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20.05.2013 | 11h00 Tamanho do texto A- A+

Farmácia de Alto Custo sem remédio; pacientes sofrem

Promotor critica a “ineficiência do Estado” e abre 14 inquéritos

Mary Juruna/MidiaNews

Pacientes procuram a Central de Assistência Farmacêutica (CAF); promotor Guedes abre 14 inquéritos

Pacientes procuram a Central de Assistência Farmacêutica (CAF); promotor Guedes abre 14 inquéritos

LISLAINE DOS ANJOS
DA REDAÇÃO
Pacientes que dependem dos serviços da Farmácia de Alto Custo em Mato Grosso continuam sofrendo com a falta de remédios essenciais para o tratamento de enfermidades graves, como câncer de pulmão, diabetes, epilepsia e doenças renais.

Enquanto o Governo do Estado aponta obstáculos burocráticos para aquisição dos medicamentos, o Ministério Público Estadual, por meio do promotor Alexandre Guedes, do Ministério Público, já instaurou 14 inquéritos civis – apenas este ano –, para averiguar as razões pelas quais o serviço não está sendo oferecido da forma como deveria.

"No Brasil inteiro se compra remédio. E em todo o Brasil, você tem situações pontuais de falta de medicamento. Mas, a falta generalizada que existe aqui em Mato Grosso não existe em outro lugar"

“No Brasil inteiro se compra remédio. E em todo o Brasil, você tem situações pontuais de falta de medicamento. Mas, a falta generalizada que existe aqui em Mato Grosso não existe em outro lugar. Faltam todos os tipos de medicamentos para várias enfermidades: Mal de Parkinson, Mal de Alzheimer, problemas renais, colírios oftalmológicos, que precisam ser usados senão a pessoa fica cega, enfim”, criticou Guedes, em entrevista ao MidiaNews.

Segundo ele, as portarias do MPE tratam de todos os tipos de doenças possíveis.

Esse é o caso, por exemplo, da manicure e depiladora M.C.P, de 50 anos, que regularmente vai à Farmácia para buscar remédios anticonvulsivos para o tratamento de epilepsia de sua filha, M.H.L.P, de 28 anos, e sempre volta para casa sem um deles em mãos.

M.H.L.P. deveria tomar o equivalente a duas caixas de Vigabatrina e Lamotrigina por mês, além de quatro caixas de Depakote ER 500, segundo prescrições médicas.

“A minha filha depende desses remédios desde os 11 anos de idade e, até meados de 2009, faltava um ou outro, atrasava uma semana, mas chegava. Agora, é sempre sem previsão. No caso do ER 500, há dois anos que não vem. Eu tive que recorrer à Justiça porque ela não pode ficar sem”, explicou.

Ela conta que consegue contar com ajuda de médicos e conhecidos para garantir a aquisição dos medicamentos, cujos valores variam de R$ 157 a R$ 212.

“Se for somar todas as caixas necessárias, dá cerca de R$ 1 mil por mês. Não temos como arcar com isso”, disse.

Inquéritos

Apesar de algumas das portarias instauradas pelo promotor Alexandre Guedes terem como referência problemas relatados por pacientes no ano anterior, algumas ausências persistem – e sem previsão de compra por parte da Coordenaria de Assistência Farmacêutica (CAF), da Secretaria de Estado de Saúde (SES).

Thiago Bergamasco

Promotor do MPE, Alexandre Guedes: 14 inquéritos apuram a falta de medicamentos

“Já abri 14 inquéritos apenas no início deste ano, só da chamada Farmácia de Alto Custo. E algumas portarias fazem menção à falta de mais de um medicamento, porque algumas pessoas tomam mais de um. Então, eu estou falando de 14 apurações de falta de medicamentos para 14 diferentes enfermidades e necessidades das pessoas”, disse o promotor.

Guedes salientou que o problema é crônico da gestão do atual Governo do Estado, sob Silval Barbosa (PMDB), não podendo apenas ser “despejado” sobre os ombros do atual secretário estadual de Saúde, Mauri Rodrigues de Lima (PP).

“Há anos tem essa história da falta de remédios. Na verdade, o problema é tão antigo quanto a gestão atual do Governo do Estado. O problema não é do atual secretário de saúde, que assumiu há quatro meses. Todos os secretários antes dele também tiveram problemas extremamente agudos em relação ao fornecimento de medicamentos. Isso eu posso dizer com tranquilidade”, afirmou.

