relação a outras universidades que existem no país.

Mary Juruna/MidiaNews

Lei do Ato Médico: "Existem profissionais excelentes, mas cada um deve atuar na sua área, cada um no seu quadrado"

MidiaNews – E quanto à fase de residência? Aqui ela é bem feita?

Neves –
Nessa semana, esteve aqui em Cuiabá a presidente da Associação Nacional dos Residentes Médicos [Beatriz Rodrigues Abreu da Costa] e ela ficou horrorizada ao ver a estrutura do Hospital Geral. Lá, tem residente dando plantão sem preceptor, e não pode. O residente tem que estar sempre acompanhado no plantão. São deficiências estruturais, sim. E continuam abrindo mais residências. Não é residente que eles querem, mas sim mão de obra barata. Porque um residente recebe muito pouco para trabalhar a carga horária que eles trabalham.

MidiaNews – A Unemat utiliza uma metodologia diferente de ensino – Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP) – onde as matérias são ministradas em aulas práticas, não expositivas, com o professor agindo apenas como um “mediador”, o que causou reclamação por parte dos estudantes – até pela falta de estrutura do curso. Como a senhora avalia esse método de ensino?

Neves –
Os alunos entraram sem estar preparados para aquilo, porque são métodos diferentes de ensino, e não há estrutura para adotar esse método. Você estuda em cima de casos. São trabalhos totalmente diferentes. Mas é um método válido que é aplicado em alguns lugares do mundo. É outra corrente de formar médicos, que para ser adotada precisa de uma grande estrutura e de uma qualidade para que o aluno seja bem formado, o que a Unemat não tem. A maioria das faculdades segue o método tradicional, por etapas e, depois que você tem toda essa formação, você vai para o internato.

Atuação do CRM-MT

MidiaNews – Quanto médicos nós temos hoje em Mato Grosso?

Neves –
Na ativa, temos 4.023, do qual 50% estão concentrados em Cuiabá e Várzea Grande.

"Eu acho que não vi um pior governo estadual em termos de saúde desde que eu me formei e vim para Mato Grosso como nos últimos doze anos"

MidiaNews – Durante os últimos dois anos e meio em que esteve à frente do CRM-MT, houve muitos casos de erros médicos ou punições de profissionais aqui no Estado?

Neves –
Sim. Nos últimos três anos nós cassamos três médicos. Um já saiu na imprensa e todo mundo sabe, que é o caso do ex-psiquiatra Ubiratan Barbalho. Mas a cassação precisa ser referendada pelo Conselho Federal de Medicina. Só aí ela pode se tornar pública. Nós tivemos, mês passado, uma lista grande de médicos que sofreram punições na linha C, que são advertências, censuras públicas que o conselho faz e publica nos jornais. Houve médicos que foram suspensos por 30 dias do exercício da profissão. São penas pesadas.

MidiaNews – E são punições para quais tipos de atos?

Neves –
As punições são por erros médicos, por ter tido uma má conduta, por apropriação indébita de dinheiro que não era do SUS, por venda de atestados médicos, entre outras. O menor número de casos é por erro médico. A maioria é por fraude, principalmente no Estado. E o que tem, a gente pune. Toda denúncia que chega ao conselho, é investigada. Mas se falarmos para o médico que ele está sendo investigado pelo conselho e todo o trâmite legal ainda não foi finalizado, ele pode ir à Justiça e anular aquele processo. Porque, pela lei, tudo corre sob segredo de Justiça. No caso do Ubiratan, mesmo, que não é mais médico, a gente já sabia que ele tinha sido cassado, mas a gente não podia falar para a imprensa, porque não tinha chegado à última instância. Só aí nós pudemos tornar a cassação pública. Tivemos outro caso em Água Boa e tem outra cassação que está correndo agora e vai ser votada em conselho, mas não posso comentar mais porque corre sob segredo de Justiça.

Mary Juruna/MidiaNews

"O Revalida é importante para avaliar se o médico está bem preparado para atender a população brasileira"

MidiaNews – Diante desse quadro atual da saúde , qual a projeção que a senhora faz para os próximos anos, principalmente para a categoria?

Neves –
Acho que vai ser muito difícil, até porque se vierem médicos sem formação, a população vai sofrer. Quem vai sofrer não são os médicos, mas aquela população mais carente, que vai morrer. Eu só quero saber quem vai pagar por essas mortes. Porque elas vão acontecer. Eu não tenho dúvidas. A classe médica não teme perder espaço nenhum. Quem vai perder, infelizmente, é a população, é o pobre, que vai ter uma medicina de segunda categoria para uma população que o governo acredita ser de segunda categoria. A classe médica não vai perder renda, como alguns falam. Porque depois que forem atendidos nos postos, eles vão procurar outro médico, da rede privada, e vão ter que gastar dinheiro. Não é a classe médica que vai sofrer. Quem vai continuar sofrendo e morrendo, é a população carente. E é isso que a população tem que entender.Formada há trinta anos pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e prestes a encerrar seu mandato à frente do Conselho Regional de Medicina de Mato Grosso (CRM-MT), a endocrinologista e nutróloga Dalva Neves, 56, ganhou destaque nas últimas semanas ao criticar veementemente – em nome da classe médica do Estado – as últimas ações do Governo Federal na área da saúde.

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Roseli  25.07.13 22h46
Dra Me ajuda entender a classe medica pq eu não consigo, o SUS oferece de segunda categoria essas são suas palavras, e pq os consultórios médicos fazem a pergunta aos pacientes se é convenio, não tem vaga na agenda, se for particular consegue encaixe se for Unimed só com um mês de antecedência ou mais? Pode responder Dra?
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ANISIO  25.07.13 14h50
Srª Dalva, é melhor ter uma saúde de segunda categoria do que uma de quinta que temos hoje.
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CELINA  25.07.13 09h16
Sra. Dalva, pergunte a população se ela concorda ou não com o ato do governo Dilma. É lamentável dizer isso, mais a culpa são dos profissionais que ai estão!! são médicos de quinta categoria, não sabem absolutamente nada, acredito que exista enfermeiros que sabe mais que muitos médicos. Pelo menos esses medicos que virão trabalhar no brasil, darão tudo de si, para dar um bom atendimento, e não me venham com essa de dizer que eles são sem qualificação, são qualificados sim, e muitos tem especializações, na europa!!
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gilmar  24.07.13 13h42
Sera que ela ja precisou de saude publia? o governo ja oferece saude de quinta
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João Balani  23.07.13 18h21
João Balani, seu comentário foi vetado por conter expressões agressivas, ofensas e/ou denúncias sem provas