De acordo com Guedes, por meio dos inquéritos, o MPE busca explicações do Estado para a ausência de medicamentos, mas a resposta é sempre a mesma.

“Eles dizem que o pregão foi deserto, que estão comprando, providenciando, enfim, usa-se muito o gerúndio. Nós não temos respostas claras e não tem uma mudança nisso. Por isso que eu digo que a questão da Farmácia de Alto Custo é um problema de gestão governamental que transcende a figura do atual secretário. É um problema crônico do atual governo”, disse.

Judicialização da Saúde


Guedes afirmou ainda que não é prioridade do MPE ingressar com ação civil pública, mas que em alguns casos, é necessário para garantir que a saúde da pessoa não se comprometa ainda mais e acabe levando-a a óbito.

"Há anos, tem essa história da falta de remédios. Na verdade, o problema é tão antigo quanto a gestão atual do Governo do Estado"

“A gente não quer que chegue a uma ação civil pública, mas às vezes isso acontece. O que nos perturba é que nós não estamos pedindo medicamentos novos. Se fala muito em ‘judicialização’ da saúde, mas aqui em Mato Grosso, pelo menos aqui dentro do MPE, nós não pedimos medicamentos ou tratamentos novos”, disse.

“São remédios já previstos nas portarias e o Estado está tendo um prejuízo imenso com isso, porque essa falta de capacidade de comprar faz com que o governo desembolse muito dinheiro. Isso porque a pessoa, com toda a razão, vai à Justiça buscar seus direitos. Aí dizem que a liminar atrapalha tudo. Sim, mas isso é porque não se conseguiu resolver de outra forma”, completou.

No entanto, nem mesmo uma decisão judicial garante a aquisição do medicamento. Isso é o que aconteceu no ano passado com o caso de um paciente que precisava de um remédio chamado Bozentana, usado para tratar de hipertensão pulmonar.

“É uma doença que não atinge um número elevado de pessoas, mas que normalmente leva à morte. O governo não estava comprando esse medicamento e eu tive que entrar com uma ação civil pública para garantir a compra e mesmo com ordem judicial tivemos dificuldade para o cumprimento da decisão. Tivemos que bloquear R$ 480 mil da conta do Estado para aí sim ser feito a compra do medicamento”, contou.

Um caso em que conseguir uma decisão judicial não resolveu o problema também é vivenciada pelo jornalista Nivaldo Queiróz, de 55 anos, que já teve sua história contada pelo MidiaNews em janeiro deste ano (leia mais AQUI).

Em luta contra um câncer de pulmão há sete anos, Nivaldo depende do remédio Erlotinibe 150 mg, conhecido popularmente como Tarceva 150 mg, desde junho de 2011 para dar continuidade ao tratamento.

O valor de uma caixa do remédio – que dura um mês – custa, em média, R$ 7 mil.

Mary Juruna/MidiaNews

Pacientes esperam por remédios, mas saem sem resposta satisfatória

Segundo o jornalista, o medicamento consta na portaria da Farmácia de Alto Custo, mas não é adquirido pelo Governo do Estado desde o início do ano, o que fez com ele migrasse para a Farmácia Judicial, tendo em mãos uma liminar da Justiça com data de 31 de janeiro deste ano.

“Até hoje o Governo do Estado não cumpriu a liminar da Justiça em relação ao meu medicamento. Eu tive que fazer um acordo com o meu médico e estou pegando um remédio de 100 mg, que é mais fraco, para manter meu tratamento porque até hoje o governo ainda não comprou o de 150 mg”, disse.

Por ser mais fraco, o remédio serve apenas como um paliativo e Nivaldo sofre com ataques de tosse frequente, mesmo tomando dois comprimidos ao dia. A medida emergencial custa até mesmo mais caro aos cofres públicos, uma vez que, para suprir suas necessidades, ele toma duas caixas da medicação, que juntas custam R$ 9 mil ao mês para o Estado.

Ele possui remédio suficiente até o dia 15 de junho, mas teme não encontrar disponível nem a dose mais fraca da medicação.

“No início de junho eu tenho que ir lá buscar e não sei se terá o medicamento. Na CAF eu nunca consigo falar. A farmacêutica que me atende na Farmácia de Alto Custo sempre diz a mesma coisa: o governo não comprou”, desabafou.

“Gargalos” burocráticos


Segundo o promotor de Justiça, o problema da compra de medicamentos em Mato Grosso é basicamente burocrático.

“Toda despesa acima de um determinado valor, não fica mais sob o comando da Secretaria de Estado de Saúde, mas tem que passar por uma comissão de gastos que é ligada ao gabinete do governador. O problema é que, com esse limite, todas as compras de medicamentos entram nessa situação e precisam passar pela avaliação dessa comissão, até mesmo as compras judiciais. Então, você tem em Mato Grosso gargalos burocráticos e de gestão”, disse.

"Temos centenas de pacientes que estão sofrendo com a falta de medicamento, alguns, inclusive já estão até na cadeira de rodas"

Guedes ressalta que a ineficiência do governo estadual em adquirir a medicação necessária faz com que adotem medidas emergenciais, como compra com dispensa de licitação, que acaba por comprometer os cofres públicos.

“O Estado acaba gastando muito mais dinheiro, mas não resolve o problema. E a situação vem se agravando cada vez mais e compromete os cofres públicos, porque o que eu compro de emergência usa mais dinheiro do que se eu comprasse em uma relação comercial normal”, disse.

A mudança constante de secretários de Saúde também prejudica a resolução do problema. Guedes afirmou que, sempre que há troca de comando na pasta, ele precisa dar início a um novo diálogo sobre o mesmo problema com o gestor que assume a secretaria.

“Nós tivemos três secretários de saúde apenas nesse mandato. Se eu pegar a gestão inteira, de quando o Silval (Barbosa) assumiu o fim do mandato do Blairo (Maggi), foram quatro secretários. Então, todo ano muda o secretário e eu preciso iniciar uma nova conversa com alguém. Essa instabilidade é complicada”, afirmou.

O promotor criticou, ainda, que apesar da mudança do chefe da pasta, nunca se alteram os demais integrantes da SES que estão diretamente ligados à aquisição dos medicamentos.

“Mudam o secretário da Saúde, mas não mudam o sujeito que é responsável pela Central de Assistência Farmacêutica (CAF), que é quem faz as compras. Ele não mudou desde o início da atual gestão do governo do Estado. O secretário de Estado é escolhido para discutir políticas de saúde, não para ficar preocupado com a compra de medicamentos, isso é a máquina burocrática que tem que cuidar. E ela não funciona”, disse.

Consequências irreparáveis


"Na reunião passada o secretário de Saúde disse que não vai comprar porque está regularizando a situação na SES, que começou sua gestão agora e que vamos ter que esperar alguns meses. Só que tem situação em que não dá para esperar. Estamos falando de vidas! "

Até o momento, não há denúncias no MPE de pacientes que acabaram perdendo a vida por falta no fornecimento de medicamentos, segundo o promotor Alexandre Guedes.

“Tem casos em que realmente a falta de medicamento constitui na morte. Mas aqui ainda não chegou nenhum caso específico em que a pessoa tenha feito essa junção de que o paciente morreu pela falta do remédio”, disse.

Presidente da Associação dos pacientes renais e transplantados de Mato Grosso (Apret-MT) e membro do Conselho Estadual de Saúde, Luzia Canavarros afirmou ao MidiaNews que já há muitos pacientes renais crônicos que sofrem com a piora no quadro clínico pela ausência dos medicamentos necessários.

De acordo com Canavarros, estão em falta 11 remédios na Farmácia de Alto Custo, sendo um de responsabilidade do Estado, regulamentado pela Portaria 172, e os demais que são regulamentados pelo Ministério da Saúde, mas também distribuídos pela FAC.

“Temos centenas de pacientes que estão sofrendo com a falta de medicamento, alguns, inclusive já estão até na cadeira de rodas”, disse.

Segundo Canavarros, os remédios começaram a falta há aproximadamente seis meses e são essenciais no tratamento para recomposição do cálcio, majoração dos hematófitos e dos glóbulos vermelhos e para evitar a rejeição em pacientes transplantados.

“E os pacientes não podem comprar esses medicamentos porque eles não estão disponíveis nas farmácias comuns da rede privada. Se tiver, será apenas em algumas farmácias especiais em Minas Gerais e São Paulo. E eles custam de R$ 2 mil a R$ 3 mil reais, dependendo muito das doses que o paciente tem que tomar”, explicou.

Ela criticou a postura do atual secretário estadual de Saúde, Mauri Rodrigues, que teria dito, na última reunião do Conselho Estadual, que não tem previsão para a aquisição dos remédios em falta.

“Na reunião passada o secretário de Saúde disse que não vai comprar porque está regularizando a situação na SES, que começou sua gestão agora e que vamos ter que esperar alguns meses. Só que tem situação em que não dá para esperar. Estamos falando de vidas! Como se as pessoas estivessem doentes porque quisessem. Mas é uma situação que está além da nossa vontade. Ninguém quer ficar doente ou tomar remédio”, desabafou.

Outro lado

Por meio de nota enviada por sua assessoria, a SES informou que o atual secretário, Mauri Rodrigues, está fazendo o possível para regularizar a aquisição de medicamentos na Farmácia de Alto Custo, mas que não irá recorrer a processos com dispensa de licitação – ato comum durante o ano de 2012.

A pasta informou que os processos são lentos e que, em breve, a necessidade da população será suprida.

"Você tem em Mato Grosso gargalos burocráticos e de gestão"

Confira abaixo a íntegra da nota enviada pela pasta:

“A maioria das aquisições de medicamentos realizadas pela Secretaria de Estado de Saúde no ano de 2012, o foram através de processo de dispensa de licitação, com justificativa na urgência e emergência.

Com a posse do atual Secretário, esses procedimentos deixaram de ser regra, priorizando-se a abertura de processos de Pregão para Registro de Preços. Para tanto, utilizou-se como critério a formação de 03 (três) grandes grupos de medicamentos, originando-se 14 (catorze) processos para aquisição de “Medicamentos de Alto Custo”, “Medicamentos da Portaria 172” e “Medicamentos oriundos de Demanda Judicial”

Tais processos encontram-se tramitando, de modo que não havendo nenhum questionamento de ordem técnica e/ou judicial, em breve todos os medicamentos referenciados em tais grupos estarão licitados e serão adquiridos de maneira imediata, de acordo com a necessidade e respeitando o processamento legal.

Concomitantemente a isso, foi concluído um levantamento sobre a real necessidade da Secretaria de Estado de Saúde, afim de que seja adquirido o montante necessário, sem que haja prejuízo com prazos de validade e/ou aquisições em desacordo com a verdadeira demanda.

Desta feita, caso se faça necessário, a Secretaria de Estado de Saúde poderá estar deflagrando um processo para aquisição de medicamentos em regime de urgência e emergência, o que muito embora não será regra na atual administração, se justificaria com base na necessidade da população.

Deve ser salientado que os processos de aquisições de medicamentos não são concluídos da maneira célere como se necessita, pois por se tratarem de medicamentos de alto custo, não estão disponibilizados no mercado local, dependendo, via de conseqüência, da participação de laboratórios e empresas com sedes noutras unidades da federação nos certames licitatórios, independentemente da modalidade.

Por fim, insta mencionar que sendo sabedor das necessidades da população, o atual Secretário de Estado de Saúde em nenhum momento se furtou de sua obrigação, de modo que vem adotando todas as medidas cabíveis para solucionar o problema de maneira imediata”.

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COMENTÁRIOS
7 Comentário(s).

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Marielly Martins  14.10.14 14h19
Uso um colírio a mais de 13 anos, e ha mais de um ano não recebo pela farmácia, eles enrolam, enrolam e nada. ha dois meses me passaram uma lista com os colírios que haviam, para o meu médico trocar, ele trocou e agora dizer que nem essa segunda opção tem, isso é uma verdadeira palhaçada !
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Thaiza Gusmão  14.10.14 14h19
Minha Mãe no dia 01/10/2014 veio a obito, a mais ou menos 6 meses ela não recebia medicamento Speriva e Alenia, venovou o processo e não recebeu o medicamento, é um descaso com a saúde da população.
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Thaiza Gusmão  10.10.14 09h25
Minha mãe faleceu quarta-feira dia 01/10/2014 e seis meses ela recebia medicamento da farmácia de alto custo, sofria de doença respiratoria
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Mauro  21.05.13 04h28
Hoje a Farmacia esta com 60% de falta em seu medicamentos, falta tudo e eles fazem gerenciamento do caos, ligam para o paciente evitando que vá na Farmacia e assim chamar atenção da midia. É um absurdo!
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José Antonio  20.05.13 14h39
Dinheiro para VLT, trincheiras, etc existe, mas para saúde,educação e segurança pública nada.
